Estados Unidos

Ex-advogado implica Trump em suborno por silêncio de ex-atriz pornô

Michael Cohen, ex-defensor de Trump, admite no tribunal que ex-presidente aprovou pagamento para evitar que Stormy Daniels revelasse caso extraconjugal e contou ter intimidado jornalistas para evitar publicações negativas

Donald Trump e os advogados Todd Blanche, Emil Bove e Susan Necheles no julgamento, na Corte Criminal de Manhattan  -  (crédito: Steven Hirsch-Pool/Getty Images/AFP)
Donald Trump e os advogados Todd Blanche, Emil Bove e Susan Necheles no julgamento, na Corte Criminal de Manhattan - (crédito: Steven Hirsch-Pool/Getty Images/AFP)

Quando trabalhava como advogado de Donald Trump, Michael Cohen era chamado de "pitbull", tamanha a lealdade canina ao seu cliente. Em um aguardado depoimento à Corte Criminal de Manhattan, em Nova York, Cohen não poupou o ex-presidente, durante julgamento sobre o caso envolvendo o pagamento de propina à ex-atriz pornô Stormy Daniels. Cohen admitiu que o ex-presidente aprovou o repasse do dinheiro secreto a Daniels, para abafar um suposto caso extraconjugal do magnata. Testemunha-chave, o ex-defensor reconheceu que mentiu em favor do ex-chefe e intimidou pessoas e a imprensa para proteger os interesses de Trump. "Era o que tinha que ser feito para cumprir a tarefa", afirmou Cohen.

Ele contou que trabalhava diretamente para o republicano, não para a Organização Trump. Também relatou que conversou duas vezes com Trump para obter sua aprovação, antes do embolso a Daniels, por meio de uma empresa criada por ele, a Essential Consultants LCC. Segundo Cohen, Trump autorizou o pagamento. 

"Apenas faça isso", teria dito o ex-presidente ao então advogado. Cohen declarou que Trump mostrava preocupação com o impacto do escândalo na campanha presidencial de 2016. "Trump disse para mim: 'Isso é um desastre, um desastre total. As mulheres vão me odiar. Isso é realmente um desastre. As mulheres vão me odiar. Cara, eles acham que isso é legal. Mas será um desastre para a campanha'", disse o ex-advogado. 

Em depoimentos anteriores, Cohen tinha revelado que pagou do próprio bolso a quantia de US$ 130 mil (cerca de R$ 684 mil), em troca do silêncio de Stormy Daniels sobre uma suposta relação sexual ocorrida dez anos antes, em 2006. O dinheiro teria sido devolvido ao então advogado por Trump, em pagamento parcelado, simulando despesas legais.

"Não se preocupe"

Nesta segunda-feira (13/5), Michael Cohen confirmou que imediatamente informou o ex-presidente sobre a assinatura de um acordo por parte de Daniels. "Falei com o senhor Trump e expressamos que eu ia adiantar o dinheiro para ele, pelo que se mostrou agradecido", disse Cohen, ao citar uma reunião entre ele, Trump e Allen Weisselberg, responsável pelas finanças do magnata. "Bem, bem", teria dito Trump. "Ele (Trump) respondeu: não se preocupe, vai recuperar o dinheiro."

Durante o julgamento, ele detalhou como ameaçou veículos da imprensa para que não publicassem reportagens negativas para Trump e promoveu a publicação de artigos favoráveis ao republicano. Cohen confirmou que o ex-patrão buscou silenciar a ex-modelo da Playboy Karen McDougal, ao pagar para que ela não tornasse público outro caso extraconjugal. "Ele me pediu para que cuidasse disso, que tínhamos que impedir que isso viesse a público", contou no tribunal, ao citar uma negociação com a revista National Enquire para demovê-la da publicação. Ao deixar a Corte Criminal de Manhattan, Trump criticou o juiz Juan Merchan e o julgamento. "Isso é uma farsa. É terrível o que está ocorrendo com a democracia nesse país", comentou, ao chamar o magistrado de "confuso". 

Professor de direito da Universidade Columbia (em Nova York), John C. Coffee explicou ao Correio que o ponto crítico do depoimento de Cohen está no fato de ele ter dito que Trump sabia e aprovou o seu reembolso como despesa legal, quando, na realidade, era um aval ao dinheiro secreto enviado pelo advogado a Stormy Daniels. "É preciso entender que pagar dinheiro secreto não é ilegal, na maior parte dos casos, mas descaracterizar o pagamento para esconder outro crime (fraude eleitoral) pode ser. Os pagamentos foram feitos a Cohen mensalmente, como despesas jurídicas, ainda que não houvesse nenhum acordo entre eles. Isso é algo novo", afirmou. 

Para Coffee, se o júri acreditar nas palavras de Cohen, provavelmente condenará Trump. "Essa é a aposta atual. Todos sabiam o que o ex-advogado iria dizer na Corte. No entanto, a especificidade com que ele conta a história pode fazer a diferença e tornar o seu testemunho credível para os jurados."

