A reunião entre o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, 59 anos, e autoridades locais, em um centro cultural da cidade de Handlová, a 150km da capital, Bratislava, acabou por volta das 14h50 desta quarta-feira (9h50 em Brasília). O chefe de governo atravessou a rua, acompanhado de seguranças, e cumprimentou cidadãos que o aguardavam do outro lado da barreira de segurança. Um homem que vestia uma camisa branca sacou a arma e disparou cinco vezes, à queima-roupa. "Eu estava dentro do centro cultural, e trabalhava na reportagem sobre o evento. Então, escutei os tiros. Imaginei que fossem pratos caindo, pois os funcionários tiravam a refeição do local", contou ao Correio, por telefone, Juraj Búry, 33 anos, repórter do diário Hospodarske Noviny.
Fico foi colocado em um carro e levado do local do atentado, antes de ser transportado de helicóptero até Banská Bystrica, a 29km de Handlová e a 212km de Bratislava. Ele teria sido ferido no abdome e na perna. Depois de horas de cirurgia, o quadro clínico do premiê teria se estabilizado, depois de ser considerado "extremamente grave", segundo o vice-primeiro-ministro Tomás Tarabo. "Uma bala atravessou o estômago e outra atingiu a articulação", relatou à emissora britânica BBC, ao afirmar que Fico deve sobreviver. O ministro da Defesa, Robert Kalinak, classificou o ataque como "político".
Búry percebeu que algo sério tinha ocorrido ao escutar os gritos vindos da rua. Foi quando decidiu deixar o prédio. "Vi policiais contendo o atirador e simpatizantes de Fico gritando. Membros da Guarda Nacional tentavam acalmar os ânimos e limpar a área. Fico estava dentro de sua limusine, que saiu às pressas para o hospital. Tudo ocorreu de forma muito rápida", relatou à reportagem. O atirador, identificado pela mídia eslovaca como o escritor e poeta Juraj Cintula, 71, teria gritado "Robo, venha aqui!", antes de cometer o ataque. Ele foi imediatamente jogado ao chão, imobilizado e preso. Integrante do grupo Escritores Eslovacos de Levice, a 77km ao sul de Handlová, e da Associação de Escritores Eslovacos, Cintula trabalhou como segurança particular e possuía uma arma legalmente. "Não tenho ideia do que meu pai estava pensando, o que ele estava planejando ou por quê", disse o filho do suspeito ao site de notícias eslovaco aktuality.sk.
Sem precedentes
O atentado contra Fico provocou uma onda de comoção na Eslováquia e em todo o Ocidente. Líderes das principais potências imediatamente condenaram a tentativa de magnicídio. Por e-mail, Lubo Blaha, vice-presidente do Parlamento eslovaco e vice-líder do populista Smer-SD, partido do premiê, disse não existir precedente de tamanha violência política no país.
"Somos uma nação muito pacífica, estamos chocados. Na história europeia, apenas Olof Palme, primeiro-ministro da Suécia, tinha sido baleado nos últimos 50 anos. Isso ocorreu em 1986. Agora, o premiê anti-guerra e social-democrata foi alvo de um atentado em nossa pátria", lamentou ao Correio. "É resultado de políticas divisivas dos neoliberais e progressistas. São fanáticos, não toleram opiniões diferentes", acrescentou Blaha.
O ministro do Interior, Matus Sutak-Estok, disse que acompanhou a cirurgia de Fico e fez um pedido de pacificação na Eslováquia. "Por favor, não façamos do ódio a resposta para o ódio. Isso é um apelo a todos os políticos. Peço isso a toda a sociedade: vamos nos acalmar. Não comecemos a matar uns aos outros porque não podemos respeitar a opinião alheia", desabafou. Ele confirmou que o atirador agiu por "motivação política" e teria planejado o ataque depois da eleição presidencial. "O que aconteceu hoje (15/5) é um estigma que nos perseguirá por muitos anos", advertiu. "Hoje é o momento mais triste dos 31 anos de história da Eslováquia… Um ataque ao primeiro-ministro é um ataque à democracia. É um ataque ao próprio Estado." Peter Pellegrini, presidente eslovaco eleito em 6 de abril e aliado político de Fico, adotou retórica parecida ao comentar o incidente: "Uma tentativa de assassinato contra um dos mais altos detentores de cargos constitucionais é uma ameaça sem precedentes à democracia eslovaca".
Milan Nic — pesquisador do Centro para a Ordem e Governança na Europa Oriental, Rússia e Ásia Central do Conselho Alemão de Relações Exteriores — reconheceu que Fico explorava o ódio político. "O premiê é um socialista e nacionalista radicalizado, um político populista muito hábil, que começou como um jovem comunista que admirava Luiz Inácio Lula da Silva. Foi uma tentativa de assassinato contra o primeiro-ministro eleito do país. É um ataque às instituições democráticas", declarou à reportagem. "É bom que os líderes de ambos campos políticos da Eslováquia apelem pela calma."
