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Ala intervencionista, exploração de petróleo no rio Amazonas: quem é Magda Chambriard, nova presidente da Petrobras indicada por Lula

Disputa entre ministério de Minas e Energia e direção da empresa derrubou o presidente anterior da Petrobras, Jean Paul Prates.

O quadrado amarelo mais acima no mapa mostra o campo onde seria explorado petróleo na bacia da foz do Amazonas -  (crédito: IBAMA/DIVULGAÇÃO)
O quadrado amarelo mais acima no mapa mostra o campo onde seria explorado petróleo na bacia da foz do Amazonas - (crédito: IBAMA/DIVULGAÇÃO)

A engenheira civil Magda Chambriard tomou posse como presidente da Petrobras nesta quarta-feira (19), após convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Nossa gestão está totalmente alinhada com a visão do nosso presidente Lula e do governo federal, afinal, eles são os nossos acionistas majoritários", garantiu Chambriard no evento de posse no Rio de Janeiro (RJ).

Chambriard começou a trabalhar na Petrobras em 1980, como estagiária, e ficou por 22 anos. Ela será a segunda presidente mulher da história da Petrobras — depois de Maria das Graças Foster, que comandou a empresa entre 2012 e 2015, nos governos Dilma Rousseff.

Entre 2012 e 2016, Chambriard ocupou o cargo de diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Ela também fez parte do grupo de transição na área de energia do governo Lula e foi considerada para presidir a PPSA, empresa que administra o pré-sal, mas recusou a oferta.

A indicação de Chambriard teria partido do ministro de Minas e Energia — que fazia oposição à gestão de Jean Paul Prates, o presidente anterior, na empresa.

'Ala intervencionista', exploração no Amazonas e contra privatização

Segundo analistas políticos, a indicação de Chambriard foi uma vitória da chamada "ala intervencionista" do governo — políticos que acreditam que o governo federal deve intervir mais ativamente na gestão da empresa para perseguir objetivos de Estado, em contraponto aos que acham que a Petrobras deveria ser gerida puramente seguindo preceitos de mercado.

A própria queda de Prates foi vista pelo mercado como uma intervenção do governo — o que teve má repercussão no mercado. Em 14 de maio, os papéis PBR, que correspondem às ações ordinárias da Petrobras, chegaram a cair 8% no after market dos Estados Unidos (período de negociação que acontece após o fechamento oficial do mercado).

Sobre questões ambientais, a indicação de Chambriard não deve representar uma mudança radical em relação a Prates. No ponto mais polêmico — que envolve a possibilidade de exploração de petróleo em águas próximas da Amazônia — tanto Chambriard quanto Prates se mostraram a favor.

Magda Chambriard se manifestou recentemente favorável à prospecção de petróleo na foz do rio Amazonas — algo que provocou polêmica no início do terceiro mandato de Lula.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Ministério de Meio Ambiente e Mudanças do Clima, comandado por Marina Silva (Rede), foram contrários à ideia.

Do outro lado, a favor da proposta, estão o Ministério de Minas e Energia, liderado por Alexandre Silveira (PSD-MG), e a Petrobras.

Em entrevista no final de abril à revista Brasil Energia, Chambriard — que estava trabalhando como consultora — disse: "Eu acredito que deve ser feita uma concentração de esforços agora em Pelotas e no Parecis [campos no Sul e Centro-Oeste do país]. Mas a gente não pode desistir da Margem Equatorial. Nesse ponto, meu foco é a Foz do Amazonas, pelo tipo de geologia, pelo afastamento da costa, pelas águas profundas e pelo talude mais espesso."

A foz do Amazonas é o local em que o famoso rio da Região Norte deságua no mar. Ela faz parte de uma região conhecida como Margem Equatorial Brasileira, que se estende do Amapá até o Rio Grande do Norte.

A Petrobras tem interesse em estudar o potencial da exploração de petróleo nesse local — a empresa estima que seja possível retirar 14 bilhões de barris do combustível fóssil dali.

Porém, antes de iniciar qualquer empreendimento do tipo, é necessário obter um licenciamento ambiental exigido por lei.

Quando o projeto envolve o mar territorial do país, o órgão responsável por emitir esse documento é o Ibama.

A Petrobras pediu um licenciamento para estudar a possibilidade de exploração de petróleo num bloco específico — o FZA-M-59.

O pedido foi negado após um parecer emitido por técnicos do Ibama apontar "incosistências técnicas" no pedido.

Para o projeto avançar, a Petrobras precisa desse licenciamento ambiental. Neste momento, a empresa está investindo em pesquisar mais sobre as características da Foz do Amazonas.

Em entrevista para a Reuters no ano passado, Chambriard disse que caberia a Lula resolver o impasse — e que as questões técnicas sobre a exploração da Foz do Amazonas já teriam sido "esgotadas".

