O real no seu momento mais fraco dos últimos dois anos; prêmios de risco subindo no mercado; embates do presidente da República com o presidente do Banco Central; dúvidas no mercado sobre o compromisso do governo com metas fiscais.
A economia brasileira enfrenta o seu momento mais turbulento desde o começo do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2023.
E os investidores estão reagindo a isso com reflexo nos preços. O mês passado foi o pior da bolsa brasileira neste ano.
Por isso, surpreendeu a frase do investidor e colunista do Financial Times Ruchir Sharma em entrevista à BBC News Brasil na semana passada: "eu retiraria meu dinheiro dos EUA e colocaria em mercados emergentes".
E quando ele fala em mercados emergentes, ele inclui também o Brasil na sua avaliação.
Sharma faz a ressalva de que não acredita no modelo de crescimento do Brasil — e não acha que o desempenho país seja exemplar entre emergentes. Pelo contrário: ele segue pessimista em relação a economia brasileira.
O que acontece agora — segundo ele — é que na sua visão existe um otimismo exagerado dos mercados com a economia dos Estados Unidos, o que fez encarecer os preços dos papéis americanos. Já os emergentes, ele acredita, estão subvalorizados além da conta.
Haveria, portanto, espaço nos próximos cinco a dez anos para ganhar dinheiro com esse descompasso. Ele acredita que é o momento para se retirar dinheiro investido nos EUA e colocá-lo em mercados emergentes diversos — o que inclui o Brasil.
Visão invertida
Ruchir Sharma ficou famoso no começo da década passada por dizer justamente o oposto do que está recomendando agora.
Entre 2010 e 2012, ele resolveu viajar por diversos países emergentes em busca do próximo milagre econômico.
Existia na época um enorme otimismo com países como o Brasil — e até previsões de que, coletivamente, os grandes emergentes um dia superariam em riqueza os países desenvolvidos.
Sharma queria conferir tudo isso com seus próprios olhos.
No entanto, em suas viagens, Sharma concluiu o oposto. Seu livro de 2012, Breakout Nations: In Pursuit of the Next Economic Miracle ("Países Emergentes: Em Busca do Próximo Milagre Econômico", em tradução livre), fez sucesso entre economistas em parte por ser um dos primeiros a questionar a empolgação exagerada com os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, além de novos membros mais recentes).
O Brasil, segundo ele, não resistiria ao fim do ciclo das commodities e voltaria ao padrão de baixo crescimento.
A China pararia de crescer em dígitos duplos, afetada pelo alto endividamento do país.
Mesmo a Índia — o país mais promissor entre os Brics, segundo Sharma — teria apenas 50% de chances de um milagre econômico, considerando os problemas crônicos de corrupção e burocracia.
Sua conclusão foi que o próximo milagre econômico aconteceria não nos emergentes, mas sim nos Estados Unidos — um país que continuava possibilitando que seus empreendedores praticassem a chamada “destruição criativa”.
Segundo esse conceito que remonta a Karl Marx e Joseph Schumpeter, novas empresas e novas tecnologias “disruptivas” surgem e aniquilam o que existia antes.
Esse processo seria a base fundamental do capitalismo que garante o progresso da humanidade.
Algumas das previsões de Sharma se provaram corretas.
Mas hoje, 12 anos depois do primeiro livro, Sharma acredita que a situação se inverteu. Para ele, existe um otimismo exagerado com a economia americana — que estaria dando sinais de falhas no seu capitalismo.
E ele vê em países emergentes do Leste Europeu e da América Latina — inclusive no Brasil — oportunidades um pouco melhores de investimento do momento.
Sharma deixa claro que segue não acreditando no modelo de crescimento brasileiro, que critica por ser dependente demais da intervenção do Estado (“o país está emergindo desde sempre”).
E afirma que investiria no Brasil e outros emergentes apenas como forma de diversificar dinheiro que está nos EUA — e não pelos fundamentos desses países.
