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Porte de drogas: o que STF pode decidir nesta quinta-feira?

Justiça brasileira está discutindo descriminalização do porte de drogas e os limites para considerar maconha como de uso pessoal. Corte está a um voto de formar maioria a favor da descriminalização.

O crime de porte para consumo já não é punido com pena de prisão no país desde 2006 -  (crédito: Getty Images)
O crime de porte para consumo já não é punido com pena de prisão no país desde 2006 - (crédito: Getty Images)

Depois de idas, vindas e longas pausas causadas por pedidos de vista, o Supremo Tribunal Federal (STF) volta a julgar nesta quinta-feira (6/3) a descriminalização do porte de drogas para consumo.

O julgamento, iniciado em 2015, não analisa a legalidade da venda de drogas, que continuará proibida independentemente do resultado.

Até o momento, há cinco votos favoráveis e três contrários à descriminalização da posse de maconha para uso próprio.

Ou seja, se houver mais um voto favorável, será formada maioria pela descriminalização, apenas no caso desse entorpecente.

O julgamento foi pausado novamente em março após novo pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Além dele, faltam votar Luiz Fux e Cármen Lúcia.

Por enquanto, se manifestaram a favor de liberar o porte de maconha os ministros Gilmar Mendes (relator da ação), Luís Roberto Barroso (atual presidente do STF), Rosa Weber (já aposentada), Edson Fachin e Alexandre de Moares.

Mas há divergências sobre qual seria a quantidade para diferenciar o porte para consumo e para venda.

Há quatro votos — Mendes, Moraes, Barroso e Weber — para estabelecer o parâmetro de 60 gramas ou seis plantas fêmeas para diferenciar usuário e traficante.

Fachin, por sua vez, considerou que cabe ao Congresso fixar esse limite.

Já os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Kassio Nunes Marques se posicionaram contra a descriminalização.

Defensores da liberação do porte de pequenas quantidades para uso pessoal dizem que a criminalização fere princípios constitucionais como o direito à privacidade de cada indivíduo.

Também argumentam que a criminalização não produziu resultados na redução do consumo e do tráfico e que seria mais adequado adotar políticas públicas de prevenção, como no caso do uso de cigarros.

Por outro lado, críticos da descriminalização acreditam que a medida aumentaria ainda mais consumo e tráfico e argumentam que o direito individual não deveria ser colocado acima da saúde pública.

Já os que se opõem à descriminalização questionam o impacto do julgamento na redução da população carcerária, tendo em vista que a lei atual já não prevê pena de prisão para usuário.

Há questionamentos também sobre se o STF deveria decidir sobre a questão ou se apenas o Congresso poderia liberar o porte para consumo, aprovando uma mudança na lei atual.

A expectativa de que o Supremo libere o porte de drogas para consumo já provocou uma reação no Parlamento.

Em abril deste ano, o Senado aprovou a chamada PEC das Drogas, proposta de emenda à Constituição que determina que é crime possuir ou portar qualquer quantidade de droga, mesmo que para consumo próprio. O texto ainda será analisado na Câmara dos Deputados.

A criminalização do porte e da posse, mesmo para consumo próprio, é hoje prevista na Lei de Drogas de 2006, que está em vigor. O Código Penal também prevê crimes sobre o tema.

Mas não é algo determinado na Constituição Federal. A intenção da PEC é incluir a regra no texto constitucional, tornando-a superior a uma lei.

Isso, na prática, reverteria uma eventual liberação do porte para consumo pelo STF neste julgamento.

O que será julgado pelo STF

O STF está analisando um recurso extraordinário com repercussão geral, ou seja, a decisão valerá para todos os casos semelhantes.

O recurso questiona se o artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional.

Esse artigo prevê que é crime adquirir, guardar ou transportar droga para consumo pessoal, assim como cultivar plantas com essa finalidade.

Não há previsão de prisão para esse crime. As penas previstas nesse caso são “advertência sobre os efeitos das drogas”, “prestação de serviços à comunidade” e/ou “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.

O recurso foi movido pela Defensoria Pública de São Paulo em favor de um réu flagrado com três gramas de maconha na prisão e condenado a prestar serviços comunitários.

A Defensoria argumenta que a lei fere o direito à liberdade, à privacidade, e à autolesão (direito do indivíduo de tomar atitudes que prejudiquem apenas a si mesmo), garantidos pela Constituição Federal.

“Por ser praticamente inerente à natureza humana, não nos parece o mais sensato buscar a solução ou o gerenciamento de danos do consumo de drogas através do direito penal, por meio de proibição e repressão”, argumentou o defensor Rafael Muneratt, no início do julgamento no STF.

"Experiências proibitivas trágicas já aconteceram no passado, como o caso da Lei Seca norte-americana e mesmo a atual política de guerra às drogas, que criou mais mazelas e desigualdades do que efetivamente protegeu o mundo de substâncias entorpecentes."

Já o então chefe do Ministério Público em São Paulo, o procurador-geral Márcio Fernando Elias Rosa, se manifestou contra a descriminalização.

"O tráfico no Brasil apresenta índices crescentes. O Estado não se mostra capaz nem sequer do controle efetivo da circulação das chamadas drogas lícitas. Não há estruturada rede de atenção à saúde ou programa efetivo de reinserção social", disse Rosa.

Para a Federação Amor-Exigente (AE), que presta apoio e orientação aos familiares de dependentes químicos, o direito individual do usuário não justifica a descriminalização.

A organização foi aceita pelo STF para atuar no julgamento como amicus curiae, colaborador da Justiça que detém algum interesse social no caso, mas que não está vinculado diretamente ao resultado.

