Oriente Médio

Irlanda, Noruega e Espanha reconhecem a existência do Estado palestino

Reconhecimento concertado da Palestina por parte de Dublin, Oslo e Madri provoca a ira de Israel, que convoca embaixadores e denuncia "recompensa ao terrorismo". Três quartos dos países do mundo adotaram medida

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, é aplaudido por parlamentares após o anúncio sobre a Palestina, no Congresso dos Deputados, em Madri  -  (crédito: Thomas Coex/AFP)
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, é aplaudido por parlamentares após o anúncio sobre a Palestina, no Congresso dos Deputados, em Madri - (crédito: Thomas Coex/AFP)

Israel acusou os governos de Espanha, Noruega e Irlanda de "recompensarem o terrorismo" e convocou seus embaixadores nos respectivos países, após eles anunciarem que reconhecerão oficialmente o Estado palestino. "A intenção de vários países europeus de reconhecer um Estado palestino é uma recompensa ao terrorismo. Oitenta por cento dos palestinos na Judeia e em Samaria apoiam o terrível massacre de 7 de outubro. Este mal não pode receber um Estado. Este seria um Estado terrorista. (...) Recompensar o terrorismo não trará paz, nem nos impedirá de derrotar o Hamas", advertiu o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. A chancelaria de Israel também indicou que convocaria os embaixadores norueguês, espanhol e irlandês em Tel Aviv para expressar sua insatisfação. 

Em discurso no Parlamento e em meio a aplausos, o premiê espanhol, Pedro Sánchez, explicou que os partidos que conformam o governo de coalizão acordaram a aprovação, em 28 de maio, do reconhecimento do Estado da Palestina por parte do Conselho de Ministros. "Chegou a hora de passar das palavras para a ação. Pela paz, pela justiça e pela coerência", afirmou. Ele telefonou para o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, que externou seus agradecimentos ao líder socialista. "Com esse importante passo, queremos contribuir para relançar um processo político que ponha fim à violência e vislumbre um futuro de segurança e de prosperidade no Oriente Médio", explicou Sánchez. 

O chefe de governo irlandês, Simon Harris: "Este é um dia importante e histórico para a Palestina e a Irlanda"
O chefe de governo irlandês, Simon Harris: "Este é um dia importante e histórico para a Palestina e a Irlanda" (foto: Paul Faith/AFP)

A 2,3 mil quilômetros de Madri, em Dublin, o primeiro-ministro da Irlanda, Simon Harris, reuniu a imprensa e avisou que "chegou o momento de reconhecer a Palestina". "Eu conversei com outros líderes e estou confiante em que outros países se unirão a nós e tomarão esse passo importante nas próximas semanas", avisou. "Este é um dia importante e histórico para a Palestina e a Irlanda." 

Em Oslo, capital da Noruega, o premiê Jonas Gahr Store, também fez um pronunciamento à nação. "No meio de uma guerra, com dezenas de milhares de mortos e feridos, nós temos de manter viva a única alternativa que oferece uma solução política para israelenses e palestinos: dois Estados, vivendo lado a lado, em paz e em segurança", declarou. O chefe de diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, prometeu trabalhar "incansavelmente com todos os Estados-membros por uma posição comum da UE baseada em uma solução de dois Estados". 

O premiê norueguês, Jonas Gahr Store: "Temos de manter viva a única alternativa que oferece uma solução política" para o conflito
O premiê norueguês, Jonas Gahr Store: "Temos de manter viva a única alternativa que oferece uma solução política" para o conflito (foto: Erik Flaaris Johansen/NTB/AFP)

Condenação

Aliado de Israel, os Estados Unidos manifestaram oposição ao "reconhecimento unilateral" de um Estado Palestino. A Casa Branca advertiu o governo Netanyahu a não reter fundos para a Palestina, em retaliação aos anúncios de Oslo, Madri e Dublin. "Ele (o presidente Joe Biden) foi enfático, ao afirmar que a solução de dois Estados deve ocorrer mediante negociações diretas entre as partes, e não através do reconhecimento unilateral", observou Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional. 