O problema da economia americana é tema do seu novo livro, lançado este ano — What Went Wrong With Capitalism (“O Que Deu Errado no Capitalismo”, em tradução livre). Sharma argumenta que, nos últimos cem anos, a intervenção do governo na economia cresceu demais.
Em tese, isso serviria para melhorar a vida de todos. Mas Sharma argumenta que o excesso de estímulos financeiros, subsídios e injeção de recursos na economia é prejudicial sob diversos aspectos.
Um dos problemas, segundo ele, é que incentivos financeiros do governo acabam beneficiando as grandes multinacionais e as elites — porque maior liquidez no mercado provoca aumento de preço de ativos e imóveis, que estão justamente na mão dos mais ricos.
Outro problema é que estímulos criam inflação e aumentam os juros — e os efeitos econômicos disso são, novamente, o aumento da desigualdade.
Mas o principal defeito dos estímulos econômicos do governo, para Sharma, é que eles prejudicam a inovação e a destruição criativa — que são as bases do capitalismo.
Segundo ele, os mercados hoje estão viciados em estímulo financeiro — um pouco como pacientes ficaram viciados em opioides nos EUA por não tolerarem mais dor.
Para o autor, o excesso de estímulos criou “empresas zumbis” — negócios que já deveriam ter quebrado e sido substituídos por ideias inovadoras, mas que sobrevivem graças a auxílios governamentais que só atrasam o capitalismo.
Outro problema do capitalismo atual é a sensação de insatisfação que provoca na maioria das pessoas — e que, para Sharma, explica as tensões políticas que o mundo vive hoje.
Ainda pessimista, ele vê poucas respostas sendo dadas pelos políticos em diversos países do mundo — tanto os que estão no poder como os que estão na oposição.
Sharma não acredita que o mundo pode voltar ao século 19, em que o governo praticamente não agia na economia.
Para ele, a solução para os problemas do capitalismo passa por governos e bancos centrais mais cautelosos e menos propensos a conceder estímulos. Ou seja: dando maior liberdade econômica aos agentes privados.
Sharma nasceu na Índia e trabalhou como colunista de economia no começo de sua carreira. Foi estrategista-chefe global do banco de investimentos Morgan Stanley.
Hoje ele é diretor da empresa de gestão de fortunas Rockefeller International e colunista do jornal Financial Times.
Ele conversou com a BBC News Brasil sobre os desafios do capitalismo e da economia global.
BBC News Brasil: Você escreveu um livro que critica a expansão sem precedentes do tamanho dos governos. E o livro foi pensado durante a pandemia, justamente quando o mundo clamava por governos grandes, para que ajudassem em um momento de dificuldades. Será que era o melhor momento para se criticar governos grandes?
Ruchir Sharma: Os governos se sentiram muito empoderados para fazer os lockdowns e adotar medidas draconianas, em parte porque eles tinham grande confiança que não provocariam nenhum dano econômico com isso — porque eles podiam continuar estimulando a economia em uma escala inédita.
Nunca na história houve tanto estímulo sendo dado. Houve desastres naturais e pandemias antes. Mas nunca houve tanto estímulo financeiro. As pessoas ficavam em casa recebendo cheques do governo — inclusive as pessoas mais ricas. Pessoas com renda superior a US$ 100 mil (cerca de R$ 540 mil) por ano recebiam cheques nos Estados Unidos. Houve mau uso por parte de alguns negócios.
E houve um dilúvio de liquidez que o banco central americano botou no sistema. Em certo momento, o governo estava comprando papéis da Berkshire Hathaway [empresa de investimentos de Warren Buffet, um dos homens mais ricos do mundo] e créditos com baixo risco. Era uma compra sem critérios.
Fiquei assustado com o tamanho do envolvimento do governo e me fez pensar o quanto o capitalismo mudou nos últimos cem anos.
BBC: O tamanho do estímulo durante a pandemia foi inédito, mas também o tamanho da crise foi inédito. Tirando exageros que foram cometidos, não era importante que os governos agissem com estímulos naquele momento?
