Os equatorianos vão às urnas neste domingo (21/4), para manifestar seu apoio ou rejeição a 11 questões em uma consulta popular promovida pelo presidente do país, Daniel Noboa.
A maior parte das questões está relacionada com a área da segurança, como o papel das forças armadas na luta contra o crime organizado, o aumento das penas para crimes graves e a possível extradição de equatorianos.
O Equador atravessa uma profunda crise de segurança pública, registrando cerca de 8 mil mortes violentas em 2023, com uma taxa de homicídio de 44,5 por 100 mil habitantes – a mais alta da América Latina.
A título de comparação, o Brasil registrou 39 mil assassinatos em 2023, com uma taxa de homicídio de 18,1 por 100 mil habitantes, segundo levantamento da InSight Crime.
Mas, no referendo deste domingo no Equador, há também outras questões que têm gerado controvérsia, como a possibilidade de contratos de trabalho por hora e de arbitragem internacional para questões comerciais e investimentos.
Embora Noboa fosse o presidente com maior popularidade na América do Sul no início de março – com 62,5% de avaliação positiva, segundo pesquisa da CB Consultora –, as primeiras semanas de abril não foram fáceis para o presidente, que arrisca grande parte de seu capital político neste domingo.
A invasão à embaixada mexicana em Quito (no dia 5 de abril, com o objetivo de capturar o ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas) trouxe custos relevantes, como o rompimento das relações diplomáticas com o México, uma condenação da Organização dos Estados Americanos (OEA) e o encerramento pela Venezuela de sua embaixada e consulados no Equador.
Além disso, a nação andina sofre uma grave crise energética.
A situação levou Noboa a declarar emergência no setor elétrico, realizar um "racionamento temporário" (com cortes de até 5 horas diárias) e suspender a jornada de trabalho por dois dias (18 e 19 de abril).
Entenda o que está em jogo com a consulta popular deste domingo e o que a aprovação das reformas propostas pode significar para o Equador.
1. Militarização, extradição e endurecimento de penas
Desde que a violência se intensificou no Equador, há cerca de cinco anos, as autoridades do país tem declarado estados de emergência regularmente, para que as forças armadas pudessem apoiar a polícia no combate ao crime organizado.
Um dos objetivos da consulta popular é permitir o apoio complementar dos militares à polícia sem a necessidade de decretar estados de exceção.
Para isso, seria necessária uma reforma parcial da Constituição equatoriana.
Se aprovado, as Forças Armadas poderão prestar apoio por um período de 180 dias (prorrogáveis por mais 30).
Nas palavras de Noboa, os equatorianos exigem "reformas urgentes" que permitam a garantia da segurança.
"Este processo só pode continuar, só pode ser mantido se dermos à polícia e às forças armadas o apoio claro e firme que estamos propondo na consulta popular", disse o presidente.
No entanto, a medida levanta dúvidas.
Jorge Núñez, cofundador do centro Kaleidos da Universidade de Cuenca — que em 2021 elaborou um diagnóstico das prisões equatorianas — afirma que é "um erro".
"Nos últimos meses vimos que a militarização das cidades não funciona. É tentar apagar o fogo com gasolina", diz ele à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.
Já o sociólogo e pesquisador do programa de sociologia política Flacso no Equador, Franklin Ramírez, levanta preocupações na perspectiva dos direitos humanos.
"Parece-me muito complicado", afirma Ramírez.
"Desde 9 de janeiro de 2024, quando foi declarado conflito armado interno no Equador, multiplicaram-se as denúncias contra a polícia e as forças armadas sobre uso da força e violência contra as populações mais empobrecidas."
O presidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), Leonidas Iza, também manifestou preocupação com a medida, alertando que os militares nas ruas podem fazer "o que quiserem".
Numa declaração pública, a Conaie destacou que "o uso habitual das Forças Armadas em tarefas de segurança interna pode levar a uma militarização da sociedade, o que pode ter implicações negativas em termos de direitos humanos e liberdades civis".
Matías Abad, colunista e acadêmico da Universidade de Azuay, tem uma perspectiva diferente. Ele avalia que os militares podem ser um bom apoio para a polícia nestes tempos turbulentos que o país atravessa.
"As forças armadas podem dar uma contribuição positiva trabalhando em conjunto com a polícia em questões como a inteligência", afirma Abad.
"Eles podem se unir, compartilhar informações, traçar estratégias e operações de trabalho conjuntas contra grupos criminosos organizados", acrescenta.
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Outra questão da consulta popular sobre segurança tem a ver com as penas para crimes.
Os equatorianos terão de responder se concordam ou não com o aumento das penas em casos como terrorismo, crime organizado, homicídio, homicídios por encomenda, tráfico de seres humanos ou tráfico de armas, entre outros.
Para isso, o país teria que reformar seu Código Penal Orgânico Integral.
Mais uma vez, para Jorge Nuñez, que também é codiretor do Observatório Prisional do Equador e professor assistente da Universidade de Amsterdã, a medida é equivocada.
"Sabemos que aumentar as penas não resolve ou reduz necessariamente o crime", diz ele.
"O que isso realmente faz é colocar muito mais pressão sobre os sistemas prisionais e torná-los mais caros. Se o Equador não tem controle sobre suas prisões, porque esta seria uma boa medida?"
"A única coisa que estamos fazendo é agravar o problema", acrescenta.
Por outro lado, há quem defenda a medida indicando que poderá ser eficaz para determinados tipos de crimes.
"Há quem avalia tratar-se de uma questão de populismo penal, mas penso que se somarmos todos os elementos, ou seja, se dermos mais competências às forças armadas e fortalecermos o sistema penitenciário, o aumento das penas pode ter um efeito positivo, especialmente para certos tipos de crimes que são muito mais frequentes hoje em dia, como lavagem de dinheiro e mineração ilegal", diz Matías Abad.
Por outro lado, os eleitores terão de decidir se aceitam que alguns dos seus compatriotas possam ser extraditados por crimes definidos na legislação equatoriana.
A extradição já foi rejeitada em consulta popular anterior, promovida pelo ex-presidente Guillermo Lasso em fevereiro de 2023, mas a situação no Equador piorou ainda mais no último ano.
Daniel Noboa enfatizou a necessidade de implementar esta medida para extraditar "os mais perigosos".
Algo com que concorda Matías Abad, que recentemente ocupou o cargo de governador de Azuay, quando trabalhou em estreita colaboração com as forças de segurança.
Para ele, esta política "incomoda grupos criminosos e líderes de gangues".
"Isso vai gerar uma ferramenta adicional de combate ao crime", considera.
"Principalmente no atual sistema prisional, porque ir para a prisão hoje em dia não limita a atividade criminosa."
O pesquisador Franklin Ramírez, por sua vez, reconhece que pode ser uma "ferramenta que faça os líderes de grupos criminosos pensarem que enfrentarão uma justiça mais eficiente".
"Mