Os tanques da equipe de combate da 401ª Brigada das Forças de Defesa de Israel (IDF) avançaram contra a passagem fronteiriça de Rafah, no extremo sul da Faixa de Gaza. Com enormes bandeiras israelenses no topo, os veículos blindados esmagaram uma placa de concreto com a frase "Eu amo Gaza". As IDF passaram a controlar o posto estratégico, situado na fronteira com o Egito, um dia depois de a aviação bombardear a cidade de Rafah, onde 1,2 milhão de palestinos buscavam refúgio.
O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, assegurou que a ofensiva militar em Rafah prosseguirá até a eliminação do movimento extremista islâmico Hamas ou a libertação dos 132 israelenses sequestrados em 7 de outubro passado. Em tese, a manobra em Rafah isola completamente a Faixa de Gaza. Antes mesmo da guerra, o território palestino sofria as consequências de um bloqueio imposto pelo Estado judeu.
O jornal Haaretz anunciou que a captura da passagem fronteiriça é uma tática das IDF para pressionar o Hamas a soltar os reféns. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu divulgou um vídeo, na noite desta terça-feira (7/5), no qual tornou a afirmar que a proposta de cessar-fogo aceita pelo Hamas, na véspera, está "muito distante das exigências necessárias". "Na noite passada (segunda-feira, 6), com o consentimento do gabinete de guerra, ordenei que as IDF ajam em Rafah. Eles levantaram bandeiras israelenses na passagem fronteiriça e derrubaram as bandeiras do Hamas. A entrada em Rafah serve a dois dos principais objetivos da guerra: o retorno de nossos reféns e a eliminação do Hamas", avisou o premiê.
O grupo extremista aceitou a proposta de cessar-fogo apresentada pelo Egito e pelo Catar, mas Israel a rejeitou. As IDF admitem que a operação em Rafah tem "alcance muito limitado contra alvos bastante específicos".
Em mais um sinal de mal-estar entre Estados Unidos e Israel, a Casa Branca criticou o fechamento das passagens de Rafah e de Kerem Shalom. "É inaceitável que permaneçam fechadas", declarou a porta-voz Karine Jean-Pierre. Pouco depois, o governo de Joe Biden anunciou que Israel se comprometeu a reabrir Kerem Shalom. Na segunda-feira, o presidente democrata telefonou para Netanyahu e deixou clara a oposição de Washington a uma ofensiva massiva em Rafah.
A ligação ocorreu no mesmo dia em que as IDF despejaram folhetos sobre o sul de Gaza em que incitavam a população a abandonar o leste da cidade de Rafah. Pelo menos 110 mil palestinos atenderam ao aviso e fugiram, principalmente para Khan Yunis, 9km ao norte de Rafah. O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirbyu, disse esperar que Israel e Hamas consigam "resolver suas diferenças". "Faremos o que pudermos para apoiar o processo", avisou.
Trégua
A agência de notícias France-Presse divulgou que as conversas para uma trégua em Gaza foram retomadas, no Cairo, com representantes do Egito, Catar e Estados Unidos, os três países mediadores. Hamas e Israel enviaram delegações à capital egípcia. A proposta apresentada por Doha e pelo Cairo previa três etapas, cada uma com duração de 42 dias. Ela incluiria uma retirada israelense completa da Faixa de Gaza, o retorno dos deslocados e a troca de reféns por palestinos detidos em Israel, com o objetivo de um "cessar-fogo permanente".
Em entrevista ao Correio, Lorenzo Navone — sociólogo da Universidade de Estrasburgo especializado em fronteiras e conflitos — afirmou que, em 2005, depois do plano unilateral de retirada de Israel da Faixa de Gaza, que incluía o desmantelamento de 21 assentamentos judaicos, a Autoridade Palestina (AP) e o Estado judeu assinaram um acordo para gerenciar os pontos fronteiriços do território. Por meio do pacto, a passagem de Rafah seria operada pela AP e pelo Egito, com a supervisão remota de Israel. "Em 2006, o Hamas venceu as eleições; uma guerra civil eclodiu após o fracasso na formação de um governo nacional; e o Hamas tomou o controle de Gaza, expulsando o Fatah e a PA", disse Navone. "Desde então, o Hamas também governava a passagem de Rafah, o que levou Israel a impor um bloqueio total da Faixa de Gaza."
Segundo o estudioso, nos últimos anos, o posto fronteiriço tem sido controlado pelas autoridades egípcias, de um lado, e pelo Hamas, de outro. "Mas o local não pode ser comparado a uma fronteira internacional, pois Gaza permanece território militar sob ocupação, sem exercício concreto de qualquer forma de soberania palestina. Por sua vez, o Hamas é considerado por Israel, Egito, EUA e União Europeia como uma autoridade ilegítima. Até 7 de outubro, Hamas e Egito controlavam a fronteira, na teoria. Na prática, Israel exerce poder significativo sobre quem é autorizado a atravessar a fronteira", comentou Navone.
Ele acrescentou que a ocupação do lado palestino da passagem de Rafah representa um retorno ao passado. "A manobra recompensa os falcões da direita israelense, que se opuseram ao plano de retirada do ex-premiê Ariel Sharon", avaliou. Para Navone, a manobra de Netanyahu tem duplo objetivo: controlar o trânsito de ajuda humanitária e reduzir a capacidade dos meios de comunicação de testemunhar e "tornar visível o genocídio" palestino.
Sobre o valor estratégico de uma eventual invasão a Rafah, Navone acredita que ele dependerá dos resultados de acordos. Como a ideia de expulsão dos palestinos para fora de Gaza, rumo ao Sinais, parece descartada, Israel deseja expandir a zona de segurança e o controle militar sobre a área da fronteira com o Egito.
PARA SABER MAIS
Conexão vital com o mundo externo
Em tempos de paz e antes do bloqueio imposto por Israel, 17 anos atrás, a passagem fronteiriça de Rafah — que liga o território egípcio à Faixa de Gaza— desempenhava uma função vital para o enclave palestino. Localizada em um ponto da fronteira de 12km com o Egito, era o acesso de pessoas, de mercadorias e de ajuda humanitária a Gaza. Em tese, o funcionamento da passagem de Rafah é controlado pelo governo do Egito. No entanto, por questões de segurança, o Exército monitora todo o sul de Gaza, a partir de sua base militar de Kerem Shalom.
Por meio do posto fronteiriço de Rafah, entravam no território palestino combustível, medicamentos, materiais de construção e gás de cozinha. Pelo menos 500 caminhões carregados de mantimentos atravessavam a fronteira do Egito com Gaza, diariamente, antes de 7 de outubro, quando Israel começou a retaliar o massacre cometido pelo movimento extremista islâmico Hamas. Atualmente, apenas o equivalente a 6% da frota diária ingressa em Gaza.
EU ACHO...
"A cidade de Rafah é, provavelmente, o lugar mais densamente povoado do mundo. Aproximadamente 1,5 milhão de palestinos vivem em uma pequena cidade, sob condições desumanas em termos de saúde, segurança alimentar e condições de moradia.Uma invasão terrestre resultaria, com certeza, em um imenso massacre.É por isso que a invasão do ponto de passagem tem um valor estratégico: o de invisibilizar um possível massacre, mas também o de pressionar o Hamas a aceitar um inconveniente acordo de cessar-fogo."
Lorenzo Navone, sociólogo da Universidade de Estrasburgo especializado em fronteiras e conflitos
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br