"Ôô-Ozempic!" canta um refrão ao fundo, enquanto famílias sorridentes praticam passeios em um campo de golfe ou brincam de jogar laço em uma cidade situada do Velho Oeste americano.
Se você ligar a televisão nos Estados Unidos, é muito provável que tentem lhe vender um medicamento para tratar os mais diversos problemas de saúde, desde obesidade, depressão, diabetes ou disfunção erétil até HIV e câncer.
A qualquer hora do dia, a propaganda de um desses medicamentos é seguida de outra. E então outra.
As empresas farmacêuticas gastaram US$ 1,68 bilhão em campanhas publicitárias só em 2022 para os 10 medicamentos mais veiculados, incluindo o famoso medicamento antidiabético emagrecedor Ozempic, além de outros remédios que tratam desde pólipos nasais até artrite reumatoide.
A publicidade direta ao consumidor destes produtos sujeitos a receita médica é proibida em todos os países do mundo, exceto nos Estados Unidos e na Nova Zelândia.
E levanta sérias preocupações sobre o seu impacto no comportamento do consumidor, no trabalho dos médicos e no preço dos medicamentos, que por vezes custam centenas ou, em alguns casos, milhares de dólares.
Uma história recente
Os comerciais de medicamentos que exigem receita nem sempre foram permitidos nos Estados Unidos — na verdade, são um fenômeno relativamente recente.
Até a década de 1990, como em quase todos os países do mundo, as empresas farmacêuticas direcionavam os seus esforços de publicidade e marketing exclusivamente para os médicos.
Mas o paradigma mudou na última década do século passado. Por quê?
“Outros atores surgiram no setor da saúde, como as seguradoras, as empresas farmacêuticas tornaram-se muito mais poderosas e houve a ascensão do 'movimento do consumidor' que ajudou a capacitar os pacientes para tomarem as suas próprias decisões”, explica a pesquisadora Jeanne Madden, especialista em sistemas de saúde da Northeastern University, em Boston.
A FDA (Food and Drug Administration), o órgão do governo americano que controla alimentos e remédios, relaxou gradualmente as restrições até finalmente abrir as portas — primeiro em jornais e revistas e mais tarde na rádio e na televisão — à publicidade de medicamentos com receita.
Sob as novas regras, os gastos com publicidade farmacêutica dispararam de cerca de US$ 1 bilhão em 1997 para mais de US$ 4 bilhões em 2005, segundo dados da empresa de consultoria IMS Health.
E desde então o número continuou a crescer.
Hoje, as empresas farmacêuticas gastam anualmente entre US$ 8 bilhões e US$ 12 bilhões em publicidade, de acordo com estimativas de diversas fontes, e uma grande parte do orçamento corresponde a anúncios televisivos de medicamentos sujeitos a receita médica.
Duas restrições
A FDA impõe duas limitações a qualquer anunciante que pretenda promover os seus medicamentos que exigem receita nos meios de comunicação.
Deve relatar os principais efeitos colaterais do produto — as empresas farmacêuticas geralmente fazem isso velozmente nos últimos segundos do comercial — e, claro, não pode prometer benefícios infundados.
E o que acontece com quem quebra essas regras? Primeiro é dada uma carta de advertência e, no caso de uma nova infração, há uma multa de US$ 250 mil por publicidade falsa ou enganosa.
No entanto, de acordo com alguns especialistas, as autoridades dos EUA aplicam os seus regulamentos de forma bastante negligente.
“A atividade da FDA nesta área tem sido medíocre nos últimos anos”, diz Robin Feldman, especialista em propriedade intelectual e legislação farmacêutica da Universidade da Califórnia.
Alega que a agência reguladora “tende a concentrar-se estritamente em detalhes como efeitos secundários, em vez de abordar questões mais amplas de publicidade médica”.
“Em teoria, ela exige que os anúncios de medicamentos sujeitos a receita médica comuniquem um equilíbrio justo entre benefícios e riscos. Mas, na prática, estudos sugerem que as empresas farmacêuticas não costumam transmitir uma imagem equilibrada do seu produto”, explica ela à BBC Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
E especifica que, “apesar do aumento acentuado na publicidade ao consumidor e das evidências de publicidade problemática, a FDA emitiu apenas cinco cartas de advertência em 2020 , em comparação com 21 em 2008”.
Jeanne Madden, por sua vez, acredita que as empresas do setor costumam cumprir as regulamentações e por isso quase não existem sanções.
No entanto, ela afirma que “há pressão para permitir que as empresas tenham cada vez mais ‘liberdade de expressão’ e digam o que querem sobre o que vendem, bem como um movimento conservador em massa para simplesmente desmantelar as regulamentações federais em todos os níveis”.
