Oriente Médio

Faixa de Gaza: Netanyahu reage a racha e dissolve o gabinete de guerra

Primeiro-ministro de Israel põe fim à instância decisória sobre a ofensiva militar na Faixa de Gaza, depois da renúncia de dois integrantes centristas. Especialista vê a medida como uma tentativa de impedir a influência da extrema direita

Protesto contra o governo, em frente ao Knesset (Parlamento), em Jerusalém: ato pede eleições antecipadas  -  (crédito: Menahem Kahana/AFP)
Protesto contra o governo, em frente ao Knesset (Parlamento), em Jerusalém: ato pede eleições antecipadas - (crédito: Menahem Kahana/AFP)

Um racha no governo de unidade de emergência formado após o massacre de 7 de outubro de 2023 — quando o grupo extremista palestino Hamas invadiu o sul de Israel e matou 1,1 mil pessoas — levou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu a dissolver o gabinete de guerra. A decisão foi anunciada oito dias depois de Benny Gantz, líder do partido União Nacional (centro) e ex-ministro da Defesa, apresentar sua renúncia e exigir a convocação de eleições, ao culpar o premiê por impedir "uma vitória real" na Faixa de Gaza. Pouco depois da saída de Gantz, o ex-chefe do Estado-Maior Gadi Eisenkot acompanhou o colega de partido e abandonou o gabinete de guerra. O fim da instância decisória sobre a ofensiva contra o Hamas coincide com o aumento da pressão sobre Netanyahu.

Dezenas de milhares de israelenses ocuparam as imediações do Knesset (Parlamento), em Jerusalém, para cobrar a antecipação das eleições, protestar contra o governo e pedir a imediata libertação de todos os reféns em poder do Hamas. Durante a noite desta segunda-feira (17/6), uma marcha perto da casa de Netanyahu foi reprimida pela polícia, e nove pessoas acabaram detidas. 

A dissolução do gabinete de guerra seria uma tentativa de Netanyahu de minar as influências da extrema direita, inclusive do ministro de Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, sobre os rumos do conflito na Faixa de Gaza. Com as renúncias de Gantz e de Eisenkot, o gabinete tinha ficado com apenas três integrantes: o ministro da Defesa, Yoav Gallant; o ministro de Assuntos Estratégicos, Ron Dermer; e o conselheiro de Segurança Nacional, Tzachi Hanegbi. De acordo com a mídia israelense, Netanyahu anunciou a medida durante reunião com todos os ministros, na noite de domingo. "Para alcançarmos a meta de eliminar as capacidades do Hamas, temos tomado decisões que nem sempre eram aceitáveis para o escalão militar. Nós temos um país com um exército, e não um exército com um país", advertiu o premiê.

O jornal The Jerusalem Post divulgou que documentos revelam que as Forças de Defesa de Israel (IDF) sabiam dos planos do Hamas de invadir o país e sequestrar 250 pessoas. "As IDF tinham informações precisas sobre as intenções do Hamas, mas, devido às concepções prevalecentes no sistema de segurança e à possível negligência por parte dos funcionários, os sinais de alerta não foram postos em prática", afirmou a publicação.

Professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, o iraquiano-americano Alon Ben-Meir disse ao Correio que não ficou surpreso com a dissolução do gabinete de guerra, especialmente depois das renúncias de Gantz e de Eisenkot. "Ele não teve escolha, pois os membros remanescentes já eram integrantes do governo de coalizão", explicou. "Minha preocupação é que dois dos mais messiânicas e extremistas ministros do governo de Netanyahu, Ben-Gvir e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, buscavam substituir Gantz e Eisenkot no gabinete de guerra. Por esse motivo, o premiê não poderia ceder e se impôs, para deixar que ele próprio, Ron Dermer, Gallant e Aryeh Deri, chefe do partido ultraortodoxo Shas, tomassem as decisões. 

De acordo com Ben-Meir, a resistência de Netanyahu em convocar eleições, dissolver o governo e formar novo governo de coalizão com partidos do centro e de centro-esquerda tem causado preocupações por parte dos israelenses e dos Estados Unidos. "A guerra poderá se prolongar, e a negociação de um cessar-fogo poderá continuar a estagnar, caso as partes envolvidas no conflito não cheguem a um acordo", advertiu. Apesar das manobras de Netanyahu para reduzir o poder da extrema direita sobre a guerra de Gaza, o professor acredita que a pressão sobre o premiê continuará a intensificar, tanto por parte do governo e da opinião pública, que têm exigido a libertação dos reféns, quanto de Joe Biden. "O presidente norte-americano está farto de Netanyahu e deseja o fim das hostilidades", acrescentou Ben-Meir. 

Vivos

Sob condição de anonimato, um negociador israelense disse à agência France-Presse (AFP) que dezenas de reféns do Hamas estão vivos na Faixa de Gaza e que Israel não pode aceitar um cessar-fogo até que todos eles sejam libertados. Das 251 pessoas que foram sequestradas durante o ataque do movimento islamista palestino Hamas em Israel em 7 de outubro, 116 ainda estão retidas em Gaza, e dessas, 41 teriam morrido, segundo o Exército israelense. Por sua vez, as IDF afirmam controlar metade da cidade de Rafah, no sul do enclave palestino, e preveem eliminar o grupo extremista da região em duas semanas. 

EU ACHO...

Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York
Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York (foto: Arquivo pessoal)

"Netanyahu faz tudo o que pode para se manter no poder. Essencialmente, ele permite que ministros messiânicos ditem a agenda e teme que, caso não siga suas demandas insanas — esmagar o Hamas e reocupar Gaza —, eles renunciem e o governo entre em colapso. É uma situação terrível para Israel. Enquanto isso, o sangue de palestinos e israelenses continuará a ser derramado por causa de interesses cruéis e egoístas de Benjamin Netanyahu e de Yahya Sinwar (líder do Hamas em Gaza)."

Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York

DECISÕES SOBRE A MESA

O que era o gabinete de guerra?

Criado em 11 de outubro de 2023, quatro dias depois de centenas de extremistas do Hamas invadirem o sul de Israel e matarem 1,1 mil pessoas. Sua principal função era acelerar as decisões tomadas sobre as operações militares na Faixa de Gaza.

Gabinete de guerra de Netanyahu
Gabinete de guerra de Netanyahu (foto: AFP)

Quem fazia parte dele?

O gabinete de guerra de Netanyahu era composto por seis políticos: o próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu; seu principal adversário político, o ex-general Benny Gantz; o ministro da Defesa, Yoav Gallant; o ex-ministro do Interior Aryeh Deri; o ex-chefe do Estado-Maior general Gadi Eisenkot; e o ministro de Assuntos Estratégicos, Ron Dermer. Gantz e Eisenkot renunciaram em 9 de junho passado. 

 Como funcionava o fluxo de decisões?

As decisões tomadas pelo gabinete de guerra eram sempre apresentadas à apreciação de um gabinete de segurança maior. 

O que acontece agora?

A expectativa é de que o premiê Netanyahu realize consultas em menor escala para temas sensíveis sobre a guerra. Nesse sentido, ele pode, inclusive, recorrer ao gabinete de segurança, composto por aliados da extrema-direita que se opõem a acordos de cessar-fogo e defendem a expulsão dos palestinos para a Península do Sinai e a reocupação da Faixa de Gaza.  

 

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postado em 18/06/2024 06:00
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