"A saúde pública vem em primeiro lugar. A pessoa que está usando o crack, chega em determinado momento que ela não tem discernimento para decidir o que é bom e ruim. A pessoa que usa o crack pode matar por causa de R$ 10”, disse à BBC News Brasil o advogado Cid Vieira, que representa a Federação Amor Exigente.

"É nesse sentido que esse direito (individual do usuário) não pode se contrapor à saúde pública e à tutela de toda a coletividade."

Para o advogado Pierpaolo Bottini, que representa a Viva Rio, amicus curiae favorável à descriminalização, a descriminalização do porte não aumentaria o consumo.

“Não estamos falando em autorizar o uso, mas simplesmente não criminalizar. Essa ação é até modesta nesse sentido, muito mais modesta do que tem acontecido nos outros países, que estão autorizando o uso de certas drogas”, disse Bottini, citando o aumento da legalização em estados americanos.

Outro ponto em discussão é se a Corte vai fixar uma quantidade para diferenciar objetivamente o que é o porte para consumo ou para tráfico, parâmetros que podem ser adotados pelo STF mesmo que a criminalização seja mantida.

Defensores da medida, como a associação que representa os peritos da Polícia Federal e integrantes da Procuradoria-Geral da República, dizem que a definição de parâmetros pode evitar que consumidores sejam enquadrados como traficantes indevidamente, reduzindo o grande número de presos no país.

Há mais de 180 mil pessoas presas hoje no país por tráfico de drogas. A quantidade de presos que seria eventualmente beneficiada por uma decisão neste julgamento dependerá de a maioria do STF concordar com a fixação de parâmetros que diferenciem consumo e tráfico e de quais seriam os parâmetros adotados.

No entanto, nenhuma decisão do Supremo levaria a uma liberação automática de presos, explica a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen à BBC News Brasil.

Cada pessoa detida pelo crime de tráfico de drogas e potencialmente impactada pelo julgamento, ressalta, teria que apresentar um recurso à Justiça solicitando a revisão de sua pena.

25 gramas e seis plantas fêmea

Caso o julgamento termine favorável à descriminalização da posse de pequenas quantias de drogas, o STF discutirá os parâmetros de quantidade para diferenciar o usuário do traficante.

Na visão de defensores dessa medida, isso pode reduzir o que seriam prisões equivocadas por tráfico no país.

Quem portar entorpecentes para consumo próprio não poderia mais ser submetido às punições atualmente em vigor, como prestação de serviços à comunidade ou participação em programas ou cursos educativos, nem terá um registro na sua ficha criminal.

Defensores da medida, como a associação que representa os peritos da Polícia Federal (APCF) e integrantes da Procuradoria-Geral da República, afirmam que a falta de parâmetros objetivos para que policiais, promotores e juízes diferenciem o consumo da venda faz com que muitas pessoas detidas no país com pequenas quantidades de maconha ou cocaína, por exemplo, acabem presas pelo crime de tráfico.

No entanto, há organizações que estão participando do processo que duvidam deste efeito porque discordam da avaliação de que pessoas estejam sendo presas por tráfico equivocadamente.

Barroso e Weber, por exemplo, propuseram 100 gramas de maconha como um corte para diferenciar usuário e traficante. A quantidade segue parâmetros usados em outros países, como Espanha e Holanda.

Já Moraes e Mendes sugeriram 60 gramas, enquanto Zanin defendeu 25.

Os ministros também discutem fixar uma quantidade máxima de pés de maconha para um usuário cultivar.

Luís Roberto Barroso, por exemplo, sugeriu que o usuário possa ter seis plantas fêmeas (aquelas que produzem flores com THC para serem fumadas) em casa.

Os ministros ressaltaram, porém, que eventuais parâmetros a serem adotados serviriam como uma referência básica, podendo o juiz considerar o indivíduo como usuário, mesmo que esteja com quantidade maior, ou ainda enquadrá-lo como traficante, mesmo que tenha quantidade menor.

Isso dependeria de outros elementos que corroborem para o crime de tráfico, como apreensão de armas ou balança para pesar drogas, por exemplo.

Fachin, quando votou em 2015, foi contra a adoção de critérios pelo STF, porque considerou que seria função do Congresso definir essa quantidade.

Mas ele ainda pode revisar seu voto, como fez Mendes, que também havia ficado contra a fixação de parâmetros no início do julgamento.

Por que julgamento se alongou por anos?

Além dos vários pedidos de vistas que interromperam o julgamento, o caso também ficou alguns anos sem ser pautado pelo STF durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

A ação foi retomada em 2023 e interrompida pelo pedido de vista de Toffoli.

Para juristas que acompanham o tema, a Corte demorou a retomar o julgamento para evitar mais tensão com o governo anterior, que era fortemente contra qualquer flexibilização nesse tema.

Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não tenha uma postura abertamente favorável à descriminalização, integrantes do seu governo, como o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, defendem a medida com o objetivo de reduzir o grande número de pessoas presas no país.

"Temos que tratar isso como uma questão de saúde pública, como uma questão que não se resolve por meio do encarceramento, com prisão e com punição", disse Almeida, em entrevista à BBC News Brasil.

Com a demora em julgar, houve mudança na composição da Corte, que se tornou mais conservadora com a entrada de dois ministros indicados por Bolsonaro: Kassio Nunes Marques e André Mendonça.

Além disso, Cristiano Zanin, indicado por Lula em 2023, também se posicionou contra a descriminalização do porte para consumo.

Lula também indicou no final de 2023 o ministro Flavio Dino. A princípio, Dino não se manifestará no mérito principal dessa ação, porque ele entrou na vaga da ministra Rosa Weber, que já votou.

Mas, como o julgamento ainda está em curso, pode ser necessário que o ministro precise se manifestar em alguma etapa do caso.

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postado em 20/06/2024 13:15 / atualizado em 20/06/2024 19:16