Áreas do Cerrado, no Distrito Federal e Entorno, são lar para diversas espécies silvestres de aves e de mamíferos. Contudo, a expansão urbana ameaça esse habitat e a fauna que o ocupa. Muitos desse animais são vítimas de acidentes, como atropelamentos, choques na rede de alta tensão, queimadas, entre outros. Situações desse tipo levaram o Instituto Ambiental de Brasília (Ibram) a estabelecer, em 2023, uma parceria com a Organização da Sociedade Civil (OSC) Sociedade Paulista de Medicina Veterinária. A união de forças permitiu que, em 1° de fevereiro deste ano, o Hospital e Centro de Reabilitação de Fauna Silvestre (Hfaus) abrisse as portas, em Taguatinga. O acordo firmado entre as duas instituições, para benefício das espécies selvagens, estabeleceu: programa de recepção, triagem, identificação, transporte, atendimento, acondicionamento, reabilitação e apoio à readaptação à natureza.
O presidente do Ibram, Rôney Nemer, informou que esse centro médico — funcionando, provisoriamente, em instalações no setor hoteleiro da região administrativa — era uma ideia desejada há muitos anos. Ele comentou que o contrato para que os atendimentos sejam feitos naquele local tem duração de cinco anos. Ao fim desse período, segundo Nemer, o plano é que haja um prédio que o hospital ocupará definitivamente. "Nós temos 82 unidades de conservação, a ideia é que a gente construa o hospital em uma delas. Queremos organizar tudo para, até o final desse contrato, termos o nosso hospital, assim como foi feito com o Hvep (Serviço Veterinário Público)", disse.
Com capacidade para atender 60 animais feridos por mês, o Hfaus — que funciona 24 horas, todos os dias —, recebeu mais de 410 pacientes de diferentes espécies, a maioria aves, além de mamíferos, répteis e um anfíbio, desde que foi inaugurado. Ao Correio, o biólogo Thiago Marques de Lima, responsável pela supervisão do hospital, salientou que o local conta com uma equipe ampla: "Nós temos zootecnistas, veterinários especializados e biólogos. No caso dos veterinários, há os fixos e aqueles que fazem o atendimento sob demanda, estes atuam na oftalmologia, ortopedia, exames de imagem, tomografias, ultrassom. Também, temos o programa de aprimoramento veterinário e os estagiários".
A rotina no hospital é imprevisível, não é possível saber quais serão os próximos pacientes a precisar de atendimento. Lima explicou que há profissionais de plantão 24h, mas que, em casos de procedimentos cirúrgicos, por exemplo, especialistas são acionados. "Recentemente, a gente realizou a cirurgia ortopédica de um cervo que foi atropelado. Muitas vezes, os animais que chegam foram vítimas de atropelamentos, eletrocutados ou se chocaram com vidraças, o que faz com que eles percam membros, e é nesse processo que entra o médico especializado para realizar as cirurgias", explicou.
O especialista apontou que o tempo em que os animais permanecem internados para receber os cuidados depende de cada caso. No local, o Correio conheceu o tamanduá-mirim chamado de "Paciente 7". O animal, arisco e de personalidade forte, foi um dos primeiros a ser recebido, em fevereiro. Cinco meses após iniciar sua internação, e ainda sob cuidados, está muito melhor do que quando foi internado, de acordo com a equipe médica. Ele ganhou peso, não se alimenta mais por sonda e está a poucos passos de receber alta.
Desempenho
Assim como em qualquer outro hospital, nem todos os atendimentos são finalizados com êxito. Há casos em que os pacientes chegam com quadros graves, não sendo possível revertê-los. Apesar disso, o saldo de recuperados é positivo. O biólogo lembrou de um lobo-guará que chegou muito debilitado. Recebeu tratamento, recuperou-se e foi reinserido no Cerrado com sucesso. "Foi um caso emblemático. Ele chegou com uma ferida muito extensa na região frontal da cabeça. Após passar por exames de sangue, de imagem e nos olhos, a gente conseguiu fazer toda a recuperação. Ele não teve nenhuma sequela neurológica e, quando estava 100%, foi levado de volta para a natureza", disse.
No dia a dia, os profissionais tentam estabelecer o mínimo de contato direto com os animais. Isso é necessário para garantir sua reinserção exitosa e com segurança no meio ambiente, de acordo com Lima. O supervisor do Hfaus comentou, porém, que alguns desses pacientes eram mantidos em cativeiro doméstico, e a convivência cotidiana com seres humanos alterou seu comportamento natural. Esse é o caso de uma filhote de onça parda, resgatada por bombeiros, em uma residência em Formosa-GO, e que ocupa um dos leitos do hospital. Brincalhona, mostra-se muito mansa, segundo o biólogo. Isso indica que ela, provavelmente, teve intenso contato com pessoas. Agora, terá de ser feito um trabalho minucioso para tentar reverter esse quadro.
"Todo esse trabalho será realizado com ajuda de parceiros. O hospital não tem a estrutura adequada, e ela (a oncinha), provavelmente, será destinada ao Ibama, que tentará fazer sua reintrodução na natureza", disse. Ele salientou que o destino dos animais tratados pela instituição é decidido, exclusivamente, pelo Ibama.
Colaboração
De acordo com seus gestores, o Hfaus não atende à comunidade e nem pets. Os serviços prestados são exclusivos para atendimento emergencial à fauna nativa. Quem encontrar algum espécime silvestre que necessite de algum cuidado médico deve acionar o Batalhão da Polícia Militar Ambiental (BPMA), pelo número 190. Agentes do órgão resgatarão o bicho e o levarão ao hospital. "Os cidadãos têm muitíssima importância no resgate porque, normalmente, são eles que encontram os bichos (feridos) e não os policiais", completou Lima.
O biólogo lembrou que um dos objetivos do hospital é promover a educação ambiental junto à sociedade. "A gente oferece capacitação para profissionais. Já demos palestras para policiais civis, ambientais, mas também pretendemos abrir palestras e cursos em escolas e universidades", comentou. Ele disse que interessados em aprender sobre cuidados com a fauna local podem entrar em contato com a instituição.
Os estudantes de medicina veterinária que quiserem estagiar no Hfaus devem estar atentos ao períodos de inscrição para as vagas. A instituição, contudo, apenas abre oportunidades para os que estão nos dois últimos semestres do curso. "Todas as vagas para este semestre até janeiro do ano que vem estão preenchidas, mas no início do próximo ano abriremos mais inscrições", informou o supervisor.
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