Ibrahim Alzeben — embaixador da Palestina no Brasil — celebrou o anúncio dos três países europeus, mas destacou a importância de Londres e Washington tomarem a mesma medida. "O Reino Unido é o principal responsável pela tragédia palestina e pelo conflito. O Ocidente, em geral, tem sido cúmplice em todo o sofrimento contínuo do nosso povo na região", disse. O diplomata acusou os Estados Unidos de assumirem o mesmo papel, "apesar do consenso internacional a favor de um fim justo, legal e duradouro para a Palestina". "A esperança não morre, continuaremos trabalhando com a mesma estratégia e com o apelo de que o mundo está em constante mudança. A porta da lei e da justiça está se abrindo", garantiu Alzeben. 

Manifestante corre com bandeira da Palestina durante ato no bairro do Brooklyn, em Nova York, no sábado passado
Manifestante corre com bandeira da Palestina durante ato no bairro do Brooklyn, em Nova York, em 19 de maio (foto: John Lamparski/AFP)

Dos 193 países-membros da Organização das Nações Unidas, 142 reconhecem o Estado palestino, que foi proclamado por líderes no exílio há 36 anos. Durante a primeira intifada (levante contra a ocupação), o histórico líder palestino, Yasser Arafat, proclamou, de forma unilateral, um Estado palestino independente com Jerusalém como capital. Em 2010, o Brasil tornou-se o primeiro país da América do Sul a admitir a existência de um Estado palestino, seguido por Argentina, a Bolívia, o Equador, o Chile, o Peru e o Uruguai. Em 2014, a Suécia marcou seu pioneirismo, entre as nações da União Europeia. 

Jorgen Jensehaugen, especialista em conflito árabe-israelense pelo Instituto de Pesquisa da Paz de Oslo (PRIO, pela sigla em inglês), afirmou ao Correio que o gesto dos três países é muito importante, sob o ponto de vista simbólico. "Essa atitude sinaliza a possibilidade de alcançar uma solução baseada em dois Estados. Trata-se de uma combinação importante de países, no sentido de que, quando a Suécia reconheceu a Palestina, ela estava completamente isolada e foi punida por Israel", comentou. "O fato de Noruega, Espanha e Irlanda se unirem nesse esforço torna uma punição mais difícil e cria um momento propício para que outras nações se juntem a elas. Esperamos que algumas nações europeias sigam o exemplo."

De acordo com o estudioso norueguês, a convocação dos embaixadores se insere no fato de que Netanyahu se opõe a uma solução para o conflito assentada na existência de um Estado israelense e de um Estado palestino. "O governo judeu considera problemática qualquer ação que vá na direção do reconhecimento da Palestina", observou Jensehaugen. "Será interessante ver qual será a retaliação dos israelenses."

QUATRO PERGUNTAS PARA

 

IBRAHIM ALZEBEN, EMBAIXADOR DA PALESTINA NO BRASIL

Vinicius Loures/Câmara dos Deputados Crise humanitária na Faixa de Gaza. Embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben 08/11/2023
IBRAHIM ALZEBEN, EMBAIXADOR DA PALESTINA NO BRASIL (foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

Como o senhor vê o peso simbólico da decisão de Espanha, Noruega e Irlanda?

Nós apreciamos muito a decisão histórica e corajosa, que expressa respeito pelo direito internacional e pelo consenso da comunidade majoritária no mundo. 

Em que essa medida pode ajudar os palestinos na busca por um Estado palestino?

A nossa luta depende da resiliência no terreno e da expansão da presença no mundo. De uma ação combinada. A decisão histórica de Espanha, Irlanda e Noruega está em sintonia com a orientação política natural da comunidade de 143 países, que exigiu o reconhecimento da Palestina como um Estado pleno na ONU. O mundo caminha na direção histórica correta, no rumo da paz e da segurança. 

De que modo o senhor avalia a decisão de Israel de convocar os embaixadores?

Convocar embaixadores de países soberanos não muda a realidade. A votação na ONU, a posição do Tribunal Penal Internacional (TPI) e as manifestações em todo o mundo devem dar frutos no seio da sociedade israelense. E mostrar que a ocupação dos territórios dos seus vizinhos, negando aos verdadeiros proprietários o direito de exercerem os seus direitos legítimos, não tem um efeito futuro. Genocídio  e apartheid somente trarão mais violência e dor para todos.

