Assentada no lema "Liberdade, igualdade e fraternidade", a França vai às urnas, hoje, com a possibilidade de sofrer um terremoto político, caso as pesquisas se confirmem e a extrema direita vença as eleições legislativas. Os franceses escolherão, em círculos eleitorais não nomimais e em dois turnos, os 577 deputados da Assembleia Nacional (AN). A segunda rodada de votação ocorrerá em 7 de julho, quando ficará conhecida a composição do Parlamento.
Além da possibilidade de renovar a AN, o pleito se impõe como um "referendo" para o presidente centrista Emmanuel Macron, do partido Renascimento. "Quero evitar que os extremos, especialmente a extrema direita, ganhem estas eleições", disse o premiê de centro-direita, Gabriel Attal, ao exortar os franceses a votarem na coalizão de Macron. Para obter a maioria no Parlamento, é preciso a captura de 289 assentos. As estimativas são de que o ultraconservador Reagrupamento Nacional (RN) conquiste entre 260 e 295 cadeiras.
Todas as atenções de Macron, de seus simpatizantes e do mundo se voltam para Jordan Bardella, 28 anos, o principal candidato e presidente do RN, que goza de total apoio de Marine Le Pen para chegar ao posto de primeiro-ministro. Bardella e seus colegas de partido têm a possibilidade de levar a extrema direita ao poder pela primeira vez desde a libertação da França da ocupação da Alemanha nazista, em 1945. "Nossos compatriotas têm o sentimento de que o Estado não aplica suas leis, de que o Estado é fraco com os fortes e forte com os fracos", disse Bardella, em recente debate na televisão. Ontem, ele enviou uma mensagem ao povo francês, em vídeo divulgado pelas redes sociais. "Nada pode deter um povo que recomeçou a ter esperança. Tenham fé na França, sejam livres, sejam apaixonadamente franceses: neste domingo, mobilizem-se e votem nos candidatos do Reagrupamento Nacional", pediu. "Nós estamos prontos."
Em 9 de junho, depois de a extrema direita se tornar a segunda maior força política da França e surpreender nas eleições do Parlamento Europeu, Macron dissolveu a Assembleia Nacional e convocou o pleito antecipado. Uma vitória dos ultraconservadores, hoje, impõe três possíveis cenários ao país: o bloqueio instititucional, a coabitação ou a renúncia (veja quadro). Attal acusou a extrema direita de apoiar "mais de cem candidatos" com declarações "racistas, antissemitas e homofóbicas".
Segundo a agência de notícias France Presse, as primeiras pistas sobre se extrema direita se aproximará ou não do poder serão conhecidas na noite de hoje, assim que forem divulgados se o RN terá deputados eleitos no primeiro turno e a configuração de duelos em 7 de julho: com dois ou mais candidatos.
Jean-Yves Camus, cientista político do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, em Paris, admitiu ao Correio que Macron está em "grandes apuros". "Todas as pesquisas apontam o Reagrupamento Nacional à frente, com cerca de 35%, contra 29% para a Esquerda Unida e somente 29%, para o Renascimento. Apenas depois do segundo turno teremos um panorama claro da situação, mas o Reagrupamento Nacional provavelmente terá maioria no Parlamento." De acordo com o estudioso, Macron deverá escolher Bardella como primeiro-ministro, ainda que a Constituição não o obrigue a tomar essa atitude. Um cenário inédito na França: o presidente e o premiê estiveram em lados opostos do espectro político, mas nenhum deles veio de um partido radical.
"Em temas-chave, como imigração, defesa, Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), União Europeia (UE) e nomeações-chave para cargos importantes, Macron e Bardella não podem concordar, a menos que um deles abandone a agenda", observou Camus. Ele aponta que outra possibilidade é a eleição de uma Assembleia Nacional sem maioria viável, o que representaria uma crise política.
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"Tantos eleitores pendem para o Reagrupamento Nacional por ele ser o único grande partido que jamais esteve no poder. Os franceses querem lhes dar uma chance. Os conservadores da ala mainstream estão com morte cerebral, e Macron tem sofrido rejeição inclusive dos centristas. A social-democracia concordou com um acordo eleitoral com o partido França Insubmissa, de extrema esquerda, o qual enfrenta séria oposição dos socialistas moderados e da centro esquerda. Nosso sistema partidário está em ruínas. O Reagrupamento Nacional representa um voto de protesto e contra a União Europeia. Também é a escolha dos nacionalistas anti-imigração e dos populistas."
Jean-Yves Camus, cientista político do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, em Paris
QUADRO - Cenários possíveis
O que pode ocorrer após o segundo turno das eleições legislativas, em 7 de julho:
Bloqueio institucional
Macron antecipou as legislativas, previstas para 2027, em virtude da vitória do Reagrupamento Nacional (RN) nas eleições europeias de 9 de junho. Após as eleições na Assembleia Nacional (Câmara Baixa) em 2022, Macron não tinha maioria absoluta e o espectro político se dividiu em três blocos: a aliança governista de centro-direita, a oposição formada por partidos de esquerda e a extrema direita. Isso fez com que Macron fosse obrigado a costurar acordos com Os Republicanos (direita) para levar adiante as grandes reformas, como a migratória e a previdenciária. A antecipação das eleições implodiu a formação. Caso se repita uma situação sem maioria absoluta, os partidos deverão realizar alianças incomuns ou tentar governar, sob o risco de bloqueio institucional.
Coabitação
O mandato do presidente termina em 2027. A vitória de um partido ou aliança opositora com maioria absoluta faria com que Macron tivesse que partilhar o poder com um governo de outra ideologia. Desde 1958, dois presidentes tiveram "coabitações": o socialista François Mitterrand (1981-1995), com dois governos conservadores, e o conservador Jaques Chirac (1995-2007), com um socialista. Os analistas não descartam uma eventual maioria absoluta do RN e a coabitação entre Macron e Bardella.
Renúncia
Em caso de novo revés para Macron, o Reagrupamento Nacional poderia recrudescer pedidos pela renúncia do presidente.
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