A diretora do Centro Washington de Pesquisa e Controle do Peso, Domenica Rubino diz que tem se sentido frustrada nos últimos três anos com o aumento da percepção de que os medicamentos que promovem a perda de peso – como o Ozempic e Wegovy, da Novo Nordisk, e o Mounjaro, da Eli Lilly – seriam curas permanentes da obesidade.
"A obesidade não é como uma infecção, quando você toma antibióticos e pronto", suspira ela. "Ela não é diferente da hipertensão, do diabetes ou das muitas outras doenças crônicas que enfrentamos. Você precisa de medicamentos de uso contínuo."
Nos últimos três anos, a chegada de uma nova classe de medicamentos conhecidos como agonistas de GLP-1 – conhecidos pela sua capacidade de imitar a ação do hormônio intestinal GLP-1 natural, que promove a saciedade – transformou o setor de perda de peso.
Inicialmente, a Administração de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) aprovou o Wegovy (o nome comercial do remédio baseado em GLP-1 chamado semaglutida) para gestão crônica do peso, em junho de 2021. No Brasil, o medicamento foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em janeiro de 2023 para tratamento de obesidade e diabetes.
A demanda insaciável por este tipo de medicamento fez com que o Mounjaro, ou tirzepatida, chegasse ao mercado no final de 2023. E, agora, uma substância mais nova e supostamente mais eficaz, chamada retatrutida, está em fase de preparação.
Sem dúvida, os medicamentos análogos aos baseados em GLP-1 são eficazes para ajudar as pessoas a perder peso.
Um estudo clínico fundamental sobre semaglutida, publicado em 2021, concluiu que os participantes experimentaram, em média, 15% de perda de peso ao longo de 68 semanas. Já os pacientes que receberam placebo perderam apenas 2%.
Mas algumas pessoas que tomaram a medicação chegaram a perder até 20% do seu peso inicial. E os supostos benefícios à saúde, agora, parecem ser ainda mais abrangentes.
Os últimos dados de um estudo chamado Select, publicado em 2023, demonstram que a semaglutida pode reduzir o risco de ataques cardíacos e AVCs em 20%, em pacientes com histórico anterior de doenças cardiovasculares.
Mas, considerando seus altos preços – um mês de Wegovy custa US$ 1.350 (cerca de R$ 7,3 mil) – e os sérios efeitos colaterais, que podem incluir náuseas, azia e dores de estômago, a questão sempre foi: o que acontece quando as pessoas param de tomar as medicações?
Diversos estudos tentaram examinar esta questão específica e todos parecem indicar a mesma resposta: os quilos perdidos retornam rapidamente.
Em um estudo, cerca de 800 pessoas receberam injeções semanais de semaglutida, acompanhadas por ajustes da alimentação, um regime de exercícios prescrito e aconselhamento psicológico. Todos estes fatores, em conjunto, ajudaram os participantes a perder cerca de 11% do seu peso inicial ao longo de quatro meses.
Mas, quando um terço dos participantes passou a receber injeção de placebo por mais um ano, eles ganharam novamente 7% do peso perdido.
A mesma tendência foi observada após o teste de 2021, conhecido como Etapa 1.
Após 68 semanas de injeções de semaglutida, o paciente médio perdeu mais de 15% do seu peso do corpo. Mas, em 12 meses após o final do tratamento, os pacientes recuperaram, em média, dois terços do peso que haviam perdido anteriormente.
Este resultado foi associado a um nível similar de reversão para os níveis originais dos pacientes, em alguns dos seus indicadores de saúde cardiometabólica – uma categoria que inclui condições como diabetes e ataques cardíacos.
Rubino e outros especialistas em várias partes do mundo observaram padrões semelhantes ao administrar medicamentos similares ao GLP-1 nas suas clínicas.
"Haverá uma pequena parcela das pessoas, 10% no máximo, que consegue manter [todo] o peso perdido", afirma o professor de medicina clínica Alex Miras, da Universidade de Ulster, no Reino Unido.
A trajetória de recuperação do peso, normalmente, é mais rápida do que a perda de peso inicial, segundo Miras. "As pessoas recuperam a maior parte nos primeiros três a seis meses", explica ele.
Miras e outros pesquisadores fazem questão de enfatizar que isso deveria ter sido esperado. Afinal, para todas as doenças crônicas, da artrite reumatoide à asma e pressão alta, os pacientes normalmente recaem assim que suspendem seu tratamento.
Mas compreender por que isso acontece com semaglutida, tirzepatida e outros medicamentos análogos ao GLP-1 poderá ser fundamental para conhecer suas consequências de longo prazo e saber como melhor receitar esses medicamentos no futuro.
