Estados Unidos

EUA: Corte de Manhattan condena Trump por todas as 34 acusações

Donald Trump é o primeiro ex-presidente da história do país a ser condenado em um julgamento criminal. Júri decidiu que magnata republicano falsificou documentos para ocultar suborno à ex-atriz pornô Stormy Daniels

Abatido, Donald Trump deixa a Corte Criminal em Nova York -  (crédito: Justin Lane/AFP)
Abatido, Donald Trump deixa a Corte Criminal em Nova York - (crédito: Justin Lane/AFP)

Donald Trump, o 45º presidente dos Estados Unidos, tornou-se, nesta quinta-feira (30/5), o primeiro ex-inquilino da Casa Branca a ser condenado pela Justiça. Depois de deliberarem por 28 horas, fechados em uma sala da Corte Criminal de Manhattan (em Nova York), os 12 jurados — sete homens e cinco mulheres — consideraram o magnata culpado em todas as 34 acusações ligadas ao acobertamento de pagamentos à ex-atriz pornô Stormy Daniels.

A condenação unânime, a 159 dias das eleições presidenciais, tem o impacto de um terremoto de consequências ainda imprevisíveis para a campanha republicana. No entender do júri, as evidências apresentadas durante o julgamento são suficientes para afirmar que Trump, 77 anos, fraudou documentos contábeis para impedir  que o caso com Daniels se tornasse público. 

O juiz Juan Merchan marcou a audiência da leitura da sentença para 11 de julho, apenas quatro dias antes da Convenção Nacional Republicana, em Milwaukee. Ate lá, Trump permanece em liberdade e em campanha. Ao fim do julgamento, um abatido Trump fez um rápido pronunciamento à imprensa e qualificou o veredicto como "uma desgraça". "Foi um julgamento armado, desonrado. O veredicto real será dado em 5 de novembro pelo povo. E eles sabem o que aconteceu aqui, todo mundo sabe o que aconteceu aqui", denunciou. "Não fizemos uma coisa errada. Sou um homem muito inocente."

Ele disse que a decisão do júri "foi manipulada, desde o primeiro dia, por um juiz em conflito, que jamais poderia ter recebido permissão para julgar este caso". O magnata fará nova declaração, às 11h desta sexta-feira (13h em Brasília), na Trump Tower, em Nova York. A defesa de Trump anunciou que entrará com a apelação "assim que possível".

Norte-americana comemora a decisão do tribunal, do lado de fora da Corte Criminal de Manhattan
Norte-americana comemora a decisão do tribunal, do lado de fora da Corte Criminal de Manhattan (foto: Kena Betancur/AFP)

Alvin Bragg, promotor do Distrito de Manhattan, assegurou que o veredicto se baseou "nos fatos e na lei" e descartou fazer ilações sobre a sentença de Trump. "Nosso trabalho é seguir os fatos e a lei, sem medo ou favor. Foi exatamente isso que fizemos", declarou. Ele se negou a revelar se pretende pedir a prisão do ex-presidente. Bragg também agradeceu ao júri por ter atuado em estrito cumprimento do sistema judicial.

A Casa Branca foi breve e cautelosa nas declarações sobre o veredicto. "Respeitamos o Estado de Direito e não temos nenhum comentário adicional", disse Ian Sams, porta-voz da Presidência dos EUA, comandada pelo democrata Joe Biden, adversário de Trump em novembro. A campanha eleitoral da chapa de Biden e da vice-presidente Kamala Harris afirmou que "ninguém está acima da lei". "O veredicto de hoje (ontem) não muda o fato de que o povo norte-americano está diante de uma simples realidade. Só há uma forma de manter Donald Trump fora do Salão Oval: na cabine de votação."

Barrett Blade, marido de Stormy Daniels, disse à emissora CNN que a esposa ainda estava "processando" as notícias sobre a condenação. Ele acrescentou que Daniels tirou um imenso peso dos ombros e sente que comprovou ter falado a verdade.

Michael Cohen — ex-advogado de Trump que confirmou, ante o júri, o pagamento de suborno a Daniels — sublinhou o significado do veredicto. "Hoje é um dia importante para a prestação de contas e o Estado de Direito", publicou no X. "Embora tenha sido uma jornada difícil para mim e para a minha família, a verdade sempre importa."

Punição

Historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island), James Naylor Green duvida da prisão de Trump. "No entanto, o juiz estava muito chateado com a defesa do ex-presidente, especialmente com o fato de Trump ter violado por 10 vezes as ordens de silêncio impostas pelo tribunal. Isso pode se voltar contra ele", admitiu ao Correio, por meio do WhatsApp. Ele acredita que Merchan determiná uma multa ou imporá uma inabilitação política ao republicano. Em caso de Trump disputar as eleições, Green prevê uma vitória por margem mínima.

Ainda segundo Green, Trump poderá ser sentenciado a prisão e, ainda assim, tomar posse. "Se for eleito, haverá uma grande crise constitucional, política e moral na sociedade norte-americana. Provavelmente, ele adotará um autoperdão, algo sem precedentes na história", advertiu.

Para Allan Lichtman, cientista político da American University (em Washington), o veredicto é de "grande importância histórica e política". Ele lembra que, em 235 anos de história dos EUA, nenhum ex-presidente ou candidato presidencial foi acusado por um crime. "Trump foi condenado por todas as 34 acusações. Não por Biden ou por inimigos políticos, mas por um júri de 12 cidadãos americanos comuns, de forma rápida e unânime", disse ao Correio. Lichtman destacou que o juiz Merchan deu a Trump ampla oportunidade de defesa. "Como pretenso candidato à nomeação de um partido que diz representar a lei e a ordem, Trump fez de tudo para subverter o Estado de Direito nos Estados Unidos."

