Nos 45 anos da República Islâmica do Irã, com exceção de Ali Khamenei — que foi presidente nos anos 80 e hoje é o líder supremo do país — todos os ex-presidentes tiveram finais de carreira ou de vida controversos.
Nesta semana, foi confirmada a morte em uma queda de helicóptero de Ebrahim Raisi — o oitavo presidente da história do país.
A BBC explica o que aconteceu com seus antecessores ao longo das últimas décadas.
Renúncia em 1979: Mehdi Bazargan
O primeiro chefe de governo (temporário) depois da revolução teve dificuldades para governar desde os primeiros dias de sua gestão e reivindicava mais poderes.
Ele renunciou depois do episódio da tomada da embaixada americana em Teerã.
Dois dias após a sua demissão, Mehdi Bazargan reclamou publicamente sobre precisar de permissão do líder supremo para tudo.
Demissão e fuga em 1981: Abolhassan Banisadr
Em 1979, o aiatolá Ruhollah Khomeini, o primeiro líder supremo da República Islâmica do Irã, defendia que a Presidência fosse dada a Abolhassan Banisadr, um político não-clérigo e de confiança, que havia servido como ministro.
Ele venceu a eleição com mais de 75% dos votos e se tornou o primeiro presidente efetivo do país após a revolução.
Mas ele entrou em rota de colisão com outros políticos revolucionários. A sua forma de gerir os assuntos de guerra contra o Iraque e a sua oposição ao primeiro-ministro imposto do Partido da República Islâmica, Mohammad Ali Rajaei, provocaram o agravamento das diferenças.
Ele defendia o protagonismo do Exército na guerra, enquanto o Partido da República Islâmica queria um papel maior para as Guardas Revolucionárias.
Khomeini confiava tanto em Banisadr que o colocou no comando geral das forças de segurança.
Mas os constantes conflitos entre Banisadr e o Partido da República Islâmica, que detinha a maioria dos assentos no Parlamento, levaram finalmente à sua demissão. Ainda no cargo, ele sobreviveu a dois acidentes de helicóptero.
O primeiro presidente do Irã foi destituído do cargo em junho de 1981 com uma votação decisiva do Parlamento por "inadequação política".
Os seus opositores, incluindo o atual líder supremo, Ali Khamenei, fizeram críticas veementes a ele durante as audiências de impeachment.
Após a sua demissão, Banisadr enfrentou um mandado de prisão sob a acusação de "traição e conspiração contra o regime". Ele fugiu para a França e ficou sob proteção pelo resto da vida.
Atentado em 1981: Mohammad Ali Rajaee
Após a queda de Banisadr, seu sucessor Mohammad Ali Rajaei nem teve tempo de enfrentar desavenças políticas dentro da estrutura de poder.
Segundo presidente do Irã após a revolução, ele chegou ao cargo em 2 de agosto de 1981 e no final do mês foi morto em uma explosão que também matou o primeiro-ministro Mohammad Javad Bahnar.
A Organização Popular Mojahedin foi acusada do atentado, embora não tenha assumido oficialmente a responsabilidade.
Depois de Rajaei, Ali Khamenei tornou-se presidente e ficou no cargo até a morte do aiatolá Khomeini, quando o sucedeu como líder supremo.
Extinção de cargo em 1989: Mirhossein Mousavi
Ao assumir a Presidência, Khamenei queria que o professor de medicina e político conservador Ali Akbar Velayati fosse seu primeiro-ministro, mas o Parlamento não deu voto de confiança a Velayati.
Khamenei precisou aceitar Mirhossein Mousavi, editor do jornal do partido governista, contra a sua vontade.
A relação entre os dois sempre foi tensa, culminando na queda de Mirhossein Mousavi e na revisão da Constituição em 1989, que extinguiu o cargo de primeiro-ministro.
Mousavi retirou-se da política por 20 anos. Mas em 2008, ele desafiou o regime novamente ao se candidatar à Presidência.
O resultado deste confronto levou a protestos do Movimento Verde, que culminaram na prisão de Mousavi em 2009. Ele segue em prisão domiciliar.
Morte suspeita em piscina em 2017: Akbar Hashemi Rafsanjani
Os primeiros quatro anos da Presidência de Akbar Hashemi Rafsanjani — que ocupou o cargo entre 1989 e 1997 — foram tensos. Alguns grupos faziam oposição às suas políticas culturais.
Durante sua gestão, o aiatolá Khamenei chegou a falar abertamente contra a "aristocracia e à política de livre mercado" — críticas que eram dirigidas a Rafsanjani.
Rafsanjani, que já foi considerado a pessoa mais poderosa do regime depois do líder supremo, perdeu para Mahmoud Ahmadinejad no segundo turno das eleições presidenciais de 2004.