Sharma: Sim, mas acho que o problema não foi só o que aconteceu durante a pandemia. É quanto tempo durou depois e as consequências disso. Mesmo depois que a pandemia passou, em 2021 e 2022, os governos continuaram estimulando a economia.
No ano passado, segundo algumas estimativas, o estímulo fiscal respondeu por um terço do crescimento econômico dos EUA. Isso em pleno 2023.
Então quando se começa a fazer isso, fica difícil parar. E o governo não parou.
Talvez fosse a coisa a fazer no calor do momento [da pandemia], mas essa ação continuou por muito tempo. Agora a inflação está aniquilando a poupança de muitas pessoas. E até agora a inflação ainda não voltou ao patamar pré-pandemia.
Então os efeitos disso têm sido duradouros.
BBC: O mundo hoje está sofrendo porque os governos agiram demais?
Sharma: A ideia do livro é mais profunda do que apenas isso. É sobre como o envolvimento do governo na economia mudou ao longo de cem anos. Nos EUA, por exemplo, há cem anos o gasto governamental representava apenas 3% do PIB. Hoje ele está em 36% e sempre esteve em crescimento.
BBC: Você compara os estímulos do governo à crise de opioides nos EUA, em que se passou a tomar mais remédios contra a dor e isso deixou as pessoas viciadas. Os governos estão viciados em dar estímulos para evitar dores econômicas?
Sharma: É a analogia perfeita. Nos EUA, existe uma crise de opioides porque as pessoas estão viciadas em drogas. Porque para qualquer tipo de dor, se receita uma droga. E a dor aumenta, e se receita mais drogas. E as pessoas acabam viciadas. É algo que os médicos estão percebendo que é um problema.
Vejo a mesma coisa acontecendo na economia agora, com a escala da intervenção. A qualquer sinal de dor, os mercados desabam 5% e dizem: o Banco Central americano precisa fazer alguma coisa rapidamente. É essa cultura de administração da dor que agora chegou no ciclo econômico.
BBC: Mas qual seria a solução para isso? Menos estímulos? Menos intervenção dos bancos centrais? Isso melhoraria o capitalismo?
Sharma: O primeiro passo é diagnosticar o problema. Primeiro, vamos entender qual é o problema que provoca essa campanha de estímulos e de se resgatar empresas do setor privado. Um dos problemas é que se cria muitas regulações, e não se extingue as anteriores.
A quem isso tudo beneficia? A sociedade? Ou as grandes empresas que têm capacidade de manipular o sistema para obter as regulações?
Muitas das pessoas que estão à esquerda do espectro político pensam: vamos aumentar o tamanho do governo, criar mais legislações, gastar mais dinheiro.
No caso do governo Biden, ele falou que precisamos acabar com a cultura do governo pequeno e precisamos de mais governo. Mas quando o governo foi pequeno?
Mostro no meu livro como ele cresceu. Para mim, a solução óbvia é que precisamos reequilibrar as coisas. Não podemos voltar para o século 19, onde o capitalismo funcionava laissez-faire, sem bem-estar social de Estado, e em que os governos não tinham nenhum papel no ciclo econômico, salvo em momentos de pânico. O papel do governo era mínimo.
Eu não acho que podemos voltar a isso, mas certamente podemos voltar a ter algum tipo de equilíbrio, senão os custos vão continuar crescendo. E quais são os custos até agora? Não tivemos uma crise de dívida, mas há outros custos. Um deles é que o crescimento da produtividade no mundo ocidental, incluindo nos EUA, está em decadência nos últimos 30 ou 40 anos. E esse é um custo real, porque o capitalismo destrutivo, que é a base da economia, está ficando comprometido por esse tipo de capitalismo distorcido.
Outro custo que pagamos é que a maioria das pessoas sente que o sistema é manipulado contra elas. Muitas pessoas nos EUA e no Ocidente dizem que sentem que o mundo está tomando o rumo errado. Mesmo nos EUA, onde o crescimento econômico é satisfatório, muitas pessoas sentem que isso só está beneficiando uma elite no topo. Não está beneficiando as pessoas em todas as faixas de renda.
