Um polêmico projeto de lei sobre "influência estrangeira" e que atinge, principalmente, organizações não governamentais financiadas pelo exterior deverá ser aprovado nesta terça-feira (14) na Geórgia, apesar de a sociedade civil organizar um massivo protesto na ex-república soviética.
O primeiro-ministro Irakli Kobakhidze assegurou que o texto será avalizado pelo Parlamento e advertiu que as forças de segurança prenderão todos aqueles manifestantes que bloquearem o prédio do governo. Os opositores ao projeto de lei insistem que o texto se inspira em uma legislação russa criada para amordarçar os adversários políticos.
"O Parlamento agirá de acordo com a vontade da maioria da população e aprovará a lei em terceira leitura", declarou Kobakhidze em um discurso televisionado. "Ninguém fora da Geórgia pode nos impedir de proteger nossos interesses nacionais." Existe o receio de que a lei sirva de pretexto para legislações sobre "imigração controlada" ou sobre os direitos das pessoas LGBTQIA em um país muito conservador.
Ex-embaixadora da Geórgia na União Europeia e pesquisadora do instituto Chatham House, em Londres, Natalie Sabanadze admitiu que a lei é controversa por se assemelhar à legislação adotada em 2012 pela Rússia, a qual alvejou a sociedade civil e a imprensa. "Todas as instituições que recebem 20% de financiamento do exterior serão atingidas pela medida. A Geórgia possui uma sociedade civil muito vibrante, graças ao apoio do Ocidente e ao dinheiro enviado pela União Europeia (UE), pelos Estados Unidos e por agências humanitárias internacionais", explicou ao Correio. "Agora, assim como na Rússia, essas organizações serão consideradas como de influência estrangeira."
Obstáculo
Sob o ponto de vista legal, Sabanadze afirmou que o principal entrave da lei está no fato de ela igualar automaticamente o recebimento de dinheiro do exterior ao exercício do papel de agente estrangeiro. "Isso vai contra as leis europeias e o direito internacional, particularmente o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. "A nova legislação é discriminatória contra as organizações não governamentais e mancha a reputação delas, ao sustentar que atuam como agentes externos. Também lhes impõe multas desproporcionais e se aproxima da lei russa, que mata a sociedade civil e as liberdades de expressão e de associação", disse. De acordo com ela, a lei vai contra as aspirações da Geórgia de se associar à União Europeia.
Sabanadze acredita que, apesar da oposição da vasta maioria dos 4,9 milhões de georgianos, a lei será aprovada pelo Parlamento, hoje. "O governo está determinado, assim como os manifestantes demonstram determinação. Há um conflito de vontades. Será difícil ver o modo com que as coisas se desdobrarão. Esperamos que os protestos permaneçam pacíficos, mas esse é um momento perigoso, que pode escalar", comentou. Ela duvida que o governo desista da legislação pela segunda vez — no ano passado, as autoridades chegaram a suspender os trâmites.
Wojciech Wojtasiewicz, especialista em países do sul do Cáucaso no Instituto Polonês de Assuntos Internacionais (em Varsóvia), comentou que o partido governista Dream propôs a lei, pela primeira vez, em 2023. "Ante as imensas manifestações, que se arrastaram por dias, e as críticas do Ocidente e da União Europeia, o Dream renunciou e prometeu não retomar a lei. Infelizmente, voltou ao poder e clamou que o objetivo da lei é aumentar a transparência das finanças das ONGs e das mídias", explicou ao Correio. Ele classifica o texto como "inútil", porque outras leis regulam as atividades das ONGs e da imprensa, obrigando-as a apresentar relatórios e a pagar taxas.
Wojtasiewicz concorda que a lei interromperá o processo de integração da Geórgia à UE. "As autoridades de Bruxelas sublinharam que a lei contradiz valores europeus; por isso, Tbilisi não começaria as negociações para a adesão à UE no fim do ano." O especialista acusa o Dream de jogo cínico, ao sustentar que a entrada no bloco destruiria os valores conservadores georgianos.
EU ACHO...
"As pessoas estão protestando contra a Geórgia se tornar uma autocracia ao estilo da Rússia e defendendo as chances de o país se tornar membro da União Europeia. Nós travamos uma guerra contra a Rússia, em 2008. Desde a restauração da nossa independência, a Geórgia tem estado sob pressão de Moscou, que tenta impedi-la de se unir à União Europeia e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Essas são decisões tomadas pelo próprio povo georgiano, não foram impostas de fora."
Natalie Sabanadze, ex-embaixadora da Geórgia na União Europeia e pesquisadora do instituto Chatham House, em Londres