Um governo para todos, que pretende priorizar os pobres; impunidade zero em uma nação onde 80 pessoas são assassinadas a cada dia; reformas sociais e da Constituição; e combate à corrupção. Com essas promessas, a física de origem judaica e inclinação esquerdista Claudia Sheinbaum, 61 anos, tornou-se a primeira mulher a chegar à Presidência do México. "Não vou decepcioná-los", disse, em seu primeiro discurso como presidente eleita, no Zócalo, a principal praça da Cidade do México, ante o som de mariachis.
- As semelhanças e diferenças entre Dilma e a presidente eleita do México
- Independente ou 'fantoche'? O desafio de futura presidente do México de se diferenciar de AMLO
- Quem é Claudia Sheinbaum, a cientista climática que será primeira presidente do México
- Eleições no México: o que explica a popularidade do presidente que apoia a candidata favorita
"Não chego só; chegamos todas", anunciou a líder eleita pelo partido governista Morena, ao fazer um aceno ao eleitorado feminino e repetir o lema de campanha: "Pelo bem de todos, primeiro os pobres". "Caminharemos em paz e em harmonia por um país mais próspero e justo." Até o fechamento desta edição, com 92,4% dos votos apurados, Sheinbaum aparecia com 59,1% dos votos, contra 27,8% para a ex-senadora indígena Xóchitl Gálvez (centro-direita).
A candidata derrotada assegurou que apresentará "impugnações" contra as eleições, ao denunciar o suposto uso do aparato do Estado em favor de Sheinbaum. "Enfrentamos uma competição desigual contra todo o aparato do Estado dedicado a favorecer sua candidata. (...) Apresentaremos as impugnações que o provam", declarou Gálvez. "Isso não acaba aqui", avisou, horas depois de reconhecer, rapidamente, a derrota. Além de 13 governos estaduais, a Cidade do México será comandada por uma mulher: Clara Brugada venceu Santiago Taboada, aliado de Gálvez, com 51,7% dos votos contra 39%.
Padrinho político de Sheinbaum, o presidente Andrés Manuel López Obrador celebrou a vitória da esquerdista. "Vou me aposentar com grande satisfação, poderei dizer quando entregar a faixa a Claudia, missão cumprida, e me aposentar", disse o político de 70 anos, o principal responsável por alavancar a campanha governista.
Lula
Sheinbaum recebeu felicitações de vários líderes da esquerda, inclusive de Luiz Inácio Lula da Silva. "Estou muito feliz com a vitória da Claudia Sheinbaum por ser uma mulher progressista à frente da Presidência do México, uma vitória da democracia", escreveu o brasileiro, que anunciou que pretende viajar ao país ainda este ano, com o intuito de fortalecer as relações comerciais. "Agradeço ao presidente Lula por sua chamada para reconhecer o triunfo de nosso movimento. México e Brasil são grandes nações, unidas por uma visão e por valores comuns."
Professor e pesquisador do Colégio da Fronteira Norte (instituição que estuda temas de violência e insegurança pública, em Tijuana), Vicente Sánchez Munguía acredita que Sheinbaum precisará costurar um pacto com os governadores para combater a violência — o México registra, a cada ano, cerca de 30 mil assassinatos. "Uma grande parte dos crimes é de foro comum, os quais correspondem aos Ministérios Públicos estaduais. Uma parcela da corrupção e das ineficiências está nesses órgãos. A nova presidente precisará, também, apoiar a reconstrução das polícias municipais e estaduais. Outro desafio será um bom diálogo com o Poder Judiciário, a fim de levar adiante uma ampla reforma", afirmou ao Correio.
Para Munguía, o fato de o Morena ser o partido pertencente à coalizão governista e possuir o apoio da maioria dos governadores pode facilitar o trabalho de Sheinbaum. A pacificação do México passa, segundo ele, pela depuração da política, entremeada pela corrupção. "O Morena é um movimento de origens distintas, de partidos tradicionais, muitos deles com antecedentes de corrupção. Será preciso ver a força que ela terá para 'limpar' a política", disse o especialista. Ele vê a eleição da primeira mulher para a Presidência do México como um "símbolo dos tempos". "É um sinal do que as mulheres têm conquistado no país, mas também uma tendência. A Suprema Corte, por exemplo, tem uma mulher em seu comando. No Congresso, há uma paridade de gênero; além disso, várias mulheres estão à frente de governos estaduais", acrescentou Munguía.
Javier Posada, coordenador do Seminário de Segurança Nacional da Universidade Nacional do México (Unam), lembrou que, ao longo das três últimas campanhas eleitorais, o tema da segurança pública não foi tratado com profundidade. "As propostas durante a atual campanha foram bastante superficiais. Apesar disso, esse é o assunto número um da agenda nacional e a primeira preocupação da sociedade. Sheinbaum focou-se na necessidade de coordenação entre os municípios, os governos estaduais e a Presidência, no sentido de criar mudanças importantes na política de segurança pública", comentou ao Correio.