BBC: Uma expressão que você usa é socialismo para os muito ricos, sugerindo que os gastos governamentais produzem mais desigualdade. Como isso funciona?
Sharma: Não é socialismo apenas para os ricos. É socialismo para todos. O risco foi socializado para todos. Socialismo para os ricos é um slogan popular entre os Bernie Sanders [político americano de esquerda] deste mundo. Eu digo que em parte é verdade, mas que o risco foi socializado pela sociedade.
O que digo no livro é que [a norma hoje é que] ninguém pode quebrar, porque se alguém quebrar, isso provoca um efeito dominó na cadeia. É esse o pensamento corrente.
E como isso provoca desigualdade? Primeiro, quando o governo intervém ou cria novas regulações, os maiores beneficiados são as grandes corporações. Eu falo com muitos negócios pequenos e médios e eles me dizem que o custo de fazer negócios cresceu por causa da carga regulatória que agora é maior.
Em segundo lugar, estas grandes corporações têm poder máximo de lobby em Washington e conseguem a regulação escrita do jeito que querem.
E em terceiro, quando o banco central americano joga liquidez no sistema, como aconteceu durante a pandemia, o maior ganho de riqueza acontece entre os mais ricos.
A liquidez infla os preços dos ativos e essa inflação beneficia os ricos que possuem esses ativos — ações, títulos e propriedades.
A pessoa comum se sente desfavorecida, porque fica mais caro para ela comprar casa ou pagar empréstimo imobiliário, porque os preços subiram tanto. E vimos uma inflação imobiliária muito grande nos últimos anos, especialmente nos EUA depois da pandemia.
BBC: Mas se os riscos são socializados entre todos, o estímulo do governo não melhora a vida de todo mundo — ricos e pobres —, em tese? Mesmo que os ricos acabem ganhando mais, em relação aos demais?
Sharma: O inferno é cheio de boas intenções. Sim, a intenção pode ser boa. Mas se todos estivessem sentindo que estão melhor de vida, por que as pesquisas mostram um cenário tão ruim? Por que só 35% dos americanos acreditam que estarão melhor financeiramente do que seus pais — quando há 50 anos 80% dos americanos acreditavam que estariam melhor do que seus pais?
Por que 70% dos americanos sentem que querem acabar com o sistema ou mudá-lo?
Se a maré alta estivesse realmente levantando todos os barcos, as pessoas estariam felizes e não estariam sentindo que o sistema é manipulado contra elas e que precisa ser derrubado.
BBC: Nas democracias, as pessoas podem votar. O que os políticos estão prometendo? Alguém se propõe a salvar o capitalismo?
Sharma: Não. O problema é que políticos só agem quando o país está em crise. Na América Latina você vê que as melhores reformas só são aprovadas quando o país está completamente em crise. Quando tudo parece bem na superfície, não há crise aparente.
Não há motivo para os políticos mudarem nada só por romantismo, e quando eles chegam a Washington eles são consumidos pelo Estado.
Um exemplo clássico é Trump. Ele se coloca como antiestablishment e isso agrada muitas pessoas. Mas, como mostro no meu livro, uma das propostas boas que ele tinha era retirar duas novas regulações para cada nova regulação que fosse criada.
Ele prometeu isso. Mas no final do seu mandato, Trump tinha criado tantas regulações quanto seus antecessores, como Obama. Não houve mudança.
É muito difícil mudar essa cultura quando até pessoas como Trump falam uma coisa, mas não cumprem depois de eleitos. Ele não fez nada para cortar gastos ou regulações.
BBC: Vamos falar sobre Brasil. Há alguns anos, você escreveu um livro em que buscava o novo milagre econômico entre os países emergentes. Na época, você disse que o otimismo internacional com o Brasil estava ligado apenas ao ciclo de commodities, e que esse otimismo passaria depois que o ciclo acabasse. Na época, isso foi controverso, mas parece ter se confirmado. Você acha que a economia do Brasil está fadada ao fracasso, entre os emergentes?
