TECNOLOGIA

As pessoas que querem ter celulares menos inteligentes - e por que empresas não querem mais fabricá-los

Autoproclamados neo-luditas (pessoas que rejeitam tecnologias), algumas pessoas estão buscando celulares com menos recursos. Especialistas da indústria apontam margens de lucro precárias e um mercado instável em torno dessa necessidade específica.

O iPhone completa 17 anos este ano. O lançamento do dispositivo com controle por tela sensível ao toque (touchscreen) marcou um momento que definiu nossas expectativas em relação aos smartphones desde então.

Quase uma geração inteira cresceu sem conhecer a vida sem um smartphone.

Tempo suficiente se passou para que as pessoas aprendessem sobre os benefícios e malefícios desses dispositivos em suas vidas, seja por inúmeros estudos científicos, seja por suas próprias experiências.

Muitas pessoas estão agora cientes dos custos de ter o mundo ao alcance dos dedos. E estão rejeitando as maneiras como esses telefones podem prejudicar a concentração, afetar o sono e agravar problemas de saúde mental.

Existem várias maneiras relativamente simples de lidar com essas questões, como instalar aplicativos que limitam o tempo de tela.

No entanto, algumas pessoas estão decidindo ir mais longe, voltando a um tempo antes da conexão constante.

Elas estão migrando para dumbphones (em oposição ao smartphone), um termo abrangente para celulares com funções básicas, como chamadas, mensagens de texto e alarmes.

Alguns dumbphones lembram os celulares flip dos anos 90. Outros são produtos de nicho, de alto padrão, que proporcionam uma experiência de smartphone simplificada a um custo surpreendentemente alto.

Em alguns casos, pais preocupados estão optando por esses dispositivos como uma forma de manter seus filhos longe das distrações de um smartphone.

Mas o mercado também inclui idosos que desejam algo simples; trabalhadores em indústrias pesadas, como construção civil ou agricultura, que precisam de aparelhos resistentes; e usuários comuns que não podem pagar o preço médio de um smartphone, muitas vezes acima de US$ 500 (R$ 2.040), sendo que os smartphones topo de linha podem custar até US$1.600 (R$ 6.630). No Brasil, o valor de um iPhone pode chegar a cerca de R$ 14 mil.

Abandonar esses dispositivos também se tornou uma tendência: adolescentes desesperados para escapar das redes sociais estão se autoproclamando neo-luditas.

Eu sabia que precisava tentar também. Crescendo em uma casa sem consoles de videogame no início dos anos 2000, jogava Halo e Borderlands na casa de amigos até ficar tonto e desorientado.

Mais tarde, como repórter de jornal, absorvia a enxurrada de informações do Twitter entre os prazos de entrega e depois passava horas rolando notícias quando chegava em casa.

Durante a pandemia, abandonei o Twitter, mas sucumbi ao Instagram Reels. A sensação de estar sempre conectado corroía meu bem-estar. Sair do universo dos smartphones parecia perfeito para mim.

No entanto, fazer isso, na prática, foi um pouco mais difícil do que eu esperava.

Serenity Strull/BBC/Getty Images
Alguns consumidores estão voltando a usar dispositivos mais antigos e simples

Primeiro, tive dificuldade para conseguir um dumbphone.

Havia poucas opções e menos recomendações ainda, um contraste gritante com os milhões de análises de smartphones na internet.

Finalmente encontrei um site do escritor e defensor dos dumbphones Jose Briones, que oferece um "localizador de dumbphones".

Acabei escolhendo um CAT-S22, um celular flip semi-inteligente, que tem acesso a aplicativos como Google Maps. Custou US$ 69 (R$ 352) e termina qualquer chamada com um estalido satisfatório.

Quanto mais aprendia sobre dumbphones, mais percebia que a falta de análises não era necessariamente o motivo pelo qual eu estava tendo dificuldade em encontrar um aparelho.

Apesar da demanda crescente, entendi que os fabricantes de celulares têm pouco ou nenhum interesse em oferecer esses dispositivos.