Segundo Eduardo López, professor da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Unam, em seu primeiro pronunciamento como presidente eleita, Sheinbaum avisou que abordaria as causas principais da violência e da delinquência no México. "Durante a campanha, foram nulos os programas sobre prevenção da criminalidade. Eles devem fazer parte da articulação de uma política pública preventiva, para reduzir os índices de percepção e de delitos de alto impacto. Isso implica o combate à impunidade", admitiu, por meio do WhatsApp. Ele aposta que Sheinbaum colocará a Guarda Nacional sob um comando militar e reavaliará o papel dos municípios e do Estado no tema da insegurança.
Em relação ao provável pedido de impugnação das eleições por parte de Gálvez, Posada admitiu que esperava tal manobra. "Era previsível. Houve anomalias no processo, como a compra de votos e a lenta instalação das urnas. Acho difícil isso prosperar", afirmou. Eduardo López lembrou que algo semelhante ocorreu em 2006, quando López Obrador impugnou a Presidência da República, e a Justiça concluiu que a interferência do Estado não foi determinante para o resultado das eleições. "Isso deve acontecer novamente. Antes e durante a campanha, a oposição denunciou ingerência do Estado."
Colaborou Paloma Oliveto
PERSONAGEM DA NOTÍCIA
Carreira acadêmica
Graduada em física e doutora em engenharia de energia, Claudia Sheinbaum, 61, teve uma carreira científica brilhante e, com os outros integrantes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), recebeu o Nobel da Paz em 2007. A carreira política se insinuou nos anos 1980, ao participar do movimento estudantil. O primeiro cargo público veio em 2000, quando assumiu a Secretaria do Meio Ambiente da Cidade do México.
Conhecida pela sobriedade, foi apelidada de "dama de gelo" pela adversária, Xóchitl Gálvez. Como gestora, é lembrada pela praticidade com que enfrentou desafios, como a pandemia de covid-19 e um terremoto que matou 26 pessoas, na Cidade do México. "Governar é tomar decisões. Tem que tomar a decisão e assumir as pressões que podem ocorrer", afirmou.
REPERCUSSÃO
"Estou muito feliz com a vitória da Claudia Sheinbaum por ser uma mulher progressista à frente da Presidência do México, uma vitória da democracia, e também pelo meu grande companheiro Andrés Manuel López Obrador, que fez um governo extraordinário."
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil
"Parabenizo Claudia Sheinbaum por sua histórica eleição como a primeira mulher presidente do México. Estou ansioso por trabalhar em estreita colaboração com a presidenta eleita Sheinbaum, no espírito de parceria e amizade que reflecte os laços duradouros entre os nossos dois países."
Joe Biden, presidente dos Estados Unidos
"Cuba saúda a histórica eleição de Claudia Sheinbaum como presidenta do México. Desejamo-lhe êxito em sua gestão, a primeira de uma mulher nesse cargo. Conte com a disposição cubana de seguir fortalecendo a carinhosa fraternidade que une nossos povos."
Miguel Díaz-Canel Bermúdez, presidente de Cuba
"Extraordinária demonstração de civismo e democracia vista nas eleições de 2 de junho. (...) Felicito ao nobre povo do México, à sua presidenta eleita Claudia Sheinbaum, ao Partido Morena, ao PT e aos movimentos sociais."
Nicolás Maduro, presidente da Venezuela
"O México é um parceiro tradicionalmente amigo da Rússia na região latino-americana. Confiamos que a sua atividade no gabinete presidencial contribuirá para o maior desenvolvimento da cooperação construtiva entre os nossos países."
Vladimir Putin, presidente da Rússia, em mensagem enviada à líder eleita mexicana
EU ACHO...
"Infelizmente, em várias partes do México há uma estreita relação entre o poder político local e as organizações criminosas. A partir de 1º de outubro, Claudia Sheinbaum terá que ativar, imediatamente, uma política para combater a cumplicidade entre o governo municipal e as estruturas criminais. Somente nesta eleição, 35 candidatos — homens e mulheres — foram assassinados em estados com forte presença do narcotráfico."
Javier Posada, coordenador do Seminário de Segurança Nacional da Universidade Nacional do México (Unam)
"Sheinbaum precisará pensar um Sistema Nacional Anticorrupção, ideia do ex-presidente Enrique Peña Nieto. Ele defendia a extinção da Secretaria de Segurança Pública e a consolidação do Sistema Nacional Anticorrupção e do Sistema Estatal Anticorrupção. O ex-presidente Andrés Manuel López Obrador impulsionava a Constituição moral do México. Com a nova maioria no Congresso, creio que Sheinbaum levará adiante uma nova Carta Magna orientada pela moralidade."
Eduardo López, professor da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional do México (Unam)
EU ACHO...
Saiba Mais