Sharma: O Brasil está emergindo desde sempre. Há 200 países no mundo, e só 40 deles são classificados como desenvolvidos. Todos os demais são emergentes.
O Brasil tem uma abordagem bem estatizante, com muito envolvimento do governo. Eu sigo acreditando no que disse em meu livro de 2012.
Nada mudou. O Brasil, nos últimos dez ou doze anos, fez algumas correções de curso no lado fiscal. Mas agora, de novo, as pressões no lado fiscal estão aumentando.
Mas nada mudou fundamentalmente no Brasil. Houve algumas mudanças positivas. O setor agrícola está com um desempenho melhor, com um boom de produtividade.
No entanto, no geral, muito pouco mudou no Brasil na década.
BBC: Pode-se dizer que pouco mudou? Ao longo dos últimos anos, o Brasil aprovou diversas reformas — trabalhista, previdenciária e em outras áreas. E isso sob governos de diferentes orientações políticas. Por que dizer que pouco mudou?
Sharma: Houve mudanças. E isso impediu o Brasil de ter uma crise fiscal. Mas o que eu digo que não mudou é o modelo fundamental de crescimento do Brasil. Eles fizeram o suficiente para evitar um problema fiscal em momentos críticos, mas novamente o endividamento está crescendo e investidores estrangeiros estão preocupados com a interferência do governo na economia.
Esse envolvimento do Estado e a baixa produtividade no Brasil fazem com que eu não veja mudanças no país.
BBC: Há doze anos, você estava em busca do próximo milagre econômico. Você encontrou?
Sharma: Eu tinha bastante otimismo com o leste da Europa no livro. Citei a Polônia e a República Checa como países que poderiam virar países desenvolvidos. Eu ainda acredito nisso, em parte. Sobre os quatro Brics [inicialmente, eram só Brasil, Rússia, Índia e China], eu era bastante pessimista quanto ao Brasil e Rússia, e com sentimentos mistos em relação à China. Nos últimos anos, meu pessimismo com a China cresceu e eu escrevi bastante sobre como vejo o modelo econômico chinês saindo dos trilhos.
Tenho um pouco menos de pessimismo com a Índia do que quando escrevi o livro. E a Índia tem tido desempenho econômico satisfatório em termos gerais. Nenhum país é perfeito.
No meu último livro, eu falo de três países onde o capitalismo ainda está funcionando: Suíça, Taiwan e Vietnã.
O motivo pelo qual escolhi esses três países é porque eles estão em níveis de renda diferentes.
A Suíça é muito rica — talvez o país mais rico do mundo — e um dos mais economicamente livres do mundo. Taiwan é um bom exemplo, porque lá o gasto do governo representa apenas 20% do PIB. E eles gastam muito bem esses 20%. Taiwan, se você lembrar, foi um dos países muito elogiados pela forma como lidou com a pandemia, com seu Estado tecnológico.
E, finalmente, temos o Vietnã, que é um país relativamente pobre, mas que tem dado liberdade econômica para seu povo. E temos visto o Vietnã crescer no nível de renda nas últimas décadas.
Esses são exemplos. Esses países oferecem maior liberdade econômica — e liberdade econômica para mim é o que permite fazer com que o capitalismo funcione.
No meu livro de 2012, eu disse que havia otimismo exagerado com países emergentes, sobretudo os Brics. E concluí que o grande país do milagre na época eram os EUA.
Terminei o livro lamentando não ter investido seguindo esse preceito, porque o único país onde as pessoas realmente ganharam muito dinheiro nos últimos anos foi nos EUA.
Mas agora nestes últimos dois ou três anos, em particular no mundo pós-pandemia, eu acredito que os EUA também estão exibindo muitas falhas. A dívida e os déficits recebem muita atenção, mas existe uma corrosão do capitalismo, que foi o que me motivou a escrever esse livro.