O lado obscuro
Desde que as propagandas de medicamentos com receita começaram a invadir as casas, um intenso debate tem ocorrido nos Estados Unidos sobre seus benefícios.
Os críticos argumentam que elas estimulam a procura de medicamentos caros e dispensáveis, além de aumentarem os custos dos cuidados médicos sem necessariamente melhorarem a saúde dos pacientes.
A Associação Médica Americana (AMA) apelou repetidamente para a proibição da publicidade direta ao consumidor.
Esta prática “inflaciona a procura de medicamentos novos e mais caros, mesmo quando esses medicamentos podem não ser apropriados”, diz um comunicado emitido em 2015 pela principal associação de médicos e estudantes de medicina do país.
Algo que também preocupa os profissionais do setor é que muitas vezes os pacientes vão ao consultório médico com a decisão já tomada sobre quais remédios precisam.
“Talvez o médico não considere o medicamento apropriado ou haja contra-indicações significativas, e isso coloca o médico em uma posição desconfortável”, explica Gary Young, diretor do Centro de Políticas de Saúde e Pesquisa em Saúde da Northeastern University.
Young argumenta que, nesses casos, os médicos podem aceitar a vontade do paciente para evitar serem avaliados negativamente no formulário pós-consulta, o que afetaria reputação e renda.
Os críticos também alegam que os anúncios promovem a medicalização de condições normais ou leves, incentivando os consumidores a procurarem intervenções farmacêuticas em situações que não necessitam tratamento médico.
As vozes a favor
Para muitos, porém, a publicidade de medicamentos que exigem receita também tem um lado positivo.
Os defensores argumentam que a propaganda educa os consumidores sobre as doenças e as opções de tratamento, aumentando o seu conhecimento e capacitando-os a participar ativamente nos seus cuidados de saúde.
E, ao estarem mais informados sobre as opções de tratamento e seus benefícios, os pacientes podem ter maior probabilidade de seguir o que foi recomendado.
“Isto é consistente com a perspectiva dos Estados Unidos sobre os cuidados de saúde e outras questões, na medida em que colocamos muita ênfase na tomada de decisões individuais”, diz Young.
“Não queremos que o governo diga: 'Você não pode ter esta informação'. A perspectiva americana é: 'Sim, obtenha a informação, esperamos que a utilize da melhor maneira possível', sem depender da autorização do governo. Mesmo que o médico tome a decisão final, você estará munido dessa informação”, argumenta.
Aqueles que defendem a sua legalidade também acreditam que estes anúncios incentivam os pacientes a consultar os seus médicos sobre sintomas ou condições que, de outra forma, poderiam ignorar, facilitando o diagnóstico precoce e a intervenção médica apropriada.
Por fim, os defensores desse tipo de publicidade afirmam que isso promove a concorrência no mercado farmacêutico, incentivando as empresas a melhorar os seus produtos e a desenvolver tratamentos inovadores.
O caso da Nova Zelândia
A Nova Zelândia é o único outro país do mundo onde a publicidade direta ao consumidor de medicamentos com receita é permitida, embora existam algumas diferenças em relação aos Estados Unidos.
As regras da Nova Zelândia, supervisionadas pelo Ministério da Saúde local, impõem normas mais rigorosas para garantir que a publicidade seja precisa e equilibrada e evitar a propagação de informações enganosas.
Por exemplo, há um sistema que exige aprovação prévia dos anúncios antes de sua veiculação.
Em contraste com a abordagem dos EUA, que não requer aprovação prévia, o modelo da Nova Zelândia é considerado um pouco menos permissivo.
E a agência governamental Pharmac negocia os preços dos medicamentos, tornando-os mais acessíveis.
Segundo especialistas, isso também limita indiretamente a necessidade de um marketing agressivo por parte das empresas farmacêuticas, o que faz diferença em relação ao ambiente altamente competitivo e caro dos EUA.
Em qualquer caso, há também um forte debate na Nova Zelândia sobre os potenciais efeitos negativos da publicidade a medicamentos sujeitos a receita médica, com numerosas vozes de oposição.
O New Zealand Medical Journal (NZMJ), principal revista científica da profissão médica no país, publicou um editorial no qual exigia que estes anúncios fossem tornados ilegais e culpava o poderoso lobby farmacêutico por sua manutenção.
“As evidências disponíveis indicam que a proibição da publicidade direta ao consumidor ajudaria a promover a saúde da população, reduzindo o diagnóstico e o tratamento descabidos e os danos da má prática médica”, afirma a publicação.
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