Não faltaram elogios: "velhos amigos", "irmãos para sempre" e "parceiros". Enquanto seus soldados tentam avançar no leste da Ucrânia, abrindo nova frente na guerra, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, desembarcou em Pequim sob afagos de Xi Jinping, na segunda viagem à China em 18 meses. A relação com Xi é quase simbiótica: sufocada pelas sanções impostas pelo Ocidente, Moscou precisa do aliado econômico e do apoio à ação militar na Ucrânia; Pequim quer importar energia barata da Rússia, além de um aval a qualquer ataque a Taiwan. Os dois líderes anunciaram um fortalecimento dos laços militares, com a realização de ensaios bélicos conjuntos.
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Xi garantiu que a relação entre Pequim e Moscou "não é apenas de interesse fundamental para os dois países e os dois povos, mas igualmente propícia à paz". "A relação entre China e Rússia foi conquistada com esforço. As duas partes devem apreciá-la e cultivá-la", insistiu. "Nossa cooperação nos temas internacionais é um dos fatores de estabilidade no cenário internacional", disse, por sua vez, Putin. O chefe do Kremlin agradeceu ao anfitrião por suas iniciativas de paz no conflito ucraniano.
O fato de Xi ter recebido Putin, em Pequim, foi visto com reservas por Washington. A China não pode jogar dos dois lados, disse o porta-voz do Departamento de Estado americano, Vedant Patel. "Não pode ter as duas coisas e querer ter melhores relações com a Europa e outros países, enquanto segue alimentando a maior ameaça à segurança europeia em muito tempo", complementou, referindo-se ao ataque à Ucrânia. "O apoio da China à indústria de defesa russa coloca em risco a segurança da Europa", advertiu.
Elizabeth A. Wishnick, pesquisadora do Instituto Weatherhead para o Leste Asiático da Universidade Columbia, afirmou ao Correio que Xi e Putin prometeram o fortalecimento dos laços militares, mas não detalharam nenhum novo aspecto da cooperação em defesa. "Foi uma resposta retórica à pressão sobre a China para deixar de apoiar a guerra da Rússia na Ucrânia, além de uma esforço, pelo presidente Putin, para mostrar que ainda conta com aliados importantes", observou.
Segundo Wishnick, não está claro como o Kremlin expandirá os exercícios militares com a China, no momento em que a maior parte dos equipamentos russos está mobilizada na Ucrânia. "O recente desfile da vitória do Exército Vermelho sobre os nazistas, em Moscou, mostrou apenas um tanque da Segunda Guerra Mundial. "Até agora não houve novos anúncios de vendas de armas russas para a China ou atualizações sobre os seus planos de coprodução", lembrou.
Wishnick explicou que a China deseja ser ator na geopolítica global. Ela vê o alerta do Departamento de Estado norte-americano como uma lembrança à China que o protagonismo está associado à responsablidade para apoiar uma ordem baseada em regras. "Curiosamente, na declaração conjunta sino-russa assinada hoje (ontem), a 'ordem baseada em regras' aparece como algo negativo."
A professora da Universidade Columbia avaliou que, mesmo depois de terem sido reeleitos, Xi e Putin estão muito preocupados com a sobrevivência política. "Os dois buscam apoio político um do outro para as suas ambições autoritárias a nível interno."
Especialista em segurança e paz internacional pelo King's College London, Natasha Kuhrt disse ao Correio que Xi e Putin têm discutido a cooperação militar há um tempo. "Como não existe uma aliança formal, não há uma interoperabilidade. No entanto, a China continuará a fornecer à Rússia a tecnologia de dupla utilização", afirmou, ao citar um termo usado para denotar bens que podem ser utilizados para fins pacíficos ou militares. "De certa forma, tem sido um eixo anti-EUA, mas a China ainda está inserida na economia mundial de uma maneira que a Rússia não tem sido tão cuidadosa."
Carol R. Saivetz, consultora do Programa de Estudos de Segurança do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), comentou que Rússia e China mantêm interesses comuns na oposição à ordem internacional liberal comandada pelos EUA. "A guerra da Ucrânia impulsionou ambos para mais perto. A Rússia precisa desesperadamente da tecnologia de dupla utilização da China. Além disso, a China compra enormes quantidades de energia russa — embora a preços reduzidos. Até agora, Pequim não vendeu armas para Moscou", disse ao Correio.
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