Rio Grande do Sul

'Refugiados da chuva' enfrentam inundações também no litoral gaúcho

Ao chegar ao litoral, muitos encontram chuva torrencial, bairros alagados e escassez de combustível — quadro semelhante ou pior do que o deixado para trás.

Quando o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), recomendou no domingo (5/5) à população de Porto Alegre que fosse para o litoral a fim de escapar ao colapso do abastecimento de luz e água na capital em razão da mais grave enchente da história, omitiu um detalhe decisivo.

Ao chegar ao litoral, vencendo horas de congestionamento em estradas, muitos "refugiados" da catástrofe encontram chuva torrencial, bairros alagados e escassez de gasolina e gêneros – quadro semelhante ou pior do que o deixado para trás.

Dos 23 municípios da faixa litorânea de cerca de 300 km entre Palmares do Sul e Torres, conhecido como litoral norte, apenas seis (Arroio do Sal, Imbé, Osório, Terra de Areia, Tramandaí e Três Cachoeiras) não foram afetados pela incomum conjuntura climática que se abateu sobre o Estado do Rio Grande do Sul, segundo o governo gaúcho. Em alguns casos, as causas da emergência não são nem chuva torrencial nem extravasamento de lagos e lagoas.

Em Palmares do Sul, a 96 km de Porto Alegre, 400 moradores do bairro Agreste tiveram de ser evacuados em razão do represamento do rio Palmares pelo vento que sopra do quadrante sul.

O transbordamento, na quinta-feira (9/5), obrigou a prefeitura a desencadear uma ação de emergência da qual participaram Defesa Civil, bombeiros, voluntários e até mesmo pescadores do município vizinho de Imbé.

"O vento sul traz a água da Lagoa dos Patos para cima do rio. Como está tudo alagado, quaisquer 30 milímetros de chuva inundam as estradas", diz o prefeito Mauricio Muniz (MDB), de 50 anos, à BBC News Brasil.

Dos três abrigos preparados pela prefeitura, dois estão ocupados. Além de teto e cama, 150 atingidos recebem quatro refeições por dia.

Embora esta seja a pior enchente enfrentada pelo município de 13 mil habitantes "desde 1941", conforme o prefeito, não haverá cenas de casas cobertas pela água como em outras localidades.

"Como o terreno é plano, conseguimos tirar as pessoas. Chegamos a tirar os móveis das residências e acomodá-los em um depósito", explica Muniz.

A zona litorânea é destino tradicional dos gaúchos de todos os extratos sociais durante o verão. Milhões mantêm residências de veraneio nos balneários mais tradicionais, de Quintão, em Palmares do Sul, a Torres. Desta vez, porém, o êxodo foi involuntário e caótico.

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Três vias escoam o grosso do trânsito em direção ao Litoral Norte. A maior delas, a BR-290 ou Freeway, com quatro faixas entre Porto Alegre e Gravataí e três mais acostamento opcional entre Gravataí e Osório, foi bloqueada em vários trechos dentro e fora do perímetro da capital.

Para chegar ou sair de Porto Alegre, o acesso à Freeway tornou-se possível apenas a partir de duas estradas estaduais entre os municípios de Alvorada e Cachoeirinha. Por ser o trajeto preferencial de transporte de carga, esse trecho sofre congestionamento constante desde o início de maio.

A BR-453, ou Rota do Sol, que liga a Serra gaúcha ao Litoral, também foi danificada a ponto de impedir o tráfego. A única que permaneceu incólume foi a BR-101, de São José do Norte a Torres.

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'Não querem voltar'

Na terça-feira, havia filas em mercados e padarias do centro de Torres. Motoristas eram vistos em postos de gasolina com galões de combustível em punho depois de uma jornada com veículos no limiar da pane seca.

No sábado (11/5), havia pelo menos cinco abrigos organizados por voluntários aptos a receber desalojados, além de uma escola municipal disponibilizada pela administração local. Desse total, três foram organizados pela igreja evangélica Jesus’s House.

O pastor Jhony Teixeira, 30 anos, ex-fiel da Assembleia de Deus que fundou a Jesus’s House há seis anos na garagem de sua casa, é o responsável por receber os necessitados e organizar o trabalho de voluntários e doadores.

Na quinta-feira (9/5), Teixeira divulgou em suas redes o pedido de doação de uma geladeira. Horas mais tarde, o aparelho doado chegou ao templo a bordo de uma caminhonete. Dois dias depois, o foco era mobiliar os dois abrigos recém-abertos.

"As pessoas que estão aqui vieram da Ilha da Pintada (em Porto Alegre). Chegaram aqui por meio de um movimento nosso de buscá-las na beira da estrada", diz.

A Jesus’s House não necessita mais de donativos, afirma o pastor. O projeto de Teixeira é ajudar os acolhidos a fixar residência em Torres e encontrar trabalho. "Eles não querem voltar para lá (Porto Alegre)", relata.

Para muitos habitantes do litoral, a maior angústia é a falta de notícias dos parentes. Radicada em Torres há 50 anos, a aposentada Marli Farias, natural de São Leopoldo, busca notícias do paradeiro da família. "Dois (parentes) faleceram durante o trabalho voluntário de socorro às vítimas", afirma.

Ao longo dos anos, Marli acostumou-se a ouvir críticas dos familiares por ter escolhido viver no litoral. "Diziam: 'Tu não progrediu aqui, volta para lá (São Leopoldo)'. De fato, sou pobre, mas criei 12 filhos. Se estivesse lá agora, o que teria sido de mim?", pergunta, sem conter a emoção.

Em Imbé, o êxodo serviu de pretexto para uma tentativa de obtenção de benesses administrativas injustificadas.

Diante da chegada de um contingente estimado em 5 mil pessoas, o prefeito Luis Henrique Vedovato (MDB) decretou calamidade pública na quarta-feira (8/5) no município, véspera do aniversário da cidade, comemorado com dois dias de ponto facultativo no serviço público municipal. Alvo de múltiplas críticas, a medida foi revogada no dia seguinte (9/5).

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