Há 35 anos, naquele 4 de junho de 1989, os olhos de Jeff Widener foram testemunhas da história. O então editor de fotografia para o Sudeste Asiático da Associated Press registrou uma das imagens mais simbólicas do século 20, que ganhou o apelido de "Homem do Tanque". A foto, que mostra um ativista anônimo à frente de uma coluna de tanques, tornou-se símbolo do massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, quando 10 mil manifestantes pró-democracia foram assassinados pelo Exército de Libertação Popular chinês, segundo documentos do Reino Unido. O número exato jamais foi divulgado pelas autoridades da China. Widener tinha 33 anos e não imaginou o poder daquela imagem, que viralizou mundo afora. Ainda hoje, aos 68 anos, ele é procurado pelos principais veículos de mídia do mundo para dar o seu depoimento. No 35º aniversário do massacre da Praça da Paz Celestial, Widener falou ao Correio, por e-mail.
Do que o senhor se recorda daquele 4 de junho de 1989? Imaginava que poderia ocorrer um massacre na Praça da Paz Celestial?
Naquela época, eu era editor de fotografia para Sudeste da Ásia da Associated Press. Eu estava bastante ciente da história em desdobramento sobre os manifestantes estudantes em Pequim. Tive acesso negado ao país pela Embaixada da China em Bangcoc. Então, voei para Hong Kong e recebi novo passaporte, dessa vez sem carimbos de jornalista. Em um primeiro momento, a atmosfera na Praça Tiananmen (ou Praça da Paz Celestial) ocupada se assemelhava à de um carnaval. Todo mundo estava tão feliz e tudo parecia possível. Com o passar dos dias, as tensões entre o Exército de Libertação Popular e os manifestantes se acirraram. Nas primeiras horas de 4 de junho, fui golpeado no rosto por uma pedra lançada por um manifestante, durante um incidente em que um carro blindado foi incendiado. Foi quando minha câmera acabou esmagada e tive uma concussão. De qualquer modo, a câmera de titanio Nikon F3 absorveu o impacto e salvou minha vida.
Quando foi exatamente que o senhor percebeu a presença de um homem diante dos tanques? O que sentiu ao ver aquela cena?
Naquele momento, eu estava sofrendo com uma forte gripe e uma concussão causada pelo incidente com o carro blindado incendiado. Então, tudo ao meu redor parecia surreal. Apenas me dei conta de que os tanques atropelariam o homem ou dispararían contra ele. Eu usava uma câmera Nikon FM com lentes de 400mm, no sexto andar do Hotel Pequim, mas o alvo da imagem estava distante demais. Então, tive que apostar, correr até a cama e pegar um duplicador de lente, que me daria uma distância focal de 800mm. Aquilo me proporcionou uma compressão muito dramática.
O senhor imaginava que sua foto ficaria eternizada e se tornaria símbolo do massacre?
Não. Isso não ocorreu até uma década mais tarde, quando a America On Line (AOL) publicou uma história sobre as 10 fotos mais memoráveis de todos os tempos. Eu me lembrava de todas as imagens icônicas que mostraram, fotos que vi na minha juventude. Dessa vez, uma foto tinha sido adicionada. Era a minha: o Homem do Tanque. Fiquei muito emotivo e percebi que havia feito uma grande coisa.
Passados 35 anos, que memórias o senhor tem daquele dia? E que lições é possível extrairmos dele?
A lembrança que mais guardo é de puro terror, imaginando que eu pudesse ser morto a qualquer momento. Mas também me recordo das primeiras manhãs em Tiananmen, quando os manifestantes estavam tão felizes por um curto espaço de tempo. As pessoas devem se lembrar que há dois lados nessa tragédia. Por mais que eu admire a coragem dos manifestantes, o governo chinês foi encurralado. Canhões d'água não teriam contido os estudantes determinados, e havia muita confusão entre os líderes estudantis sobre como proceder. Havia uma chance de reconciliação entre os estudantes e o governo chinês, mas os líderes do movimento deixaram ao Exercito pouca escolha. A Cidade Proibida e o Museu Nacional estavam em perigo. Era uma situação realmente difícil de terminar pacificamente, especialmente ante o fato de o governo ter sido humilhado diante do mundo inteiro. Não houve vencedores de ambos os lados. Dito isso, creio que o Partido Comunista Chinês deveria permitir aos familiares saber o que aconteceu com seus entes queridos.
O senhor chegou a testemunhar vários assassinatos naquele dia?
Eu fiquei bastante ferido e perdi toda a ação. É mais provável que centenas de pessoas tenham sido executadas nos becos. Não vi caminhões de bombeiros ou caminhões basculantes para lavar o sangue das ruas. Vi vans brancas pegando civis à noite, aleatoriamente, quando eu retornei a Pequim para tirar fotos da praça ocupada pelo Exército.