Mas o ponto crucial do seu afastamento político ocorreu em 26 de julho de 2008.
Em seu último sermão político na oração da sexta-feira em Teerã, Rafsanjani classificou o resultado eleitoral que levou à eleição de Ahmadinejad de "duvidoso" e apoiou os manifestantes que faziam críticas ao processo.
Em maio de 2013, ele se inscreveu para concorrer nas eleições presidenciais, mas para surpresa de analistas, sua candidatura não foi confirmada. Dois anos depois, em eleições para a Assembleia de Peritos, ele teve uma das votações mais expressivas de Teerã.
Em janeiro de 2017, ele morreu enquanto nadava na piscina. Alguns membros da família consideraram sua morte "suspeita".
Imagem banida na mídia em 2010: Mohammad Khatami
Mohammad Khatami tornou-se presidente do Irã em 1997, com mais de 20 milhões de votos. Mas desde os primeiros meses, os sinais de tensão foram evidentes nas camadas superiores do governo.
Khatami defendia liberalização econômica e reformas, incluindo maior liberdade de expressão.
Ao deixar o governo, ele se alinhou cada vez mais com reformistas e desde 2010 existe uma proibição — que é relaxada ou endurecida dependendo do momento político do Irã — de se publicar fotos de Khatami na mídia iraniana.
Mesmo estando praticamente afastado da atividade política no Irã, ele incentivou que reformistas participassem nas últimas eleições
Impedido de concorrer em 2017: Mahmoud Ahmadinejad
Mahmoud Ahmadinejad tornou-se presidente em junho de 2004. Declarações do aiatolá Khamenei e de outros clérigos próximos a ele indicavam que o establishment havia encontrado a pessoa mais alinhada possível para comandar a Presidência do país. Mas esta união política não durou muito.
Em 2009, um encontro entre Ahmadinejad e Khamenei ficou famoso. O presidente curvou-se para beijar a mão do líder iraniano, que se desviou. Ahmadinejad acabou beijando o ombro de Khamenei. O gesto foi visto como um repúdio do líder supremo.
Ahmadinejad insitiu na nomeação de Esfandiar Rahim Mashaei, um assessor próximo seu, a um cargo no governo. Os clérigos manifestaram publicamente seu repúdio ao nome.
Naquele ano, Ahmadinejad demitiu o ministro da Informação, Haider Moslehi. No entanto o líder supremo restituiu Moslehi no cargo. Em protesto, Ahmadinejad fez uma espécie de boicote a eventos oficiais, que durou 11 dias.
Quando foi anunciado que Ahmadinejad pretendia concorrer novamente à Presidência, em 2017, contra a vontade de Khamenei, o líder supremo disse que a estrutura política deveria ser alterada. Ahmadinejad foi impedido de concorrer nas eleições presidenciais daquele ano.
Impedido de concorrer em 2024: Hassan Rouhani
Hassan Rouhani era uma das figuras políticas mais conhecidas do Irã e foi eleito presidente em 2013.
Ele havia sido um dos principais negociadores do Irã com o Ocidente do programa nuclear iraniano.
Inicialmente ele recebeu apoio de Khamenei. Mas ao longo do governo, o líder supremo ficou insatisfeito com a postura de Khamenei diante das potências ocidentais nas negociações nucleares. Para o líder supremo, Rouhani não estava sendo duro o suficiente nas negociações.
Durante a sua Presidência, foram feitas acusações seus familiares, incluindo o seu irmão Hossein Fereydoun, que estaria cumprindo pena por corrupção.
Ao contrário de Mahmoud Ahmadinejad, Rouhani não fez críticas ao establishment do país. No entanto, mesmo assim, ele foi impedido de concorrer nas eleições para a Assembleia dos Peritos posteriormente.
Morto em queda de helicóptero em 2024: Ebrahim Raisi
O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, morreu em um acidente de helicóptero no domingo (19/5).
A aeronave em que ele estava caiu em uma região montanhosa do noroeste do país em meio à forte neblina.
Ele viajava acompanhado do ministro das Relações Exteriores, Hossein Amir-Abdollahian, e de várias outras pessoas.
A morte de Raisi num acidente de helicóptero no domingo (19/5) bagunçou a crescente especulação sobre quem vai substituir o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo de 85 anos, cuja própria saúde tem sido o foco de intenso interesse durante muito tempo.
Não se espera que o trágico destino do presidente linha-dura do Irã perturbe a direção política do país ou chegue a abalar a República Islâmica.
Mas os acontecimentos das últimas horas vão testar um sistema onde os conservadores de linha dura dominam todos os ramos do poder, segundo a correspondente da BBC Lyse Doucet.