"Esse impasse, onde uma parte do governo quer e outra parte não quer, quem tem que definir é o presidente da República. Chegamos a um ponto que quem tem que definir isso e ser o fiel da balança foi quem teve 60 milhões de votos", disse ela à Reuters.

Na mesma entrevista, ela defendeu a exploração de novas fronteiras como o Rio Amazonas, argumentando que os recursos do pré-sal — grandes reservas descobertas pela Petrobras há duas décadas em camadas profundas do solo do mar — não são "infinitos".

"Se o governo brasileiro pretende uma estatal forte, não pode abrir mão da continuidade exploratória das fronteiras relevantes para o país. Do contrário, você esgota um player importante em 20 anos e depois disso o que faz com a Petrobras, que está sendo uma empresa prioritariamente de E&P (exploração e produção)?"

Em relação à privatização de operações da Petrobras — algo que foi cogitado no governo de Jair Bolsonaro —, Chambriard se mostrou cética.

"A gente quer que as multinacionais venham para cá. Isso é essencial nesse momento, já que temos diversos municípios afundando com falta de investimentos e com ativos que poderiam ser aproveitados", disse ela à BBC News Brasil em 2021.

"Mas, se essas companhias estrangeiras vierem para cá para comprar tudo no exterior, produzir o petróleo, pagar imposto e ir embora, não obteremos o resultado que um país tem de querer, que é gerar emprego para os seus filhos."

Ela defendeu a adoção de políticas que favoreçam a compra de componentes nacionais e o uso de mão-de-obra brasileira.

Demissão de Prates: lucros da Petrobras e desgates

A demissão de Prates ocorreu em uma reunião onde estavam presentes pessoalmente o presidente Lula, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o ministro da Casa Civil, Rui Costa.

À reportagem da BBC News Brasil, a empresa confirmou a demissão e disse, em nota:

"A Petrobras informa que recebeu nesta noite de seu Presidente, Sr. Jean Paul Prates, solicitação de que o Conselho de Administração da Companhia se reúna para apreciar o encerramento antecipado de seu mandato como Presidente da Petrobras de forma negociada. Adicionalmente, o Sr. Jean Paul informou que, se e uma vez aprovado o encerramento indicado, ele pretende posteriormente apresentar sua renúncia ao cargo de membro do Conselho de Administração da Petrobras. Fatos julgados relevantes serão tempestivamente divulgados ao mercado."

A demissão de Prates foi interpretada como uma reação à decisão da Petrobras de aumentar significativamente a distribuição de dividendos aos acionistas, o que gerou debates intensos.

Nos anos de 2022 e 2023, a empresa se destacou como a maior pagadora de dividendos do mundo, desembolsando um total de US$ 57,6 bilhões.

Segundo apuração da GloboNews, quando Prates discordou da orientação governamental e se absteve na votação, sua posição não foi bem recebida no Palácio do Planalto.

O pagamento de dividendos altos pela empresa divide opiniões.

De um lado, parte do governo e grupos que defendem o papel central da estatal no desenvolvimento do país querem que a empresa reduza o pagamento aos acionistas para ampliar seus investimentos, por exemplo, com a construção de novas refinarias (unidades que transformam óleo bruto em combustíveis) e fontes alternativas de energia.

De outro lado, analistas de mercado e acionistas da empresa defendem que a empresa mantenha o alto patamar de distribuição de dividendos, o que torna suas ações mais atrativas. Eles argumentam que a empresa já tem um nível elevado de investimentos e que certos projetos de interesse do governo, como as refinarias, não seriam lucrativos.

Em meio a essa disputa, os acionistas da empresa aprovaram, no dia 25 de abril, a distribuição de R$ 21,95 bilhões em dividendos extraordinários, referentes aos lucros de 2023.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva havia tentado bloquear a liberação desses recursos em março.

Os dividendos extraordinários são aqueles pagos além do mínimo previsto em regras de mercado e da própria empresa. A Petrobras já havia anunciado um total de R$ 72,4 bilhões em dividendo ordinários referentes aos ganhos de 2023, parte dos quais já foi paga no ano passado.

A aprovação do pagamento extra em abril refletiu um recuo do Palácio do Planalto após as ações da estatal levarem um tombo de 10% em um dia, no mês passado, devido à insatisfação do mercado com a decisão inicial.

Embora a Petrobras seja uma companhia de capital aberto, a União mantém controle acionário da empresa e, por isso, é determinante na decisão de liberação desses recursos.

A mudança de rumo, no entanto, ainda teve um lado positivo para o governo.

Como maior acionista da Petrobras, a União deve receber R$ 6 bilhões dos dividendos extras liberados, valor que pode contribuir para reduzir o rombo nas contas federais.

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postado em 19/06/2024 20:47 / atualizado em 20/06/2024 09:50