A Irlanda, a Noruega e a Espanha passaram a reconhecer o Estado Palestino a partir desta terça-feira (28/05).
Pelo menos 140 membros da Assembleia Geral da ONU, incluindo o Brasil, já reconhecem formalmente a Palestina como um Estado.
Na semana passada, quando foi feito o anúncio sobre a mudança de posição da Espanha, o primeiro-ministro, Pedro Sanchez, explicou que a decisão "não é contra Israel" e tampouco "a favor do Hamas" — mas, sim, "a favor da paz".
O premiê norueguês, Jonas Gahr Store, ressaltou, por sua vez, que a solução de dois Estados (um israelense e outro palestino) é a "única alternativa" para a paz no Oriente Médio; enquanto o primeiro-ministro da Irlanda, Simon Harris, disse que a decisão ajudaria a criar um "futuro pacífico".
Israel reagiu, no entanto, com fúria à decisão dos três países, chamando de volta seus embaixadores na Irlanda, na Noruega e na Espanha.
"A história vai lembrar que a Espanha, a Noruega e a Irlanda decidiram conceder uma medalha de ouro aos assassinos e estupradores do Hamas, que estupraram adolescentes e queimaram bebês", afirmou Katz.
O reconhecimento da Palestina pelos três países aumenta a pressão diplomática sobre Israel depois de dois tribunais internacionais terem pedido o fim das operações das Forças de Defesa de Israel (FDI) no sul de Gaza e acusado o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de crimes de guerra.
Os países ocidentais também intensificaram as sanções aos colonos israelenses nos territórios palestinos ocupados.
O processo de reconhecimento diplomático varia entre países, mas normalmente envolve uma troca formal de credenciais com a Autoridade Palestina em Ramallah.
Os consulados ou missões existentes na Cisjordânia ou em Jerusalém Oriental tornam-se então embaixadas formais e os representantes se transformam em embaixadores de pleno direito.
Israel não reconhece o Estado Palestino, e o atual governo se opõe à criação de um Estado palestino na Cisjordânia e em Gaza. O argumento é que tal Estado seria uma ameaça à existência de Israel.
Os líderes palestinos celebraram a decisão, classificada como um "momento histórico" pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP), e um "momento de virada" pelo Hamas.
Briga nas redes sociais
Espanha, Noruega e Irlanda dizem reconhecer o Estado palestino baseado nas fronteiras estabelecidas antes da guerra em 1967, com Jerusalém como capital de Israel e da Palestina.
A bandeira palestina foi hasteada no parlamento da Irlanda. Os parlamentares passaram quatro horas debatendo a questão. O primeiro-ministro, Simon Harris, disse que o reconhecimento do Estado palestino foi um movimento "histórico e importante".
Ele disse esperar que outros países europeus sigam o exemplo porque terão de fazer todo o possível para encorajar um cessar-fogo.
"Este é um momento importante e penso que envia um sinal ao mundo de que existem ações práticas que podem ser (por nós) tomadas como país para ajudar a manter viva a esperança e o destino de uma solução de dois Estados, num momento em que outros estão tentando, infelizmente, bombardeá-la até o esquecimento."
O Ministro dos Negócios Estrangeiros da Noruega, Espen Barth Eide, disse que esta terça-feira é "um dia especial para as relações Noruega-Palestina".
O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, disse que reconhecer a Palestina "não era apenas uma questão de justiça histórica", mas também "um requisito essencial se quisermos que todos alcancemos a paz".
Ele insistiu que a Espanha não está agindo contra Israel e se posiciona contra o Hamas, que se opõe a uma solução de dois Estados.
Israel parece ter ficado mais irritado com a postura da Espanha. O seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, Israel Katz, publicou um vídeo nas redes sociais mostrando dança e música flamenca com imagens explícitas do ataque de 7 de outubro, com as palavras: "Hamas: Obrigado Espanha".
