Guerras

Ucrânia contra Rússia, o conflito deixado em segundo plano pelo Ocidente

Combates se intensificam na região de Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia. Tropas da Rússia capturam vários vilarejos e forçam fuga de pelo menos 4 mil civis. Presidente Vladimir Putin surpreende e remove ministro da Defesa

Quando invadiu a Ucrânia, em 22 de fevereiro de 2022, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, imaginava que em uma ou duas semanas derrubaria o governo de Volodymyr Zelensky. Depois de 809 dias de guerra, os combates se intensificaram na região de Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana, e forçaram a fuga de milhares de civis. "Os confrontos defensivos e combates ferozes continuam em grande parte de nossda fronteira", disse Zelensky, ao explicar que algumas localidades "passaram de uma 'zona cinzenta' a uma zona de combate". Nas redes sociais, o governador de Kharkiv, Oleg Sinegubov, reconheceu que a situação é "difícil". "Todas as áreas da fronteira norte estão sob fogo inimigo, quase 24 horas por dia." Em meio à guerra, ofuscada na mídia pela campanha militar israelense na Faixa de Gaza, as agências de notícias estatais russas anunciaram que Putin destituiu o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e nomeou o economista Andrei Belousov para substituí-lo. 

Por telefone, Dmytro Kutovyi, 53 anos, morador de Kharkiv, desabafou ao Correio: "Ainda estamos vivos". Desde sexta-feira (10/5), ele se somou aos esforços de retirada da população do distrito de Vovchansk. "Também ajudamos cerca de 40 jornalistas, de 15 países, a trabalharem na cobertura dessa evacuação. Nós temos sido alvos de bombardeios. Há dez minutos, escutamos duas explosões. Eles (russos) tentam atacar, diariamente, muitos vilarejos e cidades pequenas, no entorno de Kharkiv. Também buscam fazer incursões na fronteira, dentro de nosso território. Creio que desejam transformar a nossa fronteira em uma linha de frente", comentou. Nos últimos quatro dias, Dmytro ajudou na remoção de quase 2 mil pessoas de Vovchansk.

Em Vovchansk, ele testemunhou disparos feitos por tanques russos e ataqes com bombas teleguiadas. "Grupos pequenos de combatentes têm penetrado alguns locais da cidade, desde o sábado (11). Nossos soldados conseguiram repelir esses esforços", explicou. Ele não descarta que as tropas de Vladimir Putin planejem uma grande ofensiva em Kharkiv. "É uma guerra tática, neste momento. Eles procuraram fazer uma operação ofensiva em Donbass (leste) e, agora, buscam repetir a estratégia em Kharkiv, mas acho que isso será impossível", disse. Dmytro relatou que não há pânico na cidade ou em quase todos os distritos de Kharkiv, à exceção das localidades situadas na fronteira. Dmytro acredita que a situação está sob controle e afirma confiar nas forças ucranianas. "Temos soldados suficientes e aguardamos o auxílio da União Europeia, que prometeu armamentos. Os russos não entendem que estamos em pausa, à espera da decisão dos EUA e dos europeus de nos ajudarem."

Professor de política compartiva da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, Olexiy Haran avalia que os combates em Kharkiv indicam que a Rússia não deterá a sua ofensiva na Ucrânia. "Kharkiv está a apenas 40km da fronteira com a Rússia. Apesar de ser uma cidade russófona, a maioria dos moradores resiste à ofensiva de Moscou. Putin gostaria de retomar vilarejos e cidades situados ao longo da fronteira", disse ao Correio. Ele defende que a comunidade internacional exerça uma pressão maior sobre a Rússia para que se retire da Ucrânia. Haran admitiu que os russos tiveram sucessos táticos na região de Kharkiv. "Uma das razões pelas quais a Rússia lançou essa ofensiva em uma nova direção é que ela gostaria de forçar a retirada ucraniana do leste."

De acordo com Anton Suslov, especialista da Escola de Análise Política (em Kiev), a Rússia ocupou vários vilarejos na chamada "zona cinzenta" — a área que não era controlada por nenhuma das tropas perto da fronteira russo-ucraniana. "Como a liderança militar ucraniana estava ciente dos planos dos russos, a ofensiva das tropas de Moscou terá apenas consequências táticas. Devemos compreender que o combate às ações russas necessita de recursos humanos e de armas adicionais, além da ativação de outras áreas da linha de frente, o que torna a situação mais turbulenta", afirmou à reportagem. 

