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DEMOCRACIA

O que está em jogo na eleição do Reino Unido

Imigração, economia, saúde e habitação estão entre as principais preocupações dos eleitores, que vão às urnas no começo de julho.

Crise nos hospitais é uma das maiores preocupações dos eleitores -  (crédito: PA)
Crise nos hospitais é uma das maiores preocupações dos eleitores - (crédito: PA)

O Reino Unido se prepara para escolher o próximo primeiro-ministro na quinta-feira da semana que vem (4/7).

Cerca de 46 milhões de eleitores estão aptos para participar da primeira eleição geral no país desde 2019. Em 30 de maio, o primeiro-ministro Rishi Sunak, do Partido Conservador, dissolveu o Parlamento britânico (algo que é sua prerrogativa legal), e convocou uma eleição geral.

O Reino Unido possui um sistema parlamentar de eleição — ou seja, os eleitores vão às urnas apenas para escolher os seus parlamentares, e não um presidente. O país é dividido em 650 distritos — e cada um desses distritos possui um parlamentar que representa aquele local.

O líder do partido que obtiver a maioria no Parlamento é convidado pelo rei Charles 3° a formar o novo governo e se torna primeiro-ministro, que é quem lidera o governo britânico.

O líder do segundo partido mais votado se torna líder da oposição. Se nenhum partido alcançar a maioria absoluta, o mais bem-votado é convidado a tentar negociar uma coalizão para governar. Caso isso não seja possível, novas eleições são realizadas.

Protocolarmente, o monarca nomeia o primeiro-ministro após estar convencido de que ele é capaz de formar um governo que manterá a estabilidade política da nação.

Nos últimos anos, o Reino Unido passou por grandes transformações e desafios.

Em 2014, o povo da Escócia — que é uma das quatro nações que compõem o Reino Unido (junto com Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte) — rejeitou se separar do país e se tornar independente, com 55,3% dos votos em um referendo popular.

Em 2016, o povo do Reino Unido decidiu abandonar a União Europeia, com 51,89% dos votos também em um referendo. A saída de fato aconteceu no dia 31 de janeiro de 2020.

Recentemente, o Reino Unido vem enfrentando diversos desafios: a economia está demorando para retomar seu crescimento após a pandemia, com inflação dando sinais de queda apenas nos meses recentes; existe um grande fluxo de imigrantes tentando chegar ao país; e o sistema público de saúde está enfrentando uma grande crise, com atrasos e longas filas de espera para tratamentos emergenciais.

A eleição deste ano pode marcar uma grande virada política no país.

O Reino Unido vem sendo governado desde 2010 pelo Partido Conservador — inicialmente em coalizão com o Partido Liberal Democrata e desde 2015 com maioria no Parlamento. Foram cinco primeiros-ministros em 14 anos de governo: David Cameron, Theresa May, Boris Johnson, Liz Truss e Rishi Sunak.

Pesquisas de opinião sugerem que o Partido Trabalhista — que governou o Reino Unido no período anterior, entre 1997 e 2010, com Tony Blair e Gordon Brown — têm boas chances de voltar ao poder.

Pesquisas da sexta-feira da semana passada (21/6) indicavam que os Trabalhistas têm 40% das preferências do eleitorado, contra 20% dos Conservadores.

Os líderes dos partidos — que no caso dos Conservadores é Sunak e no caso dos Trabalhistas, o líder da oposição Keir Starmer — disputam o cargo de primeiro-ministro, cuja eleição será feita pelo novo Parlamento.

Outros partidos que também disputam a eleição são o Reform UK (da direita radical), os Liberais Democratas (centrista), o Partido Nacionalista Escocês e o Partido Verde.

Um total de 4.515 candidatos divididos em 98 partidos concorrem a 650 vagas no Parlamento, sendo que 459 deles concorrem como candidatos independentes.

Quais são os principais temas?

Dados da empresa de pesquisa de opinião YouGov sugerem que as principais preocupações do eleitorado giram em torno da economia, imigração, saúde e habitação.

A economia tem tido um papel central nestas eleições. Analistas acreditam que Sunak dissolveu o parlamento e convocou as eleições agora justamente por acreditar que neste momento houve uma melhora da economia britânica — e que isso poderia favorecer seu partido nas urnas.

A economia britânica vem enfrentando desde o fim da pandemia uma crise de custo de vida por causa da inflação — que esteve no seu maior patamar nas últimas quatro décadas.

A economia britânica segue com crescimento anualizado abaixo de 1% — e chegou recentemente a enfrentar uma recessão técnica (dois trimestres consecutivos de crescimento zero ou negativo).

Mas no mês passado, na mesma semana do anúncio de Sunak sobre as eleições, as autoridades divulgaram que a inflação britânica está agora no menor patamar dos últimos três anos.

