Assim que o movimento fundamentalista islâmico Hamas anunciou ter aceitado o plano de cessar-fogo mediado pelo Egito e pelo Catar, por volta das 20h desta segunda-feira (14h em Brasília), demonstrações de alívio se espalharam pela cidade de Rafah, no sul da Faixa de Gaza, fronteira com o Egito. Moradores dispararam para o alto e gritaram pelas ruas o takbir — Allahu Akbar ("Deus é grande"). Mais cedo, as Forças de Defesa de Israel (IDF) lançaram folhetos sobre o leste de Rafah, os quais alertavam que a área seria alvo de uma operação militar. A esperança durou pouco.
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O gabinete do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, classificou a proposta do Cairo e de Doha como "longe das exigências essenciais" de Israel e anunciou que "decidiu continuar com a operação em Rafah para exercer pressão militar sobre o Hamas". O Ministério das Relações Exteriores do Catar confirmou o envio de uma delegação ao Cairo para manter as negociações.
Netanyahu afirmou que mobilizará uma delegação de mediadores para "esgotar as possibilidades de alcançar um acordo" de cessar-fogo. Durante a madrugada, as IDF lançaram intenso bombardeio contra o leste de Rafah — 1,2 milhão de palestinos vivem na cidade. A proposta de trégua prevê três etapas, a serem cumpridas em 124 dias. "As IDF estão operando, neste momento, contra alvos da organização terrorista Hamas, de forma direcionada, no leste de Rafah", afirmou o major Rafael Rozenszajn, porta-voz do Exército israelense. Ao ser questionada pela reportagem se a invasão a Rafah tinha começado, uma fonte das IDF disse "não poder confirmar nenhuma informação adicional".
Daniel Hagari, outro porta-voz das IDF, confirmou que a retirada de Rafah abrangeu "cerca de 100 mil pessoas" e fez parte da "preparação de uma operação terrestre na área". Integrante do gabinete de guerra de Netanyahu, Benny Gantz explicou que "a operação militar em Rafah é parte inseparável dos esforços e do compromisso (de Israel) com o retorno dos sequestrados e com a mudança da realidade de segurança no sul do país".
Pressão
O secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou a Israel e ao Hamas para que façam um "esforço extra necessário" para firmar a trégua e "deter o sofrimento". Volker Turk, alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, advertiu que Al Mawasi — localidade no litoral, a 10km, para onde 100 mil pessoas foram conduzidas, "está superpovoada". "É desumano. Contraria os princípios fundamentais do direito internacional humanitário e das leis dos direitos humanos", observou Turk.
Pela manhã, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, telefonou para Netanyahu e reiterou sua "clara posição" sobre Rafah. A Casa Branca se opõe a uma invasão. O Ministério das Relações Exteriores da Arábia Saudita instou a comunidade internacional a deter um "genocídio" em Gaza.
O ativista Khalil Abu Shammala, 53 anos, contou ao Correio que dezenas de milhares de palestinos fugiram, nesta segunda-feira, de Rafah e buscaram abrigo em Khan Yunis (a 9km) e em Deir Al Balah (a 19km). "Neste momento, vejo pessoas se dirigindo para o norte. Acho que Israel quer controlar a fronteira de Rafah, a fim de dominar a Faixa de Gaza, nos campos militar e de segurança. Essa é uma das principais metas da guerra", disse o morador de Khan Yunis, durante visita a Rafah.
A cada dois ou três dias, Abu Shammala viaja a Rafah, para acessar internet e organizar a distribuição de ajuda. Ele crê que Netanyahu não levará a invasão adiante. "Talvez o premiê queira satisfazer a extrema direita. Biden tem o poder de ordenar a Netanyahu que interrompa a guerra e assine um acordo." O jornal The Jerusalem Post informou que dezenas de palestinos tentaram cruzar a fronteira com o Egito, em Rafah, mas foram impedidos por soldados egípcios.
Moradora de Deir Al Balah (centro), a professora Huda Al Assar, 57, crê na paz. "Tenho a esperança de que, daqui a alguns dias, tudo isso vai terminar. Os dois povos estão cansados", comentou ao Correio. "Perdemos muitas pessoas amadas. Também perdi o prédio onde eu morava. O apartamento onde minha filha e meus três netos viviam foi destruído."
Em Israel, familiares de 132 israelenses em poder do Hamas divulgaram nota na qual sustentam que "agora é o momento de todos os envolvidos cumprirem o seu compromisso e transformarem a oportunidade num acordo para o regresso de todos os reféns". Por meio do WhatsApp, Ali Barakeh — chefe do Departamento de Relações Nacionais do Hamas — disse ao Correio que Israel não conquistou suas metas em sete meses de guerra. "Se seguir tentando por sete anos, não será capaz de nos esmagar. O Hamas não é um prédio que pode ser demolido. É uma ideia e um povo, que não morrerão."