Mudanças

Alexander Nemenov/AFP - Sergei Shoigu ocupava o Ministério da Defesa desde 2012: novo cargo no Conselho de Segurança

Serguei Shoigu, ministro da Defesa destituído por Putin, passará a ocupar o posto de secretário do Conselho de Segurança. Shoigu substitui Nikolai Patrushev, aliado de longa data de Putin, como parte de uma importante remodelação da cúpula militar russa, após mais de dois anos de ofensiva na Ucrânia. "Ele continuará trabalhando nesse setor, (...) que conhece muito bem por dentro, com seus colegas e parceiros de seu antigo lugar de trabalho", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. A Constituição russa obriga o presidente a nomear novo grupo de ministros, ou renomear os designados, após a vitória nas eleições.

Shoigu era ministro da Defesa desde 2012, e apesar das dificuldades enfrentadas pela Rússia na Ucrânia, sempre contava com o apoio do Kremlibn, mesmo depois que o ex-chefe do grupo paramilitar Wagner, Yevgeny Prigozhin, lançou uma rebelião no ano passado pedindo sua destituição.

O mundo ignora o massacre de palestinos na Faixa de Gaza

A principal foto que ilustra essa reportagem tem se tornado uma cena cada vez mais rotineira nos hospitais colapsados da Faixa de Gaza. Depois de 219 dias de guerra, o número de mortos nos bombardeios de Israel chegou, neste domingo (12/5), a 35 mil. É como se 159 palestinos morressem todos os dias — seis a cada hora. Do total de vítimas da campanha militar lançada pelo Exército judeu contra o movimento extremista islâmico Hamas, 14 mil são crianças.

Ante o fracasso em interromper os combates e a inação da comunidade internacional, o secretário-geral da ONU, António Guterres, tornou a fazer um apelo por um cessar-fogo "imediato" na Faixa de Gaza. "Reitero o meu apelo, o apelo de todo o mundo para um cessar-fogo humanitário imediato, para a libertação incondicional de todos os reféns e para um aumento imediato da ajuda humanitária. Mas um cessar-fogo será somente o começo. Haverá um longo caminho para se recuperar da devastação e do trauma desta guerra", declarou o diplomata português.

AFP - Palestina chora sobre o corpo do filho morto, após bombardeio a um campo de refugiados em Deir Al Balah, no centro de Gaza

Enquanto prepara o caminho para uma incursão terrestre em Rafah, na fronteira com o Egito, Israel voltou a bombardear o norte da Faixa de Gaza, em áreas onde supostamente o Hamas teria sido derrotado pelas tropas do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A guerra contra o grupo extremista palestino tem causado ranhuras na relação entre Israael e Estados Unidos. Depois de o presidente Joe Biden ameaçar a suspensão do fornecimento de armas aos israelenses, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, advertiu que uma grande ofensiva em Rafah provocaria "caos" e "anarquia", mas não eliminaria o Hamas.

"O plano de Israel em Rafah corre o risco de causar enormes danos à população civil, sem resolver o problema. Continuará a haver milhares de membros armados do Hamas", advertiu o chefe da diplomacia de Washington. "Vimos o Hamas voltar às áreas que Israel libertou no norte, inclusive, em Khan Yunis", acrescentou, ao citar a cidade situada a 9km de Rafah, e ponto de convergência de refugiados. 

Sofrimento

Em Rafah, a palestina Walaa Najeh Hassan, 30 anos, quase ficou viúva. Em 1º de dezembro passado, um bombardeio israelense destruiu sua casa. "O meu marido, Ahmed Ibrahim, 34 anos, perdeu as duas pernas no ataque aéreo. É muito difícil aceitar a situação em que ele se encontra. Meu sofrimento se torna ainda maior porque os bombardeios danificaram todos os hospitais. E o único hospital especializado em próteses está desativado. Você pode imaginar? Meu filho, Yousef, de apenas sete anos, cuida do pai", desabafou ao Correio. "Todos nós tememos a morte, mas Alá nos salva. Aqui em Rafah, a maioria das pessoas partiu. A guerra continua, e a situação é horrível." Walaa também pensa em fugir, mas não sabe para onde. "Muitos foram para Deir Al Balah (centro de Gaza). Ainda não encontramos abrigo. Além disso, tudo é muito caro." 