Ao lançar sua campanha, Sunak disse: "Dias melhores estão no horizonte, mas só se seguirmos com o plano para melhorar a segurança econômica e as oportunidades para todos".

Os conservadores dizem em sua campanha que suas medidas foram importantes para navegar a economia pelos choques globais quase em sucessão — a pandemia, a guerra na Ucrânia e a inflação. O governo respondeu à pandemia e à crise do custo de vida com subsídios e incentivos para empresas e trabalhadores.

Já os trabalhistas atribuem parte dos problemas econômicos do país à gestão conservadora — sobretudo devido a medidas de orçamento público anunciadas no curto governo de Liz Truss.

Sunak e os conservadores propõem diminuir o tamanho do Estado — depois da expansão ocorrida durante a pandemia. Uma redução na quantidade de servidores civis permitiria também um corte de impostos, que traria maior dinamismo para a economia.

Já os trabalhistas propõem um plano de investimento em energias sustentáveis para alavancar a economia — semelhante ao que foi feito pelo presidente americano Joe Biden após ganhar as eleições americanas.

O crescimento da economia provocado por esse plano aumentaria a arrecadação — permitindo mais gastos do governo, segundo a lógica do partido de Keir Starmer.

O baixo ritmo da economia também está no centro de outros dois problemas para os eleitores: saúde e habitação.

O Serviço Nacional de Saúde (National Health Service, ou NHS, em inglês) não está lidando com a alta demanda dos pacientes. Dados oficiais mostram que há mais de 7 milhões de pessoas no Reino Unido esperando tratamento. Há atrasos em praticamente todas as áreas — desde atendimento em emergências a cirurgias de câncer.

Um dos problemas do NHS é a falta de dinheiro. A Health Foundation, uma consultoria de saúde, estima que há uma carência anual de 38 bilhões de libras (R$ 260 bilhões) em investimentos em saúde.

"O serviço de saúde está em crise e todos os principais partidos políticos disseram que querem consertá-lo — mas os investimentos que eles prometeram até agora estão muito abaixo do que é necessário para haver melhoras", diz Anita Charlesworth, economista da Health Foundation.

"Os políticos precisam ser honestos com o público sobre a escala do desafio que o NHS enfrenta e a realidade de que um NHS adequado precisa de investimentos sustentáveis de longo prazo."

Outro problema crônico no país — e que já vem de muitos anos — é o déficit de habitação. Alguns dizem que o mercado imobiliário britânico está "quebrado". De um lado, preços de imóveis e aluguéis dispararam muito acima da inflação nas últimas décadas — enriquecendo quem já tinha propriedade.

Do outro, muitos jovens hoje não têm condições de comprar seu próprio imóvel. E as pessoas que estão tentando comprar enfrentam uma disparada nos empréstimos imobiliários — sobretudo por causa dos juros altos provocados pela alta da inflação.

Nos últimos anos, houve um crescimento no número de pessoas que moram em casas alugadas, e esse público passou a ser alvo de políticos em tempos de eleição. Tanto conservadores como trabalhistas propõem medidas para dificultar o despejo de pessoas que estão com dificuldades para pagar aluguéis.

Um dos temas mais controversos desta eleição — e que também está no topo da preocupação de eleitores, segundo pesquisas — é a imigração. Dados oficiais indicam que a imigração anual para o Reino Unido triplicou desde a última eleição.

O governo de Rishi Sunak criou um plano para enviar por avião para Ruanda os imigrantes que chegam ao país de barco pelo Canal da Mancha.

Os trabalhistas acusaram o plano de ser ilegal e imoral. O projeto foi contestado nas cortes do país — e estava prestes a ser implementado. Mas com a convocação da eleição, Sunak resolveu suspender o plano, que só será retomado em caso de vitória conservadora.

Sunak promete reduzir o número de vistos dado a imigrantes. Os trabalhistas também defendem a redução no número de imigrantes. Starmer promete investir em treinamento da força de trabalho do país, para desencorajar que empresas contratem pessoas de fora do país.

A imigração é a principal plataforma do Reform UK (direita radical), partido de Nigel Farage, um dos líderes do Brexit — a campanha que culminou na saída do Reino Unido da União Europeia. Farage culpa a imigração por diversos problemas do país — como as crises nos hospitais e no setor de habitação. Pesquisas recentes indicam que seu partido é o que mais está crescendo nos últimos dias antes da eleição.

Sobre política exterior, os partidos também demonstram algumas diferenças. Tanto Starmer como Sunak defendem o direito de Israel de se defender dos ataques do Hamas. Chegou-se a especular que o Partido Trabalhista fosse se manifestar em favor da criação do Estado da Palestina — algo que não foi anunciado oficialmente.

Ambos os partidos também prometem manter seus compromissos com a Ucrânia na luta contra a Rússia. E nenhum dos dois partidos propõe reverter o Brexit.

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postado em 25/06/2024 05:34 / atualizado em 25/06/2024 08:28