O PLANO DE CESSAR-FOGO
A proposta de trégua consiste em três fases, com duração de 124 dias. Conheça os detalhes abaixo:
Primeira fase
- Teria duração de 40 dias. Haveria um cessar-fogo temporário entre os dois lados. As Forças de Defesa de Israel (IDF) se retirariam de áreas densamente povoadas do leste da Faixa de Gaza para um ponto mais próximo da fronteira israelense.
- Haveria uma suspensão de voos sobre a Faixa de Gaza por oito horas diárias, e de 10 horas diários em dias de libertação de reféns. Israel permitiria um aumento na entrada de ajuda humanitária e de combustível no enclave palestino.
- Ainda na primeira fase, o Hamas libertaria três reféns no primeiro dia do acordo. Depois, três sequestrados a cada 72 horas. Isso se estenderia até o 33º dia. No sétimo dia, o Hamas apresentaria uma lista com os nomes de todos os reféns restantes, separados por categorias específicas (mulheres, crianças, idosos e doentes). Eles seriam soltos no 34º dia.
- No 16º dia da primeira fase, Hamas e Israel começariam conversas indiretas sobre meios para obter uma paz sustentada na Faixa de Gaza. Nesse momento, as organizações não governamentais começariam a fornecer serviços humanitários em todo o enclave.
Segunda fase
- Teria duração de 42 dias. Nesse período, serão concluídos os preparativos necessários para restaurar a "paz sustentável" na Faixa de Gaza.
- Israel receberia todos os reféns sobreviventes do sexo masculino, civis e soldados, em troca de um número acordado de prisioneiros palestinos.
- As Forças de Defesa de Israel se retirariam por completo da Faixa de Gaza.
Terceira fase
- Também teria duração de 42 dias. Os corpos de isralenses mantidos na Faixa de Gaza seriam trocados pelos de extremistas palestinos.
- Um plano de reconstrução da Faixa de Gaza, com previsão de duração de cinco anos, teria início.
DUAS PERGUNTAS PARA...
ALI BARAKEH, chefe do Departamento de Relações Nacionais do Hamas e um dos líderes do grupo no exílio
Por que o Hamas decidiu implementar o plano apresentado pelo Egito e pelo Catar?
O Hamas concordou com um cessar-fogo permamente, a retirada das forças de ocupação da Faixa de Gaza, a reconstrução do território, a troca de prisioneiros e o retorno dos desabrigados. Os mediadores confirmaram que o termo "trégua sustentada" significa interromper as operações militares e hostis de forma permanente. Na primeira etapa, 30 prisioneiros palestinos serão trocados por cada prisioneiro israelense. A retirada ocorrerá em duas etapas. A segunda fase do acordo ocorrerá com as tropas completamente fora de Gaza. No acordo proposto com o qual concordamos não há condições ou restrições para o retorno dos desabrigados aos seu lares. Quando o movimento Hamas concorda com os termos, fala em nome de todas as façcões da resistência palestina, as quais consultamos diariamente.
Israel disse que os termos do acordo estão muito distantes das demandas israelenses. Como vê isso?
Netanyahu está procrastinando, não deseja parar com a guerra. Tenta escapar do acordo, lançando um ataque militar em larga escala sobre a cidade de Rafah. Isso significa mais sangue e mais massacres contra crianças, mulheres e idosos. É óbvio que Netanyahu não será capaz de alcançar nenhuma de suas metas pela força. Ele deve aceitar o acordo e deter a guerra, ao conduzir uma troca de prisioneiros. (RC)
Universidade de Columbia cancela cerimônia de graduação
A Universidade de Columbia, epicentro dos protestos contra a guerra em Gaza, anunciou que cancelou a principal cerimônia de formatura, marcada para 15 de maio, na qual eram esperados cerca de 15 mil alunos e seus familiares. Em vez disso, organizará uma série de eventos com presença reduzida. "Estamos decididos a oferecer a nossos alunos a celebração que eles merecem e desejam", anunciou a universidade americana, sustentando que "eventos escolares menores são melhores para eles e suas famílias". As manifestações em protesto à guerra de Israel contra o Hamas em Gaza abalaram os campi universitários nos Estados Unidos durante semanas, provocando medidas contundentes, prisões em massa e uma medida da Casa Branca para restabelecer a ordem. Na semana passada, a polícia entrou no campus na Universidade de Columbia para expulsar um grupo de estudantes que tinha ocupado um edifício e desmantelar o acampamento montado nos jardins da unidade educacional.
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