John C. Coffee Jr., professor de direito da Universidade Columbia (em Nova York), disse que todos os especialistas ficaram surpresos não com o veredicto, mas com a rapidez com que foi alcançado pelo júri. "Os jurados parece que sentiram o alto grau de culpabilidade de Trump e não viram uma defesa legítima. Trump será sentenciado em 11 de julho, algo muito rápido. Muitas vezes, a leitura da sentença ocorre apenas seis meses depois do veredicto", disse à reportagem.

De acordo com Coffee, a condenação não impedirá o republicano de disputar a eleição. "Ninguém sabe se o veredicto mudará o resultado das urnas. Acho que a disputa, com o sistema do colégio eleitoral, será decidida em Michigan, Pensilvânia e Wisconsin. Todos eles são estados do centro-norte, onde os cidadãos não gostam de candidatos criminosos. O julgamento não impactará no Texas ou na Flórida, mas ambos não são estados indecisos", previu.

Colaborou Renata Giraldi

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Sentença

O sistema judicial norte-americano é diferente do brasileiro. O magistrado do processo irá proferir a sentença em 11 de julho, a quatro dias da convenção norte-americana. A repercussão pode ser imediata. Após a divulgação da sentença, a defesa do ex-presidente terá 30 dias para recorrer da decisão.

Stormy Daniels

O nome verdadeiro da atriz, de 45 anos, é Stephanie Gregory Clifford. Ela foi alvo de ataques de Trump, que negou qualquer tipo de relacionamento com a artista. Porém, em março, foi lançado o documentário Stormy pelo serviço de streaming Peacock que conta o tumultuado caso.

Stormy Daniels foi a figura-chave no julgamento criminal de Donald Trump
Stormy Daniels foi a figura-chave no julgamento criminal de Donald Trump (foto: Ethan Miller/Getty Images/AFP )

Crimes

As 34 acusações são referentes às falsificações de registros comerciais ligados à Trump Organization, em 2017. Segundo as denúncias, em 2016, em plena campanha eleitoral, o advogado Michael Cohen fez um acordo pelo silêncio da atriz pornô. Ela recebeu US$ 130 mil (cerca de R$ 676 mil) para evitar a exposição pública do ex-presidente. Nos registros de contabilidade de Trump, o valor foi identificado como despesas advocatícias. O ex-presidente é acusado de pagar por "serviços fictícios, em 2017, para cobrir crimes reais no ano anterior".

Denúncias

As acusações foram julgadas em áreas distintas, embora no mesmo processo. Onze se referem a faturas falsas para honorários de Michael Cohen, advogado de Trump. A mesma quantia a cheques emitidos por Trump ou usando seus fundos para reembolsar Cohen. Por fim, 12 dizem respeito aos registros contábeis.

EU ACHO...

James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island)
James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island) (foto: Fotos: Arquivo pessoal )

"Trump será o candidato republicano. Pode ser que eleitores independentes, os swing voters, deixem de apoiá-lo, o que seria determinante nas eleições em Wisconsin e na Pensilvânia. Não tenho ideia de como o juiz o punirá, mas adotará muita cautela. Biden ganhará por muito pouco, se isso ocorrer. 

James Naylon Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island)

 

John C. Coffee Jr., professor de direito da Universidade Columbia (em Nova York)
John C. Coffee Jr., professor de direito da Universidade Columbia (em Nova York) (foto: Arquivo pessoal )

"Há chance de reversão da medida, com a apelação. Existem argumentos legais e constitucionais que levariam horas para serem analisados. É muito improvável que um caso em um tribunal estadual chegue à Suprema Corte, mas o bloco conservador poderá querer ouvi-lo. Não vejo Trump ganhando em lugar nenhum, exceto na Suprema Corte, onde há uns 40% de chance de reversão."

John C. Coffee Jr., professor de direito da Universidade Columbia (em Nova York)

Alan Lichtman, cientista político da American University (em Washington)
Alan Lichtman, cientista político da American University (em Washington) (foto: Arquivo pessoal)
 

"Trump não poderá conquistar a presidência apenas com sua base. Ele precisa vencer entre eleitores moderados indecisos, que, provavelmente, reagirão negativamente ao veredicto. Mesmo uma pequena deserção de eleitores moderados pode prejudicar suas chances de vitória."

Allan Lichtman, professor de ciência política da American University (em Washington)

 

  • Mulher festeja do lado de fora da Corte Criminal de Manhattan
    Norte-americana comemora a decisão do tribunal, do lado de fora da Corte Criminal de Manhattan Foto: Kena Betancur/AFP
  • Stormy Daniels é a figura-chave no julgamento criminal de Donald Trump
    Stormy Daniels foi a figura-chave no julgamento criminal de Donald Trump Foto: Ethan Miller/Getty Images/AFP
  • James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island)
    James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island) Foto: Fotos: Arquivo pessoal
  • John C. Coffee Jr., professor de direito da Universidade Columbia (em Nova York)
    John C. Coffee Jr., professor de direito da Universidade Columbia (em Nova York) Foto: Arquivo pessoal
  • Alan Lichtman, cientista político da American University (em Washington)
    Alan Lichtman, cientista político da American University (em Washington) Foto: Arquivo pessoal
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postado em 31/05/2024 06:00
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