Com os smartphones representando a grande maioria de todas as novas vendas de celulares, os gigantes da tecnologia têm pouco incentivo econômico para continuar produzindo novos dumbphones ou atualizando suas linhas existentes.

Economia precária

Embora pequeno, existe um mercado para os dumbphones.

Nos EUA, dados de agosto de 2023 da Counterpoint Research mostram que os feature phones (ou telefone básico inteligente) – um tipo de dumbphone básico com capacidades reduzidas – compõem apenas 2% do mercado de celulares. Isso representa apenas uma pequena fração, mas ainda são muitos dispositivos.

A Counterpoint estimou que as vendas de feature phones nos EUA chegariam a 2,8 milhões até o final do ano.

"Os feature phones permanecem consistentes nos EUA, pois seu design simples, acessibilidade e resistência ainda atendem a públicos específicos", segundo a empresa.

"Embora não haja um aumento significativo no mercado de feature phones, existem necessidades constantes que criam uma demanda estável para esses aparelhos em um mercado dominado pelos smartphones."

Jim Roberts, professor de Marketing na Hankamer School of Business da Universidade Baylor, no Texas (EUA), afirma que uma proporção surpreendente dos dumbphones do mundo é vendida nos EUA – ele estima cerca de 20%, embora os dados de mercado variem consideravelmente.

"[Os consumidores] estão percebendo que não estão mais felizes, ou estão menos felizes, do que gostariam de estar", diz Roberts. "E eles passam tanto tempo em seus smartphones que estão vendo o celular como o culpado."

De acordo com o Statista Market Insights, o mercado global total de feature phones deve gerar uma receita de US$ 10,6 bilhões (R$ 54 bilhões) este ano.

No entanto, embora os fabricantes de telefones obtenham somas notáveis com as vendas de feature phones, eles têm dificuldade em lucrar com o hardware simplificado.

E geralmente não vale a pena, economicamente, tentar melhorar esse negócio, especialmente porque os telefones costumam ser apenas uma pequena divisão de suas empresas como um todo.

Muitas dessas gigantes da tecnologia geralmente geram receita com software ou hardware altamente especializado, pelo qual os consumidores estão dispostos a pagar preços elevados. Elas também têm fontes de receita muito diversificadas.

A Samsung, por exemplo, ganha bilhões todos os anos com sua divisão de semicondutores.

Simplesmente, essas empresas têm pouco incentivo para atender aos usuários de dumbphones, cujo potencial de receita é relativamente pequeno – isso se conseguirem sequer tornar a fabricação desses dispositivos economicamente viável.

Além disso, especialistas dizem que a enorme quantia que as gigantes da tecnologia podem cobrar pelos smartphones sugere que elas não darão prioridade aos usuários de feature phones tão cedo.

Briones, que deixou de usar smartphones em 2019, explica que as grandes empresas de tecnologia não querem que os dumbphones superem seus modelos mais chamativos e caros.

"As grandes empresas de tecnologia não querem nada que reduza o uso de smartphones, pois não ganham dinheiro com o hardware do dispositivo", diz ele.

Serenity Strull/BBC/Getty Images

Uma alternativa viável?

Para as empresas que ainda oferecem dumbphones, Thomas Husson, vice-presidente e principal analista da Forrester Research, não espera que muitas delas consigam sobreviver – ou pelo menos continuar fabricando esses dispositivos a longo prazo.

Além das margens de lucro precárias, há também o problema de que a tecnologia que sustenta esses dispositivos se tornará tão obsoleta que eles não poderão mais funcionar.

Por exemplo, os usuários de dumbphones em todo o mundo ficarão sem sorte se as redes 2G e 3G que garantem sua funcionalidade desaparecerem completamente. Além disso, muitos empregos – mesmo em posições de baixa remuneração – exigem que os funcionários possuam celulares com capacidades de aplicativos.

No fim das contas, pode não haver clientes suficientes para sustentar mesmo o modelo de negócios mais inteligente.