A Espanha disse que a postagem é "escandalosa e revoltante". Katz postou vídeos semelhantes sobre a Irlanda e a Noruega.
A disputa aprofundou-se quando a vice-primeira-ministra espanhola, Yolanda Díaz, apelou publicamente para que os palestinos fossem "livres do rio até o mar", uma frase polêmica que muitos israelenses consideram antissemita e um apelo à destruição completa do Estado de Israel.
Em post na rede social X, Katz comparou Díaz ao comandante do Hamas, Mohamed Sinwar, e ao líder supremo do Irã, Ali Khamenei.
Ele disse a Sánchez que se ele não demitisse a sua vice, "você estaria participando do incitamento à prática de genocídio e crimes de guerra contra o povo judeu".
Diplomatas suspeitam que Israel respondeu de forma veemente à Espanha, Irlanda e Noruega para desencorajar outros países de seguirem o seu exemplo.
A Eslovênia, Malta e a Bélgica indicaram nos últimos meses que também poderiam reconhecer a Palestina. Mas o governo da Bélgica parece ter esfriado a ideia antes das eleições.
Medida não vai mudar realidade no campo de batalha
A maior parte do mundo, incluindo o Brasil, já reconhece a Palestina como um Estado. No início deste mês, 143 dos 193 membros da Assembleia Geral das Nações Unidas votaram a favor da adesão da Palestina à ONU, algo que só pode ser feito por Estados.
Apenas nove países europeus apoiavam a criação de um Estado palestino, e a maioria deles tomou esta decisão em 1988, quando faziam parte do bloco soviético, como a Hungria, a Polônia, a Romênia, a República Checa, a Eslováquia e a Bulgária — além de Suécia e Chipre.
O fato de a Noruega, a Irlanda e a Espanha se juntarem a este grupo é algo raro e, ao mesmo tempo, significativo.
Estes países esperam não só sinalizar seu apoio simbólico aos palestinos, como também impulsionar um processo político que esperam ser capaz de ajudar a pôr fim aos combates.
Muitos países árabes dizem que só ajudariam a policiar e a reconstruir Gaza no pós-guerra se o Ocidente reconhecesse o Estado da Palestina como parte desse processo político.
Mas a maioria dos outros países europeus ainda acredita que o reconhecimento deveria ocorrer apenas como parte de uma solução a longo prazo de dois Estados (um israelense e outro palestino) para o conflito.
Assim, a Noruega, a Irlanda e a Espanha estão fazendo uma jogada diplomática que eles esperam ser adotada por outros. Mas isso não vai mudar a realidade no campo de batalha.
Uma decisão 'a favor da paz'
Ao anunciar a decisão de reconhecer o Estado Palestino, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sanchez, declarou: "Este reconhecimento não é contra Israel, não é contra os judeus."
“Não é a favor do Hamas, como foi dito. Este reconhecimento não é contra ninguém, é a favor da paz e da coexistência".
A Noruega destacou, por sua vez, que uma solução duradoura na região "só será alcançada por meio de uma solução de dois Estados".
“Não haverá paz no Oriente Médio sem uma solução de dois Estados. Não pode haver uma solução de dois Estados sem um Estado Palestino", afirmou o primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Store, em comunicado.
"Em outras palavras, um Estado Palestino é um pré-requisito para alcançar a paz no Oriente Médio."
O primeiro-ministro da Irlanda, Simon Harris, ecoou este pensamento, dizendo que uma solução de dois Estados é o "único caminho confiável" para a paz.
"Estamos três décadas depois dos Acordos de Oslo, e talvez mais longe do que nunca de um acordo de paz justo, sustentável e abrangente", acrescentou.
Segundo ele, a decisão não deveria esperar "indefinidamente" para ser tomada, quando é "a coisa certa a fazer".
'Terrorismo compensa', afirma Israel
Em resposta à decisão dos três países de reconhecer um Estado Palestino, Israel afirmou que vai convocar de volta ao país seus representes diplomáticos na Irlanda, na Noruega e na Espanha "para consultas urgentes".
