RIO GRANDE DO SUL

Casal enfrenta água gelada até o peito para ver o que sobrou de casa inundada

Autoridades têm alertado para que moradores não voltem para suas casas em locais afetados, diante do risco que isso ainda representa.

Caminhando abraçado, o casal Rosana Patricia Figueiredo dos Santos e Nelson da Silva Borges é atingido constantemente pelas ondas formadas pela passagem de motos aquáticas e barcos pelas ruas alagadas na cidade de Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul.

A água barrenta acerta o peito deles com força e respinga no rosto.

Sem proteção, eles caminham com roupas comuns com a incerteza de onde vão pisar e o que vão encontrar nos canais formados nas ruas durante a maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul.

A reportagem da BBC News Brasil os encontrou enquanto navegava pelas ruas do município para acompanhar uma operação do Corpo de Bombeiros que tentava convencer moradores ilhados a irem para um local mais seguro.

No trajeto de duas horas com a corporação, foi possível observar panelas, eletrodomésticos, calçados e até mesmo animais mortos boiando na água turva.

O casal, que caminhava dentro da água em um momento em que os termômetros marcavam 15ºC, está abrigado na casa da filha na cidade de Cerro Grande do Sul, a cerca de 100 km de Eldorado do Sul.

Eles resolveram fazer uma viagem que dura cerca de uma hora para saber como a casa deles ficou após as enchentes. E a decepção com a situação que encontraram estava estampada no rosto do casal.

"A gente veio verificar como está a casa, porque a gente recebeu a informação de que a água havia baixado um pouco. Viemos aqui para ver o que dava para tirar: os carros ou alguma coisa. Chegamos aqui, mas infelizmente não dá", diz Rosana à BBC News Brasil.

O casal não conseguiu saber a situação detalhada da casa onde viviam, pois a água atingiu o teto e impediu que entrassem.

A casa hoje alagada abrigava Rosana, o marido, o filho e a mãe dela.

A cidade de Eldorado do Sul foi proporcionalmente a mais afetada pelas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul. Segundo o governo, 100% da área urbana da cidade ficou alagada. Apenas a rodovia que corta o município não ficou inundada.

As autoridades têm alertado para que moradores não voltem para suas casas em locais afetados, diante do risco que isso ainda representa.

O Rio Grande do Sul tem 449 municípios afetados, com 538 mil pessoas desalojadas, segundo dados desta quarta-feira (15/5).

No caminho feito pela reportagem na segunda-feira (13/5), havia um rastro de destruição, além de um cheiro forte de lixo e de material orgânico em decomposição.

Onde antes havia uma cidade que se orgulhava de ser banhada pelo rio Jacuí e pelo lago Guaíba, agora há veículos completamente embaixo d’água, animais mortos e casas abandonadas com móveis boiando.

Nos comércios, havia portas que exibem sinais de arrombamentos, sugestão de que sofreram saques.

Nível da água ainda alto

Fernando Otto/BBC
Com o comércio da família destruída, Rosana diz que será difícil, mas casal reconstruirá vida na cidade novamente

Rosana imaginava que, duas semanas após o início da tragédia, encontraria a água em um nível mais baixo.

No entanto, as chuvas nas cabeceiras dos rios que desaguam no lago Guaíba fizeram o alagamento aumentar nos últimos dias em Eldorado do Sul.

"Chegamos aqui hoje e estava alta (a água). E a casa está alagada. Perdemos tudo novamente. A sensação é de desespero e tristeza. Vai ser difícil reconstruir porque já é a terceira (enchente) seguida", diz Rosana, enquanto treme de frio.

Além desta tragédia histórica, a região registrou alagamentos significativos em setembro e novembro de 2023.

Fernando Otto/BBC
Rio Grande do Sul vive a maior tragédia climática de sua história

As enchentes não afetaram apenas a casa de Rosana e Nelson.

As chuvas também inundaram a loja de móveis da família de Rosana, que garantia a renda deles.

"Quando a gente trabalha (com carteira assinada), tudo bem. Mas quando você tem comércio fica mais complicado. Como é que tu vai recomeçar?", questiona ela, que nasceu em Natal (RN) e vive há 26 anos em Eldorado do Sul.

Mesmo sem previsão de retorno à sua casa em Eldorado do Sul e num momento em que o nível das águas ainda subia, Rosana planeja voltar a viver no bairro com a família.

Fernando Otto/BBC
Ponto de ônibus alagado: a água ainda não abaixou em muitos locais de Eldorado do Sul

Hoje ela diz que não sabe como isso será feito, mas já fala em começar tudo de novo.

"É complicado, é força. Só. A gente não tem outra palavra. É olhar as paredes da casa, ver se põe em pé e tentar recomeçar quando voltar", diz ela, com confiança, enquanto se despede e caminha para sair, com o marido, da água gelada.

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