ORIENTE MÉDIO

Faixa de Gaza: pausas humanitárias, fim do horror distante

Israel anuncia pausa tática para entrada de ajuda humanitária no território palestino. Decisão agrada aliados, mas recebe duras criticas da extrema direita, que ameaça romper com o primeiro-ministro

Apesar das tréguas, outras regiões continuam sendo atacadas       -  (crédito:  AFP)
Apesar das tréguas, outras regiões continuam sendo atacadas - (crédito: AFP)

O Exército israelense anunciou, ontem, uma pausa diária nas operações em uma área mais ao norte de Gaza, para facilitar a entrada de ajuda humanitária no território palestino, arrasado pelos ataques e ameaçado pela fome. Após oito meses de bombardeios incessantes, o norte e o centro do território tiveram um momento de trégua na manhã de domingo.

"De repente, está calmo desde esta manhã, sem disparos, sem bombardeios, é estranho", afirmou Haiti al Ghouta, 30 anos, na Cidade de Gaza, no norte, que espera que este seja o prelúdio para um cessar-fogo permanente.

Porém, Israel reforçou se tratar apenas de pausa tática: "Não há interrupção das hostilidades no sul de Gaza e as operações em Rafah continuam". A pequena trégua diária foi anunciada um dia após a morte de 11 soldados israelenses, oito deles na explosão de uma bomba na Faixa de Gaza.

O intervalo ocorrerá das 8h às 19h (2h às 13h, no horário de Brasília) "todos os dias e até novo aviso" na área de Kerem Shalom, passagem fronteiriça no sul de Israel, para a rodovia Salahedin, em Gaza, e em direção ao norte do território palestino. A decisão foi tomada para permitir o "aumento no volume de ajuda humanitária a Gaza", anunciaram as forças de defesa após negociações com a ONU e outras organizações.

Divisão

Apesar de agradar países aliados, a decisão torceu os narizes dos membros mais radicais do governo. "A pessoa que tomou a decisão de estabelecer uma pausa enquanto nossos soldados caíam em combate é má e estúpida", criticou o ministro da Segurança Nacional israelense, Itamar Ben Gvir.

O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, disse que a ajuda humanitária permite manter o Hamas no poder e arrisca levar "as conquistas da guerra pelo ralo". A extrema direita ameaça romper com o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e derrubar coalizão.

Netanyahu havia prometido uma "vitória total" contra o Hamas. Ele classificou a operação em Rafah como a última ofensiva aos batalhões restantes do grupo em Gaza. Todavia, a morte dos 11 soldados no fim de semana colocaram um ponto de interrogação sobre as chances de seu objetivo se cumprir.

Além disso, no sábado, grandes protestos ocorreram em Tel Aviv. As pessoas pediam que Netanyahu desse um ponto final para o conflito e assinasse um acordo para resgatar os 120 reféns israelenses.

As diferentes opiniões revelam que Netanyahu está entre a cruz e a espada: vencer definitivamente a guerra ou viver numa batalha que irá se arrastar, consumindo recursos israelenses e internacionais, além de vidas.

Pequenos avanços

A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que "comemora" a decisão, mas pede que "leve a novas ações concretas" para facilitar a entrada de ajuda humanitária, disse Jens Laerke, porta-voz do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha).

A organização alerta há tempos que é difícil entregar a ajuda à população, que vive sem acesso à água, alimentos e medicamentos, devido aos ataques e restrições. A Faixa de Gaza está mergulhada em uma grave crise humanitária, com 75% dos seus 2,4 milhões de habitantes deslocados pela guerra e a população ameaçada pela fome, segundo a ONU.

Enquanto isso, Rafah, no extremo sul da Faixa, onde o Exército israelense iniciou uma ofensiva terrestre no início do mês passado, não vê indícios de pausas nos ataques. A ofensiva já deixou pelo menos 37.337 mortos em Gaza, a maioria civis, de acordo com o Ministério da Saúde do território palestino. 

"A pausa tática me parece mais um recurso retórico e uma medida insuficientemente paliativa de ajuda humanitária, além de um pequeno sinal para as demandas da chamada comunidade internacional, que se diz preocupada com a população Palestina, mas que pouco age para punir o Estado de Israel por conta de seus crimes de guerra e contra a humanidade.", diz Isabela Agostinelli dos Santos, professora e doutora em relações internacionais.

Redondezas

Karime Cheaito, doutoranda em relações internacionais pelo San Tiago Dantas e pesquisadora sobre Líbano e Hezbollah, pontua que a opinião pública internacional e interna é desfavorável a Israel. "A liderança de Netanyahu vê tanto um desentendimento entre os membros do seu governo como tem enfrentado uma pressão popular doméstica. Fato é que o governo e a população israelense sabe que Hezbollah tem um poder mais forte que o Hamas e que abrir uma frente de guerra com esse ator não seria uma estratégia eficaz."

"Na minha perspectiva, Hezbollah vai continuar utilizando a estratégia que tem desenvolvido desde o dia 8 de outubro: realizar ataques para despressionar, minimamente, a ofensiva em Gaza e, principalmente, para dissuadir Israel, ao demonstrar que seu armamento é ainda maior e mais desenvolvido do que foi na guerra de 2006." Segundo a especialista, há rumores de que as forças de defesa israelense sairiam pontualmente de Gaza para se concentrar no norte e abrir uma frente de guerra com o Hezbollah. "Isso mudaria os rumos atuais do genocídio e poderia tornar a região ainda mais instável, com a abertura de uma possível guerra com potencial de uma escala ainda maior."

 


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postado em 17/06/2024 03:01 / atualizado em 17/06/2024 19:29
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