INUSITADO

Britânica tenta reaver R$ 5,5 milhões após cair em golpe de namorado que fingiu ser espião

Carolyn Woods enfrenta uma batalha na Justiça para recuperar seu dinheiro, após ter sido enganada pelo golpista Mark Acklom.

Mark Acklom fugiu para a Espanha, mas foi extraditado de volta para o Reino Unido em 2019 -  (crédito: Avon & Somerset Police)
Mark Acklom fugiu para a Espanha, mas foi extraditado de volta para o Reino Unido em 2019 - (crédito: Avon & Somerset Police)

Uma mulher enganada por um golpista que alegava ser um espião acredita que nunca vai receber seu dinheiro de volta.

Mark Acklom convenceu a britânica Carolyn Woods de que ele era um agente do MI6, a agência de inteligência do Reino Unido, e um empresário de sucesso, no intuito de pegar suas economias.

Ela diz que perdeu £ 850 mil (cerca de R$ 5,5 milhões) para ele há 12 anos e que a audiência para reaver o dinheiro foi adiada até pelo menos dezembro de 2024.

Acklom, outrora incluído na lista dos dez fugitivos mais procurados da Agência Nacional de Combate ao Crime (NCA, na sigla em inglês), ficou conhecido como "o golpista mais notório da Grã-Bretanha".

Ele admitiu em 2019 ter dado um golpe em Woods no valor de £ 300 mil (R$ 1,9 milhão). Naquele ano, ele foi extraditado da Espanha para o Reino Unido.

Acklom convenceu Woods a emprestar dinheiro para reformar várias propriedades que ele possuía, após ter prometido se casar com ela durante seu relacionamento de um ano.

"Isso está se arrastando há cerca de 12 anos. Não acho que vou receber nenhum dinheiro de volta", diz ela.

Woods havia se separado e vendido sua casa quando conheceu Mark Acklom na loja onde ela trabalhava em Tetbury, no condado de Gloucestershire, em 2012.

"Ele era muito apaixonante na época — até que percebi o quão mal ele era", relembra.

"Ele parece dar o que você quer, mas simplesmente vai embora com tudo."

Segundo ela, as mentiras que ele contou incluíam dizer que era um agente disfarçado do MI6, que muitas vezes trabalhava no exterior com os serviços de segurança britânicos.

Em uma ocasião, Woods afirma que o viu passar calmamente por guardas armados do lado de fora da sede da agência de espionagem em Londres.

Ela agora acredita que os guardas eram atores, e que o episódio foi encenado.

"Eu olho para trás e penso, especialmente em relação ao dinheiro: Como diabos é que me comportei assim? Sou uma pessoa inteligente e racional."

"Mas Mark Acklom me disse que consegue ler as pessoas como livros em poucos minutos. Ele conhece as pessoas melhor do que elas mesmas."

"Ele sabe exatamente o que fazer para que as pessoas ajam da maneira que ele quer."

Woods conta que Acklom a hospedou em um apartamento de luxo em Bath, e prometeu se casar com ela. Ele então a convenceu a emprestar centenas de milhares de libras para ele em uma série de acordos.

Na verdade, ele estava morando com a esposa nas proximidades, enquanto mentia para Woods sobre por que não podia passar mais tempo com ela.

Ele estava usando o dinheiro que ela havia emprestado, inclusive, para pagar pelo apartamento em Bath.

Ao mesmo tempo, Acklom também estava fazendo uma série de outros golpes em Bristol, Bath e Gloucestershire — várias pequenas empresas e empreendedores perderam milhares de libras.

Como ele é fluente em espanhol, acabou fugindo para a Espanha.

'Tento ter esperança'

Woods nunca recuperou nenhuma parte do dinheiro, e diz que tem sido difícil colocar sua vida de volta no eixo.

Acklom foi libertado da prisão na Espanha em 2023, após ser levado de volta para lá.

Isso aconteceu depois de ele ter ficado preso por quase seis anos no Reino Unido por fraudar Woods.