BBC: Mas há quem diga que os EUA não estão tão mal. A economia segue crescendo, as bolsas estão em níveis recordes e ainda há empresas novas praticando a destruição criativa. Onde estão as falhas?
Sharma: Sim, os EUA ainda têm muitas qualidades, sem dúvida. Mas o tipo de capitalismo americano está prejudicado.
A falha que vejo é que, apesar de tudo que acontece na superfície, as pessoas nos EUA estão infelizes. Muitos jovens americanos de hoje — sobretudo os democratas — dizem que preferem o socialismo ao capitalismo. As pesquisas mostram isso.
Se tudo estivesse bem com o capitalismo, esses jovens também estariam comemorando. O que está acontecendo? Para mim, era impensável que jovens americanos fossem preferir socialismo ao capitalismo. Quem imaginaria?
E outra falha inacreditável, apesar de a economia estar indo bem, é que existe uma concentração de riqueza inacreditável acontecendo nos EUA.
BBC: E como lidar com essas falhas? Se os políticos estão só atendendo o que os eleitores querem, como quebrar esse ciclo?
Sharma: Os eleitores estão pedindo que algo seja mudado, que algo radical seja feito. Eles não estão satisfeitos com o status quo.
BBC: E o que seria isso?
Sharma: Não vejo uma resposta para isso. Porque mesmo nos EUA hoje a escolha é entre dois líderes que muitos americanos não veem como a melhor escolha.
Pesquisas mostram que os americanos gostariam de ter outras opções, mas ninguém conseguiu surgir [no cenário político americano] com essa configuração.
Então virou uma disputa muito polarizada entre duas personalidades, em vez de uma disputa de políticas substanciais. Nenhum dos lados está oferecendo uma solução nova ou diferente.
BBC: Você trabalha em um mundo de dinheiro. Onde você botaria seu dinheiro hoje em dia?
Sharma: Quando escrevi meu livro [de 2012], eu estava bastante pessimista em relação aos países emergentes. E eu estava mais “bullish” [recomendando investimentos mais agressivos] com os EUA.
Acho que hoje tenho a visão oposta. Os [investimentos nos] EUA estão sendo superestimados por todos. Ainda assim, a grande incoerência no mundo é que os EUA representam 26% do PIB global. Mas representam mais de 50% da capitalização de mercado global. Nos índices MSCI [índices de ações do mundo todo], os EUA representam 65% da capitalização.
Acho que tem algo errado com isso. Com base nisso, eu retiraria meu dinheiro dos EUA e colocaria em mercados emergentes, que eu acho que tiveram desempenho ruim nos últimos dez, doze anos. E os retornos podem ser bem melhores nos próximos cinco a dez anos. Isso inclui lugares como Leste Europeu e até mesmo na América Latina, como no México ou na Argentina. Ou até mesmo no Brasil.
Sinto que alguns desses lugares estão subestimados neste momento. Então sinto que há oportunidades reais hoje em termos de investimento, que é comparar: o que os mercados veem e o que eu vejo.
Eu vejo mais oportunidades em mercados emergentes hoje do que vejo nos EUA. Há uma década era o oposto.
BBC: Até mesmo no Brasil?
Sharma: Eu não estou otimista em relação aos fundamentos do Brasil, mas estaria procurando formas de diversificar fora dos EUA hoje em dia. O Brasil não é uma das minhas principais escolhas.
BBC: Você mencionou México. Por quê?
Sharma: Não acho que estejam fazendo reformas fundamentais, mas estão sob pressão finalmente. No México há incertezas porque não se sabe como será o novo governo.
Mas eles estão se beneficiando enormemente do boom de terceirizações, que é a estratégia China Plus One [em que empresas investem em outros países que não a China, para diversificar seus riscos e diminuir a concentração na China].
O México se beneficia muito com isso e tem mostrado resistência na economia, apesar de juros altos e demanda apenas razoável.
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