Ex-procurador federal para o Distrito Sul de Nova York, Roland Riopelle sublinhou à reportagem que Cohen é uma das poucas testemunhas que tiveram negócios diretos com Trump. "Por isso, esse depoimento, no caso dos falsos registros de negócios, é crucial para a promotoria", disse. "Se o júri acreditar em Cohen, é certo que Trump será condenado."

TRECHOS DO DEPOIMENTO DE MICHAEL COHEN

"Trump disse para mim: 'Isso é um desastre, um desastre total. As mulheres vão me odiar. Isso é realmente um desastre. As mulheres vão me odiar. Cara, eles acham que isso é legal. Mas será um desastre para a campanha'"

"Ele nem mesmo pensava em Melania (Trump). Isso tudo era sobre a campanha"

"Eu disse a ele que uma das coisas que precisamos fazer é obviamente cuidar disso. Ele disse: 'Com certeza. Faça, cuide disso'" (sobre a primeira publicação da denúncia de Stormy Daniels, em um blog)

"O que fiz foi feito para beneficiar o senhor Trump"

Michael Cohen chega à Corte Criminal de Manhattan para prestar depoimento, em Nova York
Michael Cohen chega à Corte Criminal de Manhattan para prestar depoimento, em Nova York (foto: AFP)

"O senhor Trump respondeu: 'Sem problema, eu cuidarei disso" (sobre o pagamento de propina para a revista National Enquirer, a fim de impedir que a ex-coelhinho da Playboy Karen McDougal dissesse publicamente que tinha um caso com Trump)

"Se eles (jornalistas) publicassem algo que o irritaria (Trump), eu entraria em  contato com a imprensa e expressaria a eles a necessidade de redigir ou retirar o artigo ou entraríamos com um processo contra eles"

"Aproveitei o feriado, Yom Kippur, mais uma vez, tentando adiar, até depois das eleições. Depois da eleição, Trump disse que não se importaria mais" (sobre o pagamento de propina à ex-atriz pornô Stormy Daniels para que ela não contasse sobre o caso extraconjugal com Trump)

 

  •  Former Trump attorney Michael Cohen (L) arrives at Manhattan Criminal Court for the trial of former US President Donald Trump for allegedly covering up hush money payments linked to extramarital affairs in New York City, on May 13, 2024. Donald Trump's criminal trial in New York was expected to hear his former lawyer turned tormentor Michael Cohen testify Monday about his role in what prosecutors say was a cover up of payments to hide an affair. (Photo by ANGELA WEISS / AFP)
    Michael Cohen chega à Corte Criminal de Manhattan para prestar depoimento, em Nova York Foto: AFP
  • (FILES) In this file photo taken on March 06, 2019 US President Donald Trump's former personal attorney Michael Cohen arrives for private testimony before the US House Intelligence committee on Capitol Hill in Washington, DC. President Donald Trump's former personal attorney Michael Cohen will be released early from prison on May 21, 2020 and is expected to serve out the remainder of his sentence at home as coronavirus continues to spread behind bars, according to a person familiar with the matter. Cohen will be released on furlough while he completes the process of being moved to home confinement, the person said.  / AFP / Jim WATSON
    (FILES) In this file photo taken on March 06, 2019 US President Donald Trump's former personal attorney Michael Cohen arrives for private testimony before the US House Intelligence committee on Capitol Hill in Washington, DC. President Donald Trump's former personal attorney Michael Cohen will be released early from prison on May 21, 2020 and is expected to serve out the remainder of his sentence at home as coronavirus continues to spread behind bars, according to a person familiar with the matter. Cohen will be released on furlough while he completes the process of being moved to home confinement, the person said. / AFP / Jim WATSON Foto: Jim Watson/AFP
  •  NEW YORK, NEW YORK - MAY 13: Former U.S. President Donald Trump arrives at his trial for allegedly covering up hush money payments at Manhattan Criminal Court on May 13, 2024 in New York City. Trump was charged with 34 counts of falsifying business records last year, which prosecutors say was an effort to hide a potential sex scandal, both before and after the 2016 presidential election. Trump is the first former U.S. president to face trial on criminal charges.   Steven Hirsch-Pool/Getty Images/AFP (Photo by POOL / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)
    NEW YORK, NEW YORK - MAY 13: Former U.S. President Donald Trump arrives at his trial for allegedly covering up hush money payments at Manhattan Criminal Court on May 13, 2024 in New York City. Trump was charged with 34 counts of falsifying business records last year, which prosecutors say was an effort to hide a potential sex scandal, both before and after the 2016 presidential election. Trump is the first former U.S. president to face trial on criminal charges. Steven Hirsch-Pool/Getty Images/AFP (Photo by POOL / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP) Foto: Steven Hirsch-Pool/Getty Images/AFP
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postado em 14/05/2024 06:00
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