Israel retirou os seus embaixadores da Irlanda, Noruega e Espanha e repreendeu formalmente os embaixadores dos países em Tel Aviv. Os três foram convocados ao Ministério das Relações Exteriores de Israel na semana passada para assistirem a imagens dos ataques de 7 de outubro diante da mídia.
"A história vai lembrar que a Espanha, a Noruega e a Irlanda decidiram conceder uma medalha de ouro aos assassinos e estupradores do Hamas, que estupraram adolescentes e queimaram bebês", afirmou o ministro israelense das Relações Exteriores, Israel Katz.
"Ordenei que os embaixadores fossem imediatamente convocados para uma conversa de reprimenda — durante a qual eles vão assistir ao terrível vídeo do rapto das observadoras mulheres para ilustrar para eles como a decisão que seus governos tomaram foi distorcida."
"Israel não vai passar por isso em silêncio — a iniciativa deles vai ter sérias consequências."
Segundo ele, "a decisão de hoje envia uma mensagem aos palestinos e ao mundo: o terrorismo compensa".
"Depois de a organização terrorista Hamas ter realizado o maior massacre de judeus desde o Holocausto, depois de ter cometido crimes sexuais hediondos testemunhados pelo mundo, estes países escolheram recompensar o Hamas e o Irã ao reconhecer um Estado Palestino."
"Este passo distorcido por parte destes países é uma injustiça para a memória das vítimas do 7 de outubro, um golpe nos esforços para liberar os 128 reféns, e um incentivo ao Hamas e aos jihadistas do Irã, o que prejudica a possibilidade de paz e questiona o direito de Israel de legítima defesa."
'Momento de virada', diz Hamas
Na semana passada, o Ministério das Relações Exteriores palestino, baseado na Cisjordânia, celebrou a decisão dos três países.
"Com este passo significativo, a Espanha, a Noruega e a Irlanda demonstraram mais uma vez o seu compromisso inabalável com a solução de dois Estados e com fazer justiça, há muito tempo esperada, ao povo palestino", diz o comunicado divulgado.
"Além disso, os reconhecimentos da Espanha, Noruega e Irlanda estão em conformidade com o direito internacional, e com todas as resoluções relevantes das Nações Unidas — o que, por sua vez, vai contribuir positivamente para todos os esforços internacionais para acabar com a ocupação ilegal israelense e alcançar a paz e a estabilidade na região."
O comunicado prossegue fazendo um apelo para que outros países "tomem esta decisão de princípio o mais rápido possível".
O secretário-geral do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Hussein al-Sheikh, classificou a notícia como um "momento histórico".
Segundo ele, o reconhecimento de um Estado Palestino “é o caminho para a estabilidade, segurança e paz na região".
A OLP é reconhecida internacionalmente como o principal representante dos palestinos.
O grupo palestino Hamas — que assumiu o controle da Faixa de Gaza em 2007 — comemorou a decisão dos três países.
Em declaração à agência de notícias AFP, Bassem Naim, um importante membro do Hamas, afirmou que a "brava resistência" do povo palestino está por trás desta medida.
"Estes reconhecimentos sucessivos são resultado direto desta brava resistência e da lendária perseverança do povo palestino", ele disse.
"Acreditamos que este será um momento de virada na posição internacional sobre a questão palestina."
A decisão dos três países foi anunciada poucos dias depois de o procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI) ter solicitado a emissão de mandados de prisão contra o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e o líder do Hamas em Gaza, Yahya Sinwar, por crimes de guerra.
- O que pedido de prisão de Netanyahu significa para Israel
- Palestinos detidos são 'algemados a camas e submetidos a procedimento médico sem anestesia em hospitais de Israel'
- Como a ofensiva de Israel em Rafah ameaça acordo de paz de mais de 40 anos com Egito
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br