O problema da recuperação de peso
A principal teoria sobre o motivo que leva a maior parte dos pacientes a recuperar seu peso com tanta rapidez quando param de tomar a medicação defende que as regiões do cérebro relativas ao apetite ainda estão desreguladas, o que leva as pessoas a consumir alimentos em excesso.
Os medicamentos análogos ao GLP-1 simplesmente mascaram essa desregulagem e, quando seu efeito é removido, os desejos das pessoas por alimentos retornam rapidamente.
"As pessoas nem sempre gostam disso", conta Rubino.
"Tento explicar que são medicamentos de uso contínuo, mas acho que todos pensam, secretamente, 'sim, mas você sabe que sou diferente e, quando atingir o peso que desejo, tudo bem'. Mas a realidade é que o cérebro é muito poderoso."
Esta pode não ser a única explicação. O professor de medicina metabólica Martin Whyte, da Universidade de Surrey, no Reino Unido, explica uma possível teoria sobre a tendência das pessoas de recuperar o peso depois de suspender as medicações.
Segundo ele, as doses de GLP-1 fornecidas por semaglutida e tirzepatida são muito mais altas do que o corpo espera receber naturalmente. E estas doses podem suprimir a capacidade do corpo de secretar GLP-1 por si próprio.
O resultado é que a fome das pessoas pode retornar, até com mais voracidade, quando elas interrompem suas doses, explica o professor.
"O que pode acontecer – e não sabemos ao certo – é que, quando você suspende as medicações, seu corpo fica com déficit de GLP-1, o que causa grande impacto aos sinais de saciedade que vão para o cérebro", afirma Whyte.
As possíveis consequências fisiológicas dessa recuperação de peso são atualmente as maiores preocupações de saúde para os médicos especializados neste campo.
Em um estudo, os participantes que passaram a receber injeções de placebo não só começaram a reacumular gordura do corpo, mas a sua cintura também começou a retomar o seu tamanho original. E o excesso de gordura nesta região também está relacionado a inúmeros problemas, que variam de doenças cardíacas até a resistência à insulina e a doença do fígado gorduroso (esteatose hepática).
Miras afirma que muitas pessoas que recuperam seu peso após o término da medicação ou dieta sofrem alterações da sua composição corporal, que podem ser até piores para sua saúde a longo prazo do que se tivessem simplesmente mantido seu peso inicial.
"A recuperação do peso é normalmente acompanhada por acúmulo de gordura e redução dos músculos", explica Miras. "Por isso, você acaba voltando a ter maior massa de gordura e menor massa muscular."
"Isso não é bom do ponto de vista metabólico, pois ter mais músculos é bom para reduzir o risco de diabetes e doenças cardíacas."
Mas ainda não existe nenhuma evidência direta de que a composição corporal de uma pessoa seria pior depois de suspender as medicações para perda de peso do que antes de iniciá-las.
Compreendendo a obesidade
Embora estas sejam as tendências gerais, a reação às medicações análogas ao GLP-1 pode variar muito de um indivíduo para outro.
Para começar, nem todos se beneficiam das medicações. O estudo clínico de semaglutida realizado em 2021 concluiu que quase 14% dos participantes perderam menos de 5% do peso do corpo, mesmo depois de tomarem a medicação por mais de um ano.
Embora os estudos indiquem que a perda de peso atingida com a administração de semaglutida possa ser mantida enquanto a medicação continua sendo tomada, também sabemos que algumas pessoas começam a recuperar parte do peso, mesmo antes de parar.
Alex Miras indica dados de pessoas que tomaram uma formulação anterior de GLP-1, conhecida como Saxenda, ou liraglutida.
"Em um ano, a perda de peso é de cerca de 8%, mas, em três anos, ela cai para 6%", explica ele. "De forma que isso parece acontecer e podemos ver também com cirurgia bariátrica [de gestão da obesidade]."
Domenica Rubino afirma que algumas pessoas podem recuperar peso depois de abandonar a semaglutida, mas ainda manter parte dos benefícios à saúde metabólica atingidos enquanto tomavam a medicação, como o melhor controle do açúcar no sangue.
Muitas vezes, este melhor controle do açúcar no sangue persistirá por algum tempo (até três anos, segundo um estudo), o que pode ser causado por muitas razões, segundo Rubino.
"Aquela pessoa pode conseguir ser mais ativa depois de perder peso", explica ela. "Talvez ela esteja dormindo melhor e sofrendo menos eventos de apneia do sono [que foi relacionada como fator de risco para diabetes tipo 2]. Todos estes fatores podem afetar dinamicamente as complicações metabólicas de uma pessoa."