O que falta para a efetiva criação de um Estado palestino?

Que os EUA reconheçam o Estado da Palestina. Também falta convocar uma conferência internacional de paz para fundar o Estado da Palestina, de acordo com o direito internacional. O imediato, que não admite adiamento, é um cessar-fogo em Gaza, levantando o cerco e permitindo a entrada de ajuda humanitária. Encerrar a agressão dos colonos e iniciar a retirada de Israel dos territórios ocupados. (RC)

EU ACHO... 

Jorgen Jensehaugen, especialista em conflito árabe-israelense pelo Instituto de Pesquisa da Paz de Oslo (PRIO)
Jorgen Jensehaugen, especialista em conflito árabe-israelense pelo Instituto de Pesquisa da Paz de Oslo (PRIO) (foto: Arquivo pessoal )

"É possível que Israel deixe de considerar a Noruega como adequada para liderar o grupo de países doadores para a Palestina. Creio que essa é a principal preocupação do governo norueguês. Mas isso também é importante para Israel, pois trata-se da forma de financiamento da Autoridade Palestina. Algo que basicamente poupa Israel como Estado ocupante." 

Jorgen Jensehaugen, especialista em conflito árabe-israelense pelo Instituto de Pesquisa da Paz de Oslo (PRIO)

Vídeo inédito mostra mulheres sob poder do Hamas

"Suas cadelas, nós pisaremos sobre vocês", afirma um dos extremistas do Hamas, enquanto uma refém tem as mãos amarradas às costas. A garota israelense tem o rosto coberto de sangue. "Tirem fotos delas", ordena o terrorista. A mesma refém tenta argumentar: "Eu tenho amigos na Palestina". O militante do Hamas ordena que fiquem caladas. O vídeo, de pouco mais de três minutos de duração, teve a divulgação autorizada pelas famílias de cinco mulheres soldados israelenses retidas na Faixa de Gaza desde 7 de outubro. Algumas tentam falar em inglês, com expressão de terror e implorando. Depois, os homens do Hamas as levam entre gritos e sons de rajadas de tiros até um jipe militar.

O chanceler israelense, Israel Katz, usou as imagens para marcar, na rede social X, os perfis dos premiês Pedro Sánchez (Espanha), Simon Harris (Irlanda) e Jonas Gahr Store (Noruega). "Olhem nos olhos de nossas filhas!", escreveu. "Emiti uma diligência severa aos embaixadores de Espanha, Irlanda e Noruega em Israel, na sequência da decisão dos seus governos de atribuir uma medalha de ouro aos terroristas do Hamas que raptaram as nossas filhas e queimaram crianças. Os embaixadores assistirão a um vídeo do rapto brutal e cruel das nossas filhas por terroristas do Hamas, para enfatizar a decisão distorcida que os seus governos tomaram", acrescentou.  

 

  • O premiê norueguês, Jonas Gahr Store:
    O premiê norueguês, Jonas Gahr Store: "Temos de manter viva a única alternativa que oferece uma solução política" para o conflito Foto: Erik Flaaris Johansen/NTB/AFP
  • O chefe de governo irlandês, Simon Harris:
    O chefe de governo irlandês, Simon Harris: "Este é um dia importante e histórico para a Palestina e a Irlanda" Foto: Paul Faith/AFP
  • Manifestante corre com bandeira da Palestina durante ato no bairro do Brooklyn, em Nova York, no sábado passado
    Manifestante corre com bandeira da Palestina durante ato no bairro do Brooklyn, em Nova York, em 19 de maio Foto: John Lamparski/AFP
  • Alzeben:
    IBRAHIM ALZEBEN, EMBAIXADOR DA PALESTINA NO BRASIL Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
  • Jorgen Jensehaugen, especialista em conflito árabe-israelense pelo Instituto de Pesquisa da Paz de Oslo (PRIO)
    Jorgen Jensehaugen, especialista em conflito árabe-israelense pelo Instituto de Pesquisa da Paz de Oslo (PRIO) Foto: Arquivo pessoal
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postado em 23/05/2024 06:00
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