Desde 2019, quando ele se declarou culpado por fraude, houve tentativas de recuperar o dinheiro de Woods por meio da Lei de Produtos do Crime.

A aplicação da lei pode forçar os criminosos a devolver o dinheiro obtido por meio do crime — ou enfrentar uma pena adicional de prisão.

A audiência final destinada a definir a quantia que Acklom precisa devolver estava marcada para abril de 2024, mas foi adiada para dezembro porque o juiz não estava disponível, devido a um conflito de agenda.

"À medida que você fica mais velha, todas as coisas que pensei que estaria fazendo nesta fase da minha vida são simplesmente impossíveis, porque não há dinheiro", desabafa Woods.

"Acima de tudo, gostaria apenas de ser independente e ter meu próprio lugar para morar."

'A prisão faz pensar bem'

A perita contábil Claire Berrington participou de cerca de 70 audiências de confisco com base na Lei de Produtos do Crime. Ela diz que a legislação prevê uma pena de prisão se os criminosos não pagarem o valor estipulado.

"Em muitos casos, estas sentenças são muito maiores do que a sentença pelo crime original que cometeram. A perspectiva de passar mais tempo na prisão faz você pensar bem, como nada mais", diz a especialista.

Mas ela reconhece que criminosos como Mark Acklom são hábeis em esconder seus bens.

"Acho muito improvável que [Carolyn Woods] receba tudo de volta porque, em termos simples, [os criminosos] pegam o dinheiro e gastam", avalia.

"Eles tendem a gastar nas férias e com estilo de vida. São chamados de crimes de estilo de vida por esse motivo."

Mas ela afirma que a Lei de Produtos do Crime é "amplamente bem-sucedida" como método de recuperação de bens de origem criminosa.

Woods acredita que, por ele ser um golpista de longa data, Acklom vai saber como esconder seu dinheiro das autoridades.

"O conselho dele para mim era nunca ter nada em seu próprio nome, porque alguém pode vir e roubar. Então, eu ficaria muito surpresa se descobrissem que ele possui bens em seu próprio nome."

"Eu realmente não acho que vou receber nenhum dinheiro de volta."

"No entanto, acho que ele deveria ser obrigado por lei a me pagar, quer eu veja a cor do dinheiro ou não."

Em comunicado, um porta-voz do governo afirmou: "Mais pessoas estão sendo levadas aos tribunais... e nossos dados mais recentes mostram que o Tribunal da Coroa teve mais dias de sessão no último ano fiscal do que em qualquer momento dos últimos sete anos — totalizando mais de 107 mil sessões."

"Também estamos aumentando o investimento no sistema."

'Obrigação moral' de devolver

Woods também fez um apelo ao banco Barclays para reembolsar seu dinheiro.

Mark Acklom disse a ela para abrir uma conta no Barclays no início do relacionamento, o que ela fez.

Ela depositou as economias nesta conta, transferindo centenas de milhares de libras.

Woods acredita que alguém de dentro do Barclays pode ter ajudado a facilitar a transferência do dinheiro.

"Eu esperava que eles sentissem alguma obrigação moral. Se você olhar meus extratos bancários, pode ver essa hemorragia total de dinheiro."

"Eu sei que efetuei algumas destas transações sob o controle coercitivo de Mark [Acklom]. Eles deveriam ter cuidado mais do meu dinheiro."

Um porta-voz do Barclays afirmou: "Este assunto foi minuciosamente investigado, e compartilhamos nossas descobertas detalhadas com nossa cliente."

"Não encontramos evidências de que membros da equipe do Barclays tenham ajudado na fraude."

Dados obtidos pela BBC em fevereiro revelaram que os registros de golpes em relacionamentos aumentaram quase 60% nos últimos quatro anos, impulsionados em grande parte por criminosos online.

O governo do Reino Unido afirmou que as fraudes em geral estão diminuindo e que lançou recentemente uma nova campanha contra fraudes online.

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BBC
Martin Jones - BBC West Investigations
postado em 16/05/2024 14:08 / atualizado em 16/05/2024 15:47