As inundações no Rio Grande do Sul — que provocaram mais de cem mortes e vem afetando milhões de gaúchos — serão um dos momentos definidores da Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, segundo análise da agência Bloomberg.
Nos últimos dias, vários veículos da imprensa internacional destacaram as enchentes no sul do Brasil.
"Os assessores [de Lula] dizem que ele está perfeitamente consciente de que este pode ser o seu 'momento Katrina', uma referência ao furacão de 2005 que pegou o presidente dos EUA, George W. Bush, desprevenido e entrou no vocabulário global como sinônimo de fracasso de liderança em uma crise", afirma o texto da Bloomberg, assinado por Travis Waldron.
A agência disse que Lula reagiu às enchentes com atendimento às necessidades básicas dos afetados, viajando à região e assinando um decreto que retira os gastos emergenciais das regras fiscais.
"Com mais chuva e temperaturas em queda previstas durante a semana, os desafios só vão aumentar", diz o texto da Bloomberg.
"Isso pode dar a Lula a oportunidade de recuperar uma presidência assolada nos últimos meses por rivalidades internas, brigas com o Congresso, escrutínio do mercado sobre os seus planos de gastos e popularidade em declínio."
A Bloomberg diz que Lula foi eleito na esteira da insatisfação da população com a gestão do governo de Jair Bolsonaro durante a pandemia de covid-19 — e que este momento das enchentes pode definir se Lula vai reconquistar sua liderança no país, ou perdê-la de vez.
O jornal britânico Financial Times destacou o prejuízo financeiro do Estado — estimado na ordem de R$ 5 bilhões.
"O Rio Grande do Sul é a quinta maior economia do Brasil e é um importante produtor agrícola e um centro industrial", diz o jornal.
"O Estado é responsável por 70% da produção nacional de arroz, e acredita-se que 10% tenham sido perdidos devido às cheias. Prevê-se também que 30% da colheita de soja do Estado, de 21 milhões de toneladas, pereça. Lula disse que o Brasil importará arroz e feijão do exterior para evitar a escassez de alimentos."
O texto também cita críticas do professor Pedro Luiz Cortês, da USP, às autoridades brasileiras: "Os governos estadual e federal estavam mal preparados para essas emergências climáticas".
'Dívida histórica'
Na quarta-feira (8/5), dia em que o número oficial de mortos chegou a cem, o jornal americano New York Times publicou uma reportagem chamada, em tradução livre, "Imagens de uma cidade brasileira embaixo d'água" — com fotos e relatos das pessoas afetadas.
"O Brasil está enfrentando uma das piores enchentes da história recente. Chuvas torrenciais inundaram o Estado do Rio Grande do Sul, no sul do país, onde vivem 11 milhões de pessoas, desde o final de abril e provocaram graves enchentes que inundaram cidades inteiras, bloquearam estradas, romperam uma grande barragem e fecharam o aeroporto internacional até junho."
A reportagem de Ana Ionova e Tanira Lebedeff narra o drama de alguns dos afetados que conseguiram ser resgatados.
"Muitos dos que ficaram isolados aguardavam ajuda nos telhados. Alguns tomaram medidas desesperadas para fugir: quando o abrigo onde sua família estava inundada, Ana Paula de Abreu, 40 anos, nadou até um barco de resgate enquanto segurava seu filho de 11 anos debaixo do braço. Dois moradores de um bairro de Porto Alegre usaram um colchão inflável para retirar pelo menos 15 pessoas de suas casas inundadas."
O New York Times cita Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília, que diz que "os efeitos do El Niño [nas inundações no Rio Grande do Sul] foram exacerbados por uma combinação de alterações climáticas, desmatamento e urbanização desenfreada".
Em entrevista à BBC News Brasil, Bustamante disse que a região agora afetada é uma área "onde vamos viver muito mais extremos, segundo os modelos climáticos".
O Washington Post, principal jornal da capital americana, também noticiou as enchentes.
"Mesmo em um país cada vez mais habituado a desastres naturais provocados pelas alterações climáticas, as inundações que engoliram o Rio Grande do Sul — um dos Estados mais desenvolvidos e prósperos do Brasil — abalaram gravemente esta nação de 215 milhões de habitantes. Com mais da metade das cidades do Estado enfrentando enchentes [...], o Rio Grande do Sul não foi apenas afetado. Foi arrasado."
A reportagem de Terrence McCoy e Marina Dias diz que, apesar de alertas sobre os efeitos das mudanças climáticas feitos por alguns políticos e cientistas brasileiros, "a retórica produziu poucas mudanças concretas".
"Em um comentário feito exclusivamente ao The Washington Post, Lula atribuiu a devastação no Rio Grande do Sul às falhas da comunidade global em responder às mudanças climáticas. Ele disse que existe uma 'dívida histórica'. Os países mais pobres que historicamente emitiram poucos gases com efeito de estufa, disse ele, estão sofrendo com a poluição das nações mais ricas."
Lula disse ao Washington Post: "Esta foi a terceira enchente recorde na mesma região do país em menos de um ano. Nós e o mundo precisamos nos preparar todos os dias com mais planos e recursos para lidar com eventos climáticos extremos.”
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