A justificativa de Sonia Sotomayor, juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos, para o voto contrário soou como uma advertência e uma repreensão aos colegas.: "O presidente é, agora, um rei acima da lei". Por seis votos a favor e três contra, a máxima instância do Judiciário norte-americano determinou que o magnata republicano Donald Trump, 78 anos, tem "imunidade absoluta" por seus atos oficiais ocorridos durante a sua presidência.
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Em uma decisão sem precedentes, todos os seis juízes conservadores — Samuel Alito, Amy Coney Barrett, Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh, John C. Roberts Jr. e Clarence Thomas — concluíram que o presidente dos EUA está resguardado de ser alvo de processos judiciais por ações tomadas no exercício do cargo. Apenas os magistrados progressistas Ketanji Bown Jackson, Elena Kagan e a própria Sonya Sotomayor divergiram da maioria. O trio expressou "temor" pela democracia norte-americana.
Em nome da maioria conservadora, Roberts Jr., chefe da Suprema Corte, escreveu que "o presidente não está acima da lei". "O Congresso não pode criminalizar a conduta do presidente no cumprimento das responsabilidades do Poder Executivo, nos termos da Constituição", opinou. "O presidente não pode ser processado por exercer seus poderes constitucionais básicos e tem direito, no mínimo, a uma suposta imunidade processual por todos os seus atos oficiais."
Além de ampliar os poderes presidenciais, a medida adia o julgamento federal de Donald Trump e devolve o caso a um tribunal de primeira instância — o ex-presidente é acusado de conspirar para fraudar os Estados Unidos, bem como de obstruir um procedimento oficial: a sessão conjunta do Congresso realizada em 6 de janeiro de 2021 para certificar a vitória de Joe Biden. Por meio de um breve comunicado, Iam Sams, porta-voz do Gabinete do Conselho da Casa Branca, lembrou que o princípio de que "ninguém está acima da lei" é fundamental e molda o sistema de Justiça nos EUA. "Precisamos de líderes como o presidente (Joe) Biden, que respeitem o sistema de justiça e não o destruam."
É praticamente impossível que Trump seja julgado antes das eleições de 5 de novembro. Em mensagem publicada na sua rede Truth Social, o magnata republicano celebrou a imunidade parcial. "Grande vitória para nossa constituição e democracia. Orgulho de ser norte-americano", escreveu. Os democratas não esconderam preocupação e medo em relação ao futuro dos EUA. "Simplesmente assustador. Que Deus tenha misericórdia desta nação", escreveu Jaime Harrison, presidente do Comitê Nacional Democrata, citado pelo jornal The New York Times. Vice-gerente da campanha de Biden, Quentin Fulks acusou a Suprema Corte de "entregar a Donald Trump as chaves de uma ditadura". Chuck Schumer, líder democrata no Senado, considerou "vergonhosa" a decisão da Justiça e viu "um dia triste" para os EUA. "A traição ou o incitamento à insurreição não devem ser considerados um poder constitucional central concedido a um presidente", avaliou.
Deveres
Professora de direito da Universidade de Michigan e ex-procuradora federal chefe para o Distrito Leste de Michigan, Barbara McQuade explicou ao Correio que, segundo a decisão da Suprema Corte, os atos oficiais de um presidente são imunes se forem deveres constitucionais fundamentais. "Outros atos que não sejam deveres expressos na Carta Magna podem ser alvos de processo. O tribunal de primeiro instância terá que voltar atrás e analisar a acusação para ver como recaem as acusações, se são alvo de imunidade ou não", afirmou. "Acho que a Suprema Corte tenta equilibrar as capacidades do presidente de agir de forma confidencial, mas ainda assim ser responsabilização quando abusar de seu poder", acrescentou.
Para McQuade, o caso levanta preocupações de que um presidente poderia cometer atos ruins sem ser responsabilizado por eles. "Teremos que esperar e ver como a decisão da Suprema Corte se aplica ao caso Trump e em casos futuros, antes de termos uma compreensão de seu escopo." Por sua vez, Aziz Huq, professor de direito na Universidade de Chicago, acusa o presidente da Suprema Corte de criar uma doutrina que permite aos presidentes violarem a lei com grande imunidade. "Trata-se de uma doutrina perigosa, pois incentiva e provoca atividades criminosas por parte de presidentes", disse à reportagem. "O argumento da Corte para fazê-lo — de que os presidentes precisam de discrição para todas decisões difíceis — é, na melhor das hipóteses, pouco fundamentado, e, na pior, algo jocoso."
EU ACHO...
Barbara McQuade, professora de direito da Universidade de Michigan e ex-procuradora federal chefe para o Distrito Leste de Michigan
"Agora, o presidente pode utilizar a força militar ou a vigilância contra inimigos domésticas. Trump sempre foi um perigo para a democracia, quer ele seja eleito, quer não. Mas o risco, após essa decisão da Suprema Corte, é maior."
Aziz Huq, professor de direito na Universidade de Chicago
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