Arquivo pessoal - O engenheiro Ahmed Ibrahim, marido de Walaa, perdeu as duas pernas em um bombardeio

Também em Rafah, a ativista comunitária Reham Al-Qeeq, 40, resiste ao medo sob uma tenda, a 1km do Mar Mediterrâneo, acompanhada do marido e dos quatro filhos. Refugiados várias vezes dentro da Faixa de Gaza, esperam o momento de fugir novamente, assim que as forças israelenses invadirem a área central de Rafah. Ela critica a postura da comunidade internacional ante o avanço do massacre. "Muitas vezes, países que têm influência sobre as decisões apoiam a ocupação, especialmente porque Israel é uma criação do Ocidente. Existem diferentes padrões duplos quando se trata de direitos humanos", ironiza, em entrevista ao Correio, por meio do WhatsApp. "Esses governos não tomaram nenhuma decisão séria para impedir o massacre dentro da Faixa de Gaza." (RC)

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Alexander Nemenov/AFP - Sergei Shoigu comandava o Ministério da Defesa desde 2012: novo cargo no Conselho de Segurança
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Arquivo pessoal - O engenheiro Ahmed Ibrahim, marido de Walaa, perdeu as duas pernas em ataque aéreo

...e o massacre ignorado em Gaza

A principal foto que ilustra essa reportagem tem se tornado uma cena cada vez mais rotineira nos hospitais colapsados da Faixa de Gaza. Depois de 219 dias de guerra, o número de mortos nos bombardeios de Israel chegou, ontem, a 35 mil. É como se 159 palestinos morressem todos os dias — seis a cada hora. Do total de vítimas da campanha militar lançada pelo Exército judeu contra o movimento extremista islâmico Hamas, 14 mil são crianças.

Ante o fracasso em interromper os combates e a inação da comunidade internacional, o secretário-geral da ONU, António Guterres, tornou a fazer um apelo por um cessar-fogo "imediato" na Faixa de Gaza. "Reitero o meu apelo, o apelo de todo o mundo para um cessar-fogo humanitário imediato, para a libertação incondicional de todos os reféns e para um aumento imediato da ajuda humanitária. Mas um cessar-fogo será somente o começo. Haverá um longo caminho para se recuperar da devastação e do trauma desta guerra", declarou o diplomata português.

Enquanto prepara o caminho para uma incursão terrestre em Rafah, na fronteira com o Egito, Israel voltou a bombardear o norte da Faixa de Gaza, em áreas onde supostamente o Hamas teria sido derrotado pelas tropas do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A guerra contra o grupo extremista palestino tem causado ranhuras na relação entre Israael e Estados Unidos. Depois de o presidente Joe Biden ameaçar a suspensão do fornecimento de armas aos israelenses, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, advertiu que uma grande ofensiva em Rafah provocaria "caos" e "anarquia", mas não eliminaria o Hamas.

"O plano de Israel em Rafah corre o risco de causar enormes danos à população civil, sem resolver o problema. Continuará a haver milhares de membros armados do Hamas", advertiu o chefe da diplomacia de Washington. "Vimos o Hamas voltar às áreas que Israel libertou no norte, inclusive em Khan Yunis", acrescentou, ao citar a cidade situada a 9km de Rafah, e ponto de convergência de refugiados. 

Sofrimento

Em Rafah, a palestina Walaa Najeh Hassan, 30 anos, quase ficou viúva. Em 1º de dezembro passado, um bombardeio israelense destruiu sua casa. "O meu marido, Ahmed Ibrahim, 34 anos, perdeu as duas pernas no ataque aéreo. É muito difícil aceitar a situação em que ele se encontra. Meu sofrimento se torna ainda maior porque os bombardeios danificaram todos os hospitais. E a único hospital especializado em próteses está desativado. Você pode imaginar? Meu filho, Yousef, de apenas sete anos, cuida do pai", desabafou ao Correio. "Todos nós tememos a morte, mas Alá nos salva. Aqui em Rafah, a maioria das pessoas partiu. A guerra continua, e a situação é horrível." Walaa também pensa em fugir, mas não sabe para onde. "Muitos foram para Deir Al Balah (centro de Gaza). Ainda não encontramos abrigo. Além disso, tudo é muito caro." 

Também em Rafah, a ativista comunitária Reham Al-Qeeq, 40, resiste ao medo sob uma tenda, a 1km do Mar Mediterrâneo, acompanhada do marido e dos quatro filhos. Refugiados várias vezes dentro da Faixa de Gaza, esperam o momento de fugir novamente, assim que as forças israelenses invadirem a área central de Rafah. Ela critica a postura da comunidade internacional ante o avanço do massacre. "Muitas vezes, países que têm influência sobre as decisões apoiam a ocupação, especialmente porque Israel é uma criação do Ocidente. Existem diferentes padrões duplos quando se trata de direitos humanos", ironiza, em entrevista ao Correio, por meio do WhatsApp. "Esses governos não tomaram nenhuma decisão séria para impedir o massacre dentro da Faixa de Gaza." (RC)