Estados Unidos

Imigração nos EUA: Joe Biden fecha as portas para estrangeiros ilegais

Ordem executiva assinada pelo presidente democrata, a cinco meses da eleição, veta a concessão de asilos a migrantes não documentados e acelera deportações. Agência da ONU para refugiados vê medida com "muita preocupação"

A cinco meses das eleições e em desvantagem nas pesquisas, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, assinou a mais rígida ordem executiva sobre imigração em décadas. Desde a zero hora desta quarta-feira (hora local), a fronteira com o México passa a ser submetida a fechamentos temporários, assim que o número diário de imigrantes ilegais ultrapassar 2,5 mil. O líder democrata de 81 anos justificou a medida como uma forma de "garantir a segurança" da fronteira. No entanto, o documento sinaliza um aceno aos eleitores conservadores. "Vim aqui para fazer o que os republicanos do Congresso se negam a fazer: tomar as medidas necessárias para garantir a segurança da nossa fronteira. (...) Resolvamos o problema e deixemos de brigar por ele", declarou Biden, durante pronunciamento na Casa Branca.

"Sei que a fronteira não é uma questão política para ser transformada em arma. Temos uma responsabilidade compartilhada para fazer algo a respeito. Hoje, supero a obstrução republicana e uso as autoridades executivas disponíveis para mim, como presidente, para fazer o que posso por conta própria", acrescentou o presidente norte-americano.

Biden disse que preferia uma legislação bipartidária sobre o tema e admitiu que o sistema de imigração atual está falido. "Hoje, anuncio medidas para impedir migrantes que cruzam nossa fronteira sul ilegalmente de receberem asilo. (...) Se um indivíduo não usa os caminhos legais, se escolhe vir sem permissão e contra a lei, será impedido de receber asilo e de permanecer nos Estados Unidos. Essa ação nos ajudará a ganhar o controle da fronteira e a restaurar a ordem", comentou. De acordo com ele, o fechamento vigorará até que o número de entradas ilegais seja reduzido a um nível capaz de ser suportado pelo sistema. O texto facilitará a deportação de imigrantes não documentados — elas poderão ocorrer em intervalo de dias ou de horas. Em 2023, mais de 2,4 milhões de migrantes atravessaram a fronteira, a maior parte procedente da América Central e da Venezuela. 

Trump

Em vídeo publicado em sua própria rede social Truth Social, o magnata Donald Trump — pré-candidato e favorito à Casa Branca — ironizou a ordem executiva de Biden. "Milhões de pessoas entraram no nosso país e agora, depois de quase quatro anos da sua liderança fraca e falha, da sua liderança patética, o corrupto Joe Biden pretende finalmente fazer algo em relação à fronteira", afirmou. A equipe de campanha de Trump rejeitou a teoria de que a medida vai aprimorar a segurança na fronteira e fortaleceu a associação entre imigração ilegal e aumento dos crimes violentos nos EUA, uma fake news. Aliado de Trump, o presidente da Câmara dos Representantes, Mike Johnson, qualificou a iniciativa de Biden como "enfeite de vitrine". 

Sandy Huffaker/AFP - Migrantes esperam audiências de asilo, na fronteira entre México e EUA, em San Ysidro, na Califórnia

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) expressou preocupação com o endurecimento da política migratória de Biden. "As novas medidas negarão o acesso ao asilo a muitas pessoas que precisam de proteção internacional e que agora ficarão sem uma opção viável para buscar segurança", advertiu a agência da ONU, por meio de um comunicado. "Qualquer pessoa que alegue ter temores fundamentados de ser perseguida em seu país de origem deve ter acesso a um território seguro" e tem o direito de que "essa alegação seja avaliada antes de ser sujeita a deportação ou expulsão", continuou o Acnur.

Professor emérito de direito da Universidade de Miami, David Abraham afirmou ao Correio que uma fronteira "fora de controle" tem sido uma das principais vulnerabilidades de Biden durante o período pré-eleitoral. "Ele precisava fazer algo. Como os republicanos se negaram a participar de uma legislação bipartidária, Biden teve que recorrer a um decreto. O presidente tomou essa iniciativa depois que Donald Trump sinalizou que, caso conseguissem chegar aos EUA, os pobres e desesperados teriam condições de ficar no país", explicou. O especialista acredita que as novas restrições funcionarão, mas apenas temporariamente. A dúvida é se elas surtirão efeito prático nas eleições, que ocorrerão em 153 dias.

