DENÚNCIA

'Levei socos e fui arrastada pelo chão', diz brasileira agredida por DJ português

A mulher, que está sob proteção policial, conseguiu vencer na Justiça processo contra CelesteMariposa, nome famoso das noites portuguesas. Mas os traumas da violência à qual foi submetida são grandes

Lisboa — Os olhos não escondem o horror ao relembrar os momentos de violência à qual foi submetida. Descrever os socos que levou, a portada na cabeça que lhe cortou uma das orelhas e a forma como foi arrastada no hall de entrada do prédio do amigo ao qual foi pedir socorro reabrem as feridas que doem na alma. “Mas é preciso falar sobre isso. Só assim posso alertar outras mulheres para que denunciem seus agressores”, diz a brasileira, que vive há cinco anos em Portugal e está sob proteção policial. Depois de quase três anos de luta nos tribunais, ela, finalmente, viu o seu violentador, o DJ português CelesteMariposa, ser condenado a dois anos e seis meses de prisão — ele cumpre pena em regime aberto.

A brasileira conta que, depois de mais de 15 anos vivendo em Londres e em Budapeste, onde trabalhou para a Organização das Nações Unidas (ONU), decidiu se mudar para Lisboa, certa de que teria uma vida mais tranquila. Cheia de planos, mergulhou no que mais gosta de fazer: produção cultural. Foi desenvolvendo esse trabalho que esbarrou com o DJ, que já não gozava de boa fama nos meios artísticos.

Mas como ele era próximo de um grande amigo dela, decidiu relevar o que falavam de CelesteMariposa. Ela, inclusive, assumiu a gestão da carreira dele, que estava precisando de um novo impulso. A dedicação da brasileira deu resultados e, no meio do caminho, começaram a se relacionar.

Como o DJ estava morando de favor na casa do amigo da brasileira, ele se sentiu à vontade para se mudar para o apartamento dela. “Simplesmente, ele apareceu na minha casa com uma mala e os discos dele. Levei um susto, mas permiti que ele entrasse, afinal, havia um laço de afetividade entre a gente. Mas tudo se mostrou um grande erro”, ressalta. “A partir dali, ele demostrou um comportamento possessivo, como se fosse meu dono. Passou a falar alto comigo, chegando a gritar, muitas vezes. Como eu não queria problemas com a vizinhança, nem perder o apartamento que eu havia alugado depois de muito sufoco, relevei”, frisa.

Hora de dar um basta

O comportamento indevido do DJ CelesteMariposa transbordou de casa para todos os lugares em que os dois estavam juntos, inclusive, nos shows que a brasileira organizava para ele. “Ele agia com uma possessividade muito grande, com certa violência, me expondo perante as pessoas. Aquilo foi me incomodando muito. E tudo só foi piorando. Gritos, agressões verbais, desrespeito, tudo virou rotina”, relembra a mulher, que tem um botão do pânico dentro da bolsa para acionar a polícia caso o agressor tente lhe fazer mal novamente. “Vivo sob estado de total tensão”, complementa.

Cansada dessa relação que só lhe fazia mal, a brasileira decidiu dar um basta. No dia em que pediu para que o DJ saísse da casa dela, a violência explodiu. Ele começou a agredi-la. Primeiro, com gritos, depois, com socos. Ele prendeu a cabeça dela na porta da sala com tanta força, que uma das orelhas dela se partiu. Assustada, ela saiu de casa para ir até a casa de um amigo pedir socorro. Ela desceu do prédio, com ele atrás. Entraram os dois no mesmo táxi. Ele ainda tentou jogá-la para fora do carro. Quando chegaram na porta do local onde o amigo da brasileira morava, as agressões físicas se acentuaram. Ela conseguiu passar da portaria, mas CelesteMariposa a jogou no jogou no chão e a arrastou pelo chão.

Foram as cenas chocantes, captadas pelas câmaras de segurança, que convenceram a Justiça de Portugal sobre a violência à qual a brasileira havia sido submetida. Não fossem essas gravações, diz ela, certamente a sentença teria sido favorável ao agressor, como ocorre na maioria dos casos de violência doméstica que chegam aos tribunais. A Justiça portuguesa é machista e praticamente ignora as agressões sofridas por mulheres estrangeiras. “Foram quase três anos, mas consegui vencer o processo. O DJ foi condenado, mas, como ele pagou uma fiança, está cumprindo a pena em regime aberto. Por isso, estou sob proteção policial”, afirma.

No mesmo palco de Margareth

Ao longo do processo, CelesteMariposa promoveu uma pesada campanha de difamação contra a brasileira, que quase foi banida do mercado cultural de Lisboa. Felizmente, pessoas que já tinham tido problemas com o DJ continuaram estendendo as mãos para ela. Inclusive, várias depuseram a favor da vítima de violência nos tribunais. “Pensei em desistir de Portugal, mas creio que tenho muito o que fazer neste país. Desde que cheguei a Lisboa, foram muitos os contratempos e essa agressão brutal, que me deixou sequelas emocionais profundas, com as quais preciso lidar diariamente. Mas vou seguir em frente”, afirma. “O mais difícil eu consegui: vencer na Justiça.”

O DJ CelesteMariposa está escalado para tocar em um festival de cultural em Berlim, Alemanha, no mesmo dia (25 de julho) em que a ministra da Cultura, Margareth Menezes subirá ao palco. Alertada pelo Correio, ela cobrou explicações dos organizadores do festival sobre a presença do português agressor no mesmo local que ela. Ainda não houve uma manifestação por parte dos responsáveis pelo evento. A ministra diz que é “veementemente contra qualquer tipo de violência, sobretudo, aquelas que vitimem mulheres”. O DJ não foi encontrado para se posicionar, mas o espaço continua aberto para ele.

Veja íntegra da nota da ministra da Cultura, Margareth Menezes:

“Margareth Menezes é veementemente contra qualquer tipo de violência, sobretudo, àquelas que vitimem mulheres. Diante do que foi trazido pela reportagem, solicitou à sua equipe artística internacional que informe ao Festival sobre os fatos, para que sejam devidamente apurados.

O show apresentado pela artista em Berlim faz parte de uma turnê europeia realizada em julho, durante as suas férias ministeriais.”

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