Menos de 24 horas depois da tentativa de golpe contra o presidente Luis Arce Catacora, as autoridades bolivianas anunciaram a prisão de 17 suspeitos, incluindo militares ativos e reformados, além de vários civis. O general Juan José Zúñiga, ex-comandante do Exército e considerado o executor da intentona golpista, foi apresentado em separado dos demais, cercado por quatro policiais. Todos apareceram diante da imprensa com um colete à prova de balas onde se lia, em letras garrafais, a palavra "Apreendido" e com as mãos algemadas junto às costas.
O ministro do Interior, Eduardo del Castillo, revelou que o complô era gestado desde maio passado. O vice-almirante Juan Arnez, ex-comandante da Marinha, também foi detido e acusado de ser um dos líderes da rebelião militar. Tanto Zúñiga quanto Arnez foram acusados de terrorismo e insurreição armada. Se condenados, poderão pegar até 20 anos de prisão. Del Castillo não descarta novas prisões nas próximas horas.
Na tarde desta quarta-feira, tropas e tanquetas se dirigiram até o Palácio Quemado, na Plaza Murillo, no coração de La Paz, lideradas por Zúñiga. Soldados tentaram invadir a sede do Executivo para destituir Arce. Um blindado ficou emperrado ao forçar a passagem por meio do portão de do prédio. Depois de discursos em que o presidente convocou o povo às ruas para defender a democracia, Zúñiga recuou e retirou as forças do centro da capital.
Ao ser preso, à noite, disse a repórteres que Arce teria tramado um autogolpe para melhorar a popularidade. O presidente negou a acusação do general. "Como poderia ser uma instrução ou um planejamento de um autogolpe? (...) Ele agiu por conta própria", disse Arce, na noite de ontem. Mais cedo, María Nela Prada, ministra da Presidência, considerou "absolutamete falsa e inconcebível" a tese. Em entrevista ao Correio, na quarta-feira, Evo Morales — que governou a Bolívia entre 2006 e 2019 — disparou: "Lucho (Luis Arce) enganou o povo boliviano e o mundo inteiro. Essa é a opinião generalizada na Bolívia".
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Mentor
O jornal boliviano El Deber publicou que, no primeiro interrogatório policial, depois de ser capturado, na noite de quarta-feira, Zúñiga contou que a mobilização ilegal das Forças Armadas teve o objetivo de tomar o poder e convocar eleições antecipadas. "O ideólogo foi Aníbal Aguilar, que realizava análises em meu escritório desde maio. Ele me disse que eu deveria fazer uma rebelião, sair à Plaza Murillo, tomar o poder e chamar eleições", disse o general aos policiais. Aguilar, sociólogo e ex-vice-ministro da década de 1980 que coordenou a erradicação do cultivo de marijuana na Bolívia, está preso.
A ONU defendeu uma "investigação completa e imparcial" e pediu "julgamentos justos aos detidos". A Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou por unanimidade uma resolução que repudia as "ações contra a democracia" na Bolívia.
Doutor em ciência política e professor da Universidade Católica Boliviana San Pablo (em La Paz), Marcelo Arequipa não se surpreendeu com o número de suspeitos detidos. "Durante a apresentação dos presos e a estrutura da tentativa de golpe, ficou claro que houve um planejamento. A mobilização militar vinha sendo organizada meses atrás, não foi espontânea. Isso revela, certamente, um plano que, provavelmente, contemplou militares ativos e da reserva, além de civis", afirmou ao Correio. Senadora pela partido opositor Comunidad Ciudadana, Cecilia Requena disse à reportagem que há indícios de autogolpe. "O general Zúñiga foi acusado pelo próprio Movimento ao Socialismo (MAS) de graves denúncias de corrupção. Esse senhor tinha uma relação pessoal com o presidente e até jogaram basquete juntos."
Agradecimentos
Arce usou as redes sociais para agradecer a solidariedade dos chefes de Estado e de governo. O líder boliviano retuitou uma mensagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, publicada horas depois da tentativa de golpe, e escreveu: "Saudamos e agradecemos o firme respaldo do irmão presidente do Brasil, Lula, que condenou o golpe falido na Bolívia e se pronunciou a favor da democracia". Para o vice-presidente David Choquehuanca, "a democracia prevaleceu". "Solicitamos à Justiça Comum e à Justiça Militar que julguem, com todo o rigor da lei, o general Zúñiga e todos os responsáveis", cobrou. (RC)