Abraham entende como preocupante o fato de a nova política migratória impor limitações numéricas às travessias ilegais para a concessão de asilo. "Em vez da interpretação mais estrita de 'reivindicações plausíveis', será muito mais fácil para inspetores de primeiro nível simplesmente dizerem 'não' aos solicitantes de asilo", avaliou. Para ele, é evidente o caráter eleitoreiro da ordem executiva da Casa Branca. "Não há dúvidas de que o governo quer provar para todos que é resoluto e capaz."

Para o jornalista e ativista mexicano Irineo Mujica Arzate, diretor da organização não governamental Pueblos Sin Fronteras, que trabalha para garantir os direitos dos imigrantes, Biden lançou mão de um ato desesperado. "Ele tenta solucionar um problema que deixou crescer. Seu governo é responsável por isso, e não soube manejá-lo da melhor maneira, o que fez aumentar a imigração", disse ao Correio, por telefone, de Phoenix (Arizona).

Ele afirma que Biden tenta "tapar o sol com um dedo". "O problema não termina nem começa na fronteira com os EUA. Ele se inicia nos países de origem, que nada fazem para limitar o número de pessoas que chegam ao México. É uma ação desesperada para conter a imigração em poucos meses. A Suprema Corte determinou que os migrantes têm direito de pedir asilo e não determina o número de migrantes que podem fazê-lo", disse Irineo.

O QUE DIZ O DOCUMENTO

Saiba quais são as principais medidas previstas pela ordem executiva firmada por Joe Biden  

Barrados na fronteira

A nova ordem executiva vai impedir os migrantes que cruzarem a fronteira ilegalmente de buscar asilo, uma vez seja atingido o limite diário de 2.500 travessias. 

O destino dos migrantes

A menos que se encaixem em determinadas exceções, os migrantes ilegais serão devolvidos para o território mexicano ou retornarão para o seu país de origem. A deportação pode ocorrer em questão de dias ou horas. 

As exceções

Crianças desacompanhadas, vítimas de tráfico humano, migrantes que enfrentarem emergência médica aguda ou aquelas que se encontrarem em perigo de ameaça extrema e iminente à vida são exceções. Eles poderão requerer um agendamento de audiência para apresentar a solicitação de asilo, por meio do aplicativo de celular CBP One.

Fechamento e reabertura

O funcionamento da fronteira seguirá fluxo dinâmico e acompanhará a tendência das travessias ilegais. Quando o número de entradas ilegais chegar a 2.500, a fronteira será fechada. Quando esse número ficar abaixo de 1.500, ela poderá ser reaberta.

EU ACHO...

Arquivo pessoal - David Abraham, professor emérito de direito da Universidade de Miami
"Em todo o mundo, os padrões de asilo e refúgio estabelecidos após a Segunda Guerra Mundial provaram-se incapazes de gerenciar os fluxos contemporâneos de refugiados. Não vemos mais perseguição tanto quanto falhas do Estado, pobreza e miséria generalizada. Depois de hoje, será mais difícil ganhar asilo, mas os problemas maiores serão os mesmos."
David Abraham, professor emérito de direito da Universidade de Miami
Arquivo pessoal - Irineo Mujica Arzate, diretor da organização não governamental Pueblos Sin Fronteras (em Phoenix, Arizona)
"Devolver os migrantes ao México não resolve o problema. O México não está outogrando vistos humanitários, apenas os contêm. Não vejo como o presidente mexicano sainte, Andrés Manuel López Obrador, pode solucionar o problema. Os migrantes continuarão a chegar aos EUA. AMLO terá apenas quatro meses para abordar a imigração. A manobra é muito arriscada para Biden e não muda a situação."
Irineo Mujica Arzate, diretor da organização não governamental Pueblos Sin Fronteras (em Phoenix, Arizona)

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Arquivo pessoal - Irineo Mujica Arzate, diretor da organização não governamental Pueblos Sin Fronteras (em Phoenix, Arizona)