Parte destas variações pode também se dever à existência de diferentes subtipos de obesidade. Até relativamente pouco tempo, os cientistas consideravam a obesidade uma única doença, mas, agora, especialistas de todo o mundo começaram a perceber que a realidade é muito mais complexa.
E pode também haver outros efeitos benéficos duradouros. Um estudo acompanhou mulheres com síndrome do ovário policístico (SOP) e obesidade, tratadas com injeções de semaglutida por 16 semanas, além do medicamento contra diabetes metformina.
Ao longo do tratamento, as participantes do estudo perderam peso, seus parâmetros cardiometabólicos melhoraram e seus níveis de testosterona livre – que costumam ser elevados em mulheres com SOP – foram reduzidos.
Dois anos depois, elas pararam de tomar semaglutida e seu peso e níveis de testosterona livre permaneceram significativamente mais baixos. Mas os indicadores cardiometabólicos das participantes haviam retornado aos níveis iniciais do estudo.
A popularidade das medicações análogas ao GLP-1 apresentou uma oportunidade única. Dados publicados pela Novo Nordisk no início deste ano indicam que 25 mil americanos estão se inscrevendo para tomar Wegovy toda semana.
Com esse grande volume de amostra, os cientistas podem conseguir aprender mais sobre os diferentes tipos de obesidade, observando como as pessoas reagem às medicações, durante e depois do tratamento.
A Novo Nordisk, fabricante do Ozempic e do Wegovy, forneceu à BBC a seguinte declaração:
"Não há evidências que indiquem que os pacientes irão recuperar totalmente todo o peso depois de suspenderem a medicação. A Novo Nordisk relatou os resultados do teste de extensão ETAPA 1 sobre o impacto do abandono do tratamento, que concluiu que, um ano depois de suspender a aplicação subcutânea de 2,4 mg de semaglutida uma vez por semana e das intervenções no estilo de vida, os participantes recuperaram dois terços do seu peso perdido anteriormente. Estas conclusões também confirmam a natureza crônica da obesidade e indicam que é necessário tratamento contínuo para manter a melhoria da saúde e do peso."
Um novo consórcio europeu, conhecido como Estratificação de Fenótipos Obesos para Otimizar a Terapia Futura contra a Obesidade (Sophia, na sigla em inglês), tenta agora pesquisar este ponto com mais detalhes. O consórcio é liderado por cientistas da University College de Dublin, na Irlanda.
"Queremos tentar obter indicadores diferentes, seja por meio de exames de sangue ou de testes psicológicos, que possam nos ajudar a entender como um paciente poderá se sair com cada uma dessas medicações", explica Miras.
"No momento, administro a eles uma medicação por três meses e, se eles perderem peso, isso quer dizer que tive sorte. Estamos atirando totalmente no escuro."
Miras prevê um futuro no qual estas informações serão utilizadas para identificar o medicamento de perda de peso mais apropriado para um paciente específico, a probabilidade de que eles se tornem resistentes ao longo do tempo e diferentes combinações de medicamentos que podem ser utilizadas para manter o peso do paciente sob controle.
Para Martin Whyte, um ponto parece ser certo: muitas pessoas com obesidade precisarão manter sua medicação de forma permanente, para evitar reincidências.
Rubino conta que estão sendo planejados estudos clínicos para determinar se doses mais altas de medicamentos de GLP-1 podem ser utilizadas na fase aguda para ajudar os pacientes a perder peso, seguidas por doses mais baixas de "manutenção", que trazem menos efeitos colaterais e podem ser prescritas para prazo mais longo.
Foram também levantadas preocupações sobre o enorme custo das medicações contra a obesidade para o sistema de saúde pública. No Reino Unido, o Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) cobre atualmente o Wegovy apenas por um período de dois anos.
Mas a onda futura de alternativas genéricas, com custo mais baixo, pode viabilizar esta questão.
A patente do Saxenda, da Novo Nordisk, vence em 2024 – e seus concorrentes Teva, Pfizer e Mylan/Viatris devem lançar versões genéricas de liraglutida ainda este ano. Espera-se ainda que alternativas genéricas do Ozempic sejam disponibilizadas na próxima década.
"Embora a liraglutida não tenha a mesma eficácia que semaglutida, os custos provavelmente irão cair quando as patentes expirarem", explica Whyte.
"Por isso, as pessoas logo poderão começar a pensar nela como opção de prazo mais longo e, quando os custos gerais dos medicamentos de GLP-1 forem reduzidos, ficará mais fácil prescrevê-los como medicamentos de uso contínuo", conclui o professor.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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