PERSONAGEM DA NOTÍCIA
O populista que encarna a polarização
O primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, é um antigo militante comunista que foi acusado de inclinar a política de seu país a favor do Kremlin. Aos 59 anos, venceu as eleições gerais de setembro na liderança do partido populista Smer-SD. Ocupou o cargo de chefe de governo por quatro mandatos, marcados por escândalos de corrupção e reformas criticadas. Desde que voltou ao poder, em outubro, tem provocado críticas, ao afirmar que a Ucrânia deve ceder territórios à Rússia para encerrar a guerra, algo descartado por Kiev. A Eslováquia, membro da União Europeia e da Otan, foi um dos países europeus que mais ajudou a Ucrânia desde o início da invasão russa, em fevereiro de 2022, em proporção ao seu PIB.
Fico decidiu interromper o fornecimento de ajuda militar, cumprindo a promessa de campanha que o levou ao poder na liderança de uma coalizão com partidos de extrema direita. No passado, ele comemorou a adoção do euro na Eslováquia como uma "decisão histórica". Durante a última campanha, criticou a União Europeia (UE), a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a Ucrânia na tentativa de atrair os eleitores dos extremos e rotulou seus rivais de "belicistas".
Advogado, Fico iniciou a carreira política no Partido Comunista, antes da Revolução de Veludo na extinta Tchecoslováquia. Após a dissolução e a chegada do capitalismo e da democracia, estreou como representante da Eslováquia no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em Estrasburgo, entre 1994 e 2000. Em 1999, fundou o partido social-democrata Smer-SD.
Sua aposta deu certo e, em 2006, o Smer-SD conquistou uma vitória esmagadora que o levou ao cargo de primeiro-ministro, dois anos após o país entrar na União Europeia. Fico se aliou ao partido de extrema direita SNS, com quem compartilha uma retórica contra os refugiados e inclinações populistas. Obteve uma contundente vitória nas eleições antecipadas de 2012, após a queda de uma coalizão de centro-direita por acusações de corrupção.
Nas eleições de 2020, uma coalizão anticorrupção chegou ao poder. Fico permaneceu nos bastidores, mantendo seu assento.
DUAS PERGUNTAS PARA...
LUBOS BLAHA, VICE-PRESIDENTE DO PARLAMENTO DA ESLOVÁQUIA
O senhor acredita que o atentado contra o premiê Robert Fico tenha sido motivado pelas opiniões políticas dele?
Sim, foi um ato político, pois o senhor Fico é um patriota e um socialista, que recusa a guerra contra a Rússia. Os neoliberais e os progressistas na mídia, as ONGs e a oposição política disseminaram o ódio contra ele há anos. Esse é o resultado.
Em que parte do espectro político está o atual primeiro-ministro?
Em termos culturais, ele é muito parecido com o premiê húngaro, Viktor Orbán — tradicional e antiliberal, defensor do senso comum. Mas, em termos econômicos e sociais, é de extrema esquerda — apoiador de um Estado forte na economia e defensor dos pobres. Nós chamamos isso de Esquerda Patriotica. Muito pacífica e patriota. Totalmente diferente da esquerda progressista ocidental ou americana. (RC)
CONDENAÇÃO GLOBAL
Alemanha
O chanceler Olaf Scholz mostrou-se "profundamente consternado" com o "ataque covarde". "A violência não deve existir na política europeia", comentou.
Brasil
O Ministério das Relações Exteriores divulgou nota na qual afirma que o governo brasileiro tomou conhecimento, com consternação, do atentado. "Ao reiterar seu firme repúdio a qualquer ato de violência política, o Brasil faz votos pela pronta recuperação do primeiro-ministro Fico e manifesta sua solidariedade ao povo e ao governo da Eslováquia."
Estados Unidos
O presidente Joe Biden se disse "alarmado" com a notícia. "Jill (primeira-dama) e eu oramos por uma rápida recuperação. Nossos pensamentos estão com a família dele e com o povo da Eslováquia. Nós condenamos esse ato de violência horrível", afirmou.
França
Em francês e em eslovaco, o presidente Emmanuel Macron reagiu dizendo-se "chocado". "Condeno veementemente esse ataque. Os meus pensamentos e minha solidariedade vão para ele (Fico), para sua família e para o povo eslovaco", declarou.
Hungria
O premiê Viktor Orbán, aliado de Fico, se disse "profundamente chocado" com o "ataque hediondo" contra o "amigo". "Oramos por sua saúde e sua rápida recuperação."
Rússia
Vladimir Putin classificou o crime como "monstruoso". "Não pode haver justificativa."