Com um iPad na mão e constrangido, Álvaro Uribe, 71 anos, era a sombra do estadista combativo e determinado a travar uma guerra contra as guerrilhas. Diante de jornalistas, em sua casa, em Antióquia (noroeste), o homem que governou a Colômbia entre 2002 e 2010 resolveu falar pouco antes do início de seu julgamento penal. O ex-líder de direita tornou-se o primeiro ex-presidente da Colômbia a enfentar um tribunal, sob a acusação de subornar testemunhas para que não revelassem suas supostas relações com paramilitares. Uribe leu um texto em sua defesa, no qual denunciou uma conspiração política e declarou inocência. "Horas antes de começar esse julgamento, afirmo que meus adversários políticos conseguiram converter-se em meus acusadores na Justiça", afirmou. "Repito, ante meus compatriotas, que jamais enganei a Justiça. (...) Minha vida pública não conhece a mentira."
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Se condenado, Uribe poderá cumprir pena de seis a 10 anos de prisão. O julgamento de um dos homens mais influentes da Colômbia tem uma dose de ironia: ele tornou-se réu em uma ação judicial de sua autoria, que tramitou por 12 anos nos tribunais. Em 2012, dois anos depois de deixar a Casa de Nariño, sede do Executivo, o então senador Uribe entrou com uma denúncia contra o deputado esquerdista Iván Cepeda. Uribe acusou o congressista opositor de forjar testemunhos, na intenção de associá-lo com paramilitares que combatiam as guerrilhas de esquerda entre as décadas de 1990 e 2000.
A Suprema Corte da Colômbia isentou Cepeda de culpa e, seis anos depois, iniciou um inquérito contra Uribe pela mesma acusação. Em agosto de 2020, altos magistrados ordenaram a prisão domiciliar de Uribe, que foi obrigado a renunciar ao Senado. O processo foi encaminhado a uma Corte inferior, que cancelou a ordem de prisão e retomou o processo do zero.
Em sua mensagem à cidadania da Colômbia, Uribe desabafou: "Parece que as garantias não se aplicam para mim". "Negaram-me a presunção de inocência, o direito de me defender em liberdade. Se não conheciam, ou não acreditavam em meus antecedentes de pessoa de bem, ao menos deveriam observar meu comportamento durante 25 meses. Não tenho sido um perigo para a sociedade, não evitei a Justiça, nem a obstruí", declarou o ex-presidente. Durante a audiência desta sexta-feira (17), a defesa de Álvaro Uribe solicitou à Justiça a anulação de todo o processo.
No começo do processo judicial, a magistrada Sandra Heredia anunciou que recebeu um documento em que o Ministério Público acusa o ex-presidente de um complô para influenciar os testemunhos à Justiça de integrantes de grupos paramilitares da extrema direita responsáveis por centenas de massacres no fim do século 20. Apesar de o documento da promotoria ser mantido em sigilo, a imprensa conseguiu acesso a alguns trechos, que mostram como Uribe teria utilizado emissários para "entregar e/ou prometer dinheiro" a paramilitares presos. Em troca, o ex-mandatário teria exigido que eles mentissem sobre a suposta relação com ele. A ex-esposa de um dos paramilitares envolvidos no caso reclamou, durante a audiência, que foi alvo de "perseguições" e "ameaças".
Alejandro Bohórquez-Keeney, professor de governona Universidad Externado de Colombia (em Bogotá), explicou ao Correio que o julgamento penal de Uribe tem um componente político. "O atual presidente (Gustavo Petro) é de esquerda, e a Corte julga um ex-presidente de uma direita bastante marcada. Isso, com certeza, terá consequências políticas. É comum que presidentes que enfrentam julgamentos políticos ou penais saiam absolvidos. Será interessante ver o que ocorrerá com Uribe", afirmou. Ele disse que Uribe continua a usufruir de uma importante base eleitoral. "Seus seguidores acusarão perseguições e todo tipo de coisas. Uribe segue como uma figura política importante na Colômbia."
Em 10 de abril passado, Uribe chegou a classificar seu julgamento de produto de "vinganças políticas". "Esse juízo é antecipado por perseguições políticas, animosidades pessoais, vinganças políticas, sem provas que nos permitam inferir que eu estava tentando subornar (testemunhas) ou enganar a Justiça", disse o ex-presidente.
Atentado com carro-bomba mata criança
Um atentado com carro-bomba, na região do Cauca (sudoeste), matou uma criança e deixou pelo menos três feridos. De acordo com o jornal El Tiempo, o Exército colombiano interceptou um áudio que implicaria intrerantes da coluna "Dagoberto Ramos", da dissidência das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Na gravação, é possível escutar um homem comentando sobre a explosão. "Foi o que soou tão gostoso lá embaixo. (...) Tá bom, pronto, bom, me avisa que estou esperando para ver o que acontece", afirma um dos guerrilheiros no áudio.
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