No dia em que a Noruega, a Espanha e a Irlanda reconheceram oficialmente a Palestina como um Estado, Israel lançou nova etapa de sua ofensiva contra Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Pela primeira vez, tanques israelenses foram vistos avançado pelo centro da cidade, de onde cerca de 1 milhão de palestinos fugiram, nas últimas três semanas, de acordo com a Agência de Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA). Por meio do WhatsApp, fontes de Rafah informaram a presença de tanques no campo de deslocados de Yabna; diante da Mesquita Ali bin Abi Talib, no oeste; e em três praças da cidade. "Em todos os locais, as casas estão expostas a violentos projéteis de artilharia", afirma uma das mensagens.
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O Conselho de Segurança da ONU reuniu-se, ontem, em caráter de emergência, para discutir o bombardeio a um acampamento de deslocados internamente, no último domingo, em que 45 pessoas foram queimadas vivas. Apesar do massacre ter provocado indignação internacional, os Estados Unidos sinalizaram que consideram "limitada" a operação militar em Rafah. As Forças de Defesa de Israel (IDF) alegaram que, devido a cirunstâncias imprevistas, um incêndio começou, após o ataque, ceifando a vida de civis nas imediações. "É um incidente devastador, pelo qual não esperávamos. (...) O ataque foi conduzido usando duas munições com pequenas ogivas adequadas, (...) com 17kg de material explosivo. A nossa munição, por si só, não poderia ter acendido um incêndio desta dimensão", disse Daniel Hagari, porta-voz das IDF. Segundo o Exército israelense, um depósito de munições escondido na área pelo grupo extremista Hamas teria causado as labaredas.
Depois de fugir com a família para Deir Al-Balah, a 19km de Rafah, a ativista comunitária Walaa Najeh Hassan, 30 anos, abrigou-se na casa de familiares. Questionada pelo Correio sobre o que espera do futuro, ela respondeu: "Destruição completa e total". Por amigos que ficaram em Rafah, ela confirmou que os tanques chegaram ao coração da cidade. "Eles me disseram que algumas casas foram atingidas pelos mísseis e pelos morteiros de canhões", contou.
Conselheiro do Tribunal Penal Internacional e ex-chefe do Escritório Jurídico da UNRWA em Gaza, Johann Soufi disse à reportagem que a incursão terrestre em Rafah representa uma "clara violação da ordem dada pela Corte Internacional de Justiça". Em 24 de maio, o tribunal da ONU instruiu Israel a suspender a ofensiva. "Isso mostra quão pouca consideração o governo israelense tem pelo trabalho das Cortes internacionais. Infelizmente, até agora, não há consequências, apesar das imagens horríveis vindas de Rafah, porque os Estados aliados de Israel, principalmente os EUA, não tomam qualquer medida para sancionar essas violações flagrantes da lei."
Estado palestino
A oficialização da decisão de Espanha, Irlanda e Noruega de reconhecer o Estado palestino provocou a ira de Israel. O governo de Benjamin Netanyahu acusou o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, de ser "cúmplice na incitação ao assassinato do povo judeu". Em pronunciamento à nação, Sánchez disse que o reconhecimento "não é apenas uma questão de justiça histórica, com as legítimas aspirações do povo palestino; é, além disso, uma necessidade urgente para alcançar a paz". "É a única maneira de avaçar até a única solução possível para obter um futuro de paz: a de um Estado palestino que conviva com o Estado de Israel, em paz e em segurança", declarou. Ele acrescentou que a solução se baseia no respeito ao direito internacional e na defesa da ordem mundial sustentada em regras.
DEPOIMENTO
"Não há lugar seguro"
"Essa guerra levou tanta gente. Muitas pessoas foram assassinadas pelos bombardeios, pela fome, pela fumaça. Alguns palestinos ficaram sob os escombros por cinco meses. Todos nós sentimos medo e pânico. Meu filho caçula, Joseph, se esconde entre meus braços. Minha filha chora. Todas as pessoas gritam por aqui. O barulho das bombas, à noite, é assustador. Sempre vem seguido por um eco incomum. Temos sofrido com a desnutrição. Há três meses, não como frango nem carne. Há oito, não comemos fritos do mar nem peixe. Praticamente não existe proteína na cidade. Eu e minha família deixamos Rafah anteontem. Sinto-me chateada e triste por isso. Mas, não existe lugar seguro em Gaza. Estamos em Deir Al-Balah, a 18km de Rafah, na casa de familiares. Daqui, podemos escutar as explosões em Rafah."
Walaa Najeh Hassan, palestina de 30 anos deslocada de Rafah com a família, na manhã de segunda-feira. Depoimento concedido ao Correio por meio do WhatsApp