Mais uma vez, Israel desafiou o direito internacional, ao recusar a decisão vinculante da Corte Internacional de Justiça (CIJ) determinando a suspensão das operações militares em Rafah, no extremo sul da Faixa de Gaza. "O Estado de Israel deve parar imediatamente a sua ofensiva militar em Rafah e qualquer outra ação que possa infligir ao grupo palestino em Gaza condições de vida que causem a sua destruição física total ou parcial", afirma a decisão da mais alta instância judicial das Nações Unidas sediada em Haia, na Holanda.
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A resolução da Corte também pediu a "libertação imediata e incondicional" dos civis e militares sequestrados pelo grupo extremista Hamas, durante o massacre de 7 de outubro passado. A decisão da CIJ acolheu um pedido feito pelo governo da África do Sul, segundo o qual a ofensiva israelense representa "genocídio".
O Conselho de Segurança Nacional e o Ministério das Relações Exteriores de Israel divulgaram nota conjunta, em que desqualificam o parecer da CIJ. "As acusações (...) são falsas, ultrajantes e moralmente repugnantes. (...) Israel atua com base no seu direito de defender o seu território e os seus cidadãos, de forma consistente com os seus valores morais e em conformidade com o direito internacional, incluindo o direito humanitário internacional", afirma o texto. "Israel não realizou e não realizará operações militares na região de Rafah que criem condições de vida que possam causar a destruição da população civil palestina, no todo ou em parte." Ao mesmo tempo, autoridades do governo do premiê Benjamin Netanyahu avisaram que a operação em Rafah prosseguirá.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, reiterou que as decisões da CIJ são vinculantes e que as partes devem cumpri-las. Não ficou claro, porém, quais serão as consequências legais do não cumprimento das resoluções tomadas pela Alta Corte de Haia. A Arábia Saudita destacou a importância de estender a decisão a "todas as zonas palestinas", enquanto a Turquia instou o Conselho de Segurança da ONU a "fazer o que lhe corresponde" para obrigar Israel a acatar a medida.
Evidências
Professor de direito internacional da Universidade de Princeton e relator especial da ONU para a Palestina Ocupada entre 2008 e 2014, Richard Falk explicou que a Corte Internacional de Justiça atuou com base no direito humanitário internacional e em evidências factuais de fome, da falta de suprimentos médicos e das condições das instalações hospitalares, assim como a destruição ou danos a dois terços das casas. "Isso tornou a retirada de civis refugiados em Rafah uma solução totalmente desumana e inadequada. Tudo o que Israel fez foi mover as cadeiras do convés enquanto o navio afundava. Embora as respostas israelenses tenham sido mentirosas e enganadoras, a CIJ as leva, talvez, demasiado a sério, ao examinar a absurda alegação de Israel de que excede os seus deveres legais, ante o esforço para facilitar o envio de ajuda e garantir procedimentos de retirada dos civis", disse Falk ao Correio.
O especialista admite que a reação de Israel, ao sustentar que a operação em Rafah não viola a decisão da CIJ, era esperada. "A resposta israelense falsifica seu próprio comportamento, ao alvejar, de forma repetida, locais proibidos de caráter civil. Também ao atrapalhar a distribuição de ajuda, por meio de violência deliberada contra aqueles que trabalham bravamente para aliviar o sofrimento e a vulnerabilidade da população palestina, a qual sofreu traumas penetrantes e perda generalizada de vida, e atualmente sofre ameaças de fome em massa e de doenças disseminadas, causadas pelo colapso sanitário", acrescentou Falk.
Ele espera a mobilização indignada da opinião pública e uma visão populista de resolução de problemas dedicada ao bem público, a fim de dotar a ONU com capacidades e tração política para superar realidades moldadas pela "primazia da geopolítica". Nesta semana, o procurador do Tribunal Penal Internacional, outra Corte supranacional, pediu a expedição de mandados de prisão contra Netanyahu e três líderes do Hamas.
EU ACHO...
"A ONU tem sido seriamente desacreditada ante a incapacidade de agir de modo mais eficaz em face a um genocídio extremo. As Nações Unidas e as democracias liberais do Ocidente são vistas, em parte, como fracas demais e debilitadas para proteger a Carta da ONU e o direito internacional, quando interesses estratégicos dos Estados com direito ao veto estão determinados a blindar irregularidades."
Richard Falk, professor de direito internacional da Universidade de Princeton e relator especial da ONU para a Palestina Ocupada entre 2008 e 2014
Exército recupera corpo de brasileiro morto pelo Hamas
O corpo do engenheiro israelense-brasileiro Michel Nisenbaum, 59 anos, foi encontrado por soldados das Forças de Defesa de Israel (IDF), dentro de um túnel na Faixa de Gaza, e transferido para Israel. "O Estado de Israel comunica, com extremo pesar, o assassinato de Nisenbaum, morto pelos terroristas do Hamas. Michel, pai de dois filhos e avô de seis netos, foi assassinado durante o ataque terrorista de 7 de outubro, quando os terroristas do Hamas sequestraram o seu corpo e levaram para a Faixa de Gaza", afirma nota da Embaixada de Israel em Brasília.
A família de Nisenbaum, que era diabético e portador da doença de Crohn (condição inflamatória do trato gastrointestinal), acreditava que ele estivesse sendo mantido vivo na Faixa de Gaza. Durante a noite, foram recuperados, em um túnel no campo de refugiados de Jabaliya, os corpos do franco-mexicano Orión Hernández Radoux, 32, e do israelense Hanan Yablonka, 42.
Em 26 de novembro, a enfermeira Mary Shoat, 66 anos, irmã de Michel, falou ao Correio. Na ocasião, Mary contou que a família não sabia do paradeiro dele. "Não recebemos nenhuma prova de vida do meu irmão. (...) A única coisa que nos disseram é que, provavelmente, ele está raptado pelo Hamas", disse. O carro de Michel foi encontrado carbonizado, no início de novembro. De acordo com Mary, no dia da invasão do Hamas ao sul de Israel, o irmão saiu de Sderot às 6h57 e se aproximou do kibbutz de Mefalsim. A pedido da filha, buscaria a neta em uma base militar.
A irmã de Michel voltou a conversar com o Correio em 4 de fevereiro. "Se não fizerem todo o possível para trazer todos para casa, nós os receberemos mortos", desabafou. As IDF recuperaram o celular do engenheiro em 23 de novembro. "Ao vistoriarem as mensagens, escutaram tiroteios e viram que ele tentou avisar a polícia", contou Mary. Em 11 de dezembro, ela e a sobrinha Hen Mahluf, uma das filhas de Michel, foram recebidas por Lula, no Palácio do Planalto.
Por meio da rede social X, Lula afirmou que soube, "com imensa tristeza", da morte de Nisembaum. "Conheci sua irmã e filha, e sei do amor imenso que sua família tinha por ele. Minha solidariedade aos familiares e amigos de Michel", escreveu.
Nisenbaum é o quarto brasileiro morto em 7 de outubro. Além dele, foram assassinados as cariocas Bruna Valeanu, 22, e Karla Stelzer Mendes, 42; e o gaúcho Ranani Nedejelski Glazer, 23. O corpo de Michel será sepultado amanhã, no cemitério de Givat Zion, em Ashkelon. (RC)
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