No entanto, pode haver uma maneira para as empresas de dumbphones sobreviverem.

Para serem economicamente viáveis, argumenta Husson, as empresas poderiam "desenvolver uma marca premium de nicho para alcançar esses segmentos".

De fato, algumas startups estão tentando capturar esse mercado especializado e encontrar sucesso econômico – oferecendo uma espécie de releitura moderna do feature phone.

A Light, sediada em Nova York, cria "Light Phones" customizáveis que minimizam a exposição à internet, redes sociais e outras distrações.

"O que estamos tentando fazer com o Light Phone não é criar um dumbphone, mas sim um telefone mais intencional – um telefone premium e minimalista – que não é inerentemente anti-tecnologia", disse Joe Hollier, cofundador da Light, à CNBC em 2023.

O dispositivo atualmente custa US$ 299 (R$ 1.525) – comparável a modelos de smartphones de baixo ou médio custo. É um preço alto para um telefone simplificado, mas a única maneira para a empresa tornar um produto de nicho economicamente viável.

Ao contrário dos feature phones, que geralmente são vendidos por seu baixo custo ou robustez, os telefones da Light são destinados a usuários conscientes que buscam um detox digital e desejam alguma conectividade sem sacrificar estilo ou funcionalidade.

O Light Phone de Briones faz chamadas, envia mensagens de texto e tem funções básicas de aplicativos, tudo visualizado através de uma tela de tinta eletrônica (e-ink) semelhante a um e-reader. Ele também pode ter um calendário, obter direções, transmitir podcasts e música e fazer anotações.

"É um bom conjunto de funcionalidades com o qual aprendi a viver", diz ele.

No início deste ano, a marca suíça Punkt também lançou um smartphone simplificado por US$ 750 (cerca de R$ 3.825).

Eles apostam que consumidores de alto padrão se interessarão por um hardware que se assemelha aos smartphones a que estão acostumados.

A Punkt se voltou para a abordagem de dumbphone de luxo; em 2015, a empresa ofereceu um feature phone que se parecia com um iPhone, mas que só fazia chamadas, enviava mensagens de texto e tinha um calendário e um relógio. Não deu certo.

Esses novos dispositivos também terão que competir com outros modelos de negócios destinados a atrair usuários que desejam reduzir sua dependência digital, mas que podem querer fazer isso de uma maneira mais suave do que uma transição completa de hardware.

Essa é a estratégia da Ghost Mode, uma empresa sediada nos EUA. Em vez de vender seu próprio telefone, a empresa reprograma essencialmente um smartphone Google Pixel 6a de acordo com as especificações do cliente, com todos os aplicativos necessários.

Depois disso, a Ghost Mode bloqueia o telefone nessas configurações. Como a maioria desses produtos de nicho, esse serviço não é barato, custando US$ 600 (cerca de R$ 3 mil), mas pode atrair consumidores de alto padrão mais do que a opção de abandonar seus smartphones completamente.

Apesar desses novos participantes e do interesse crescente por telefones mais simples, o sucesso ainda é incerto.

A Bullitt, fabricante licenciada do CAT S-22 que comprei, fechou as portas um dia antes de meu telefone chegar. Apesar das notícias, experimentei o hardware por cerca de uma semana.

Ele me permitia fazer chamadas, enviar mensagens de texto e usar alguns aplicativos que eu usava para manter contato com amigos e familiares. Meu uso total da internet caiu para apenas uma hora por dia.

Eu conseguia me concentrar melhor no meu entorno, em livros e em música. Mas senti falta do meu aplicativo de biblioteca.

Então, voltei para o meu Samsung Galaxy A32 bastante desgastado – com uma ressalva. Instalei o Minimalist Phone, um aplicativo que elimina os ícones chamativos de aplicativos e fundos em favor de uma interface em preto e branco.

Mantive o Messenger, WhatsApp e Discord para manter contato, mas quase todos os outros aplicativos não essenciais foram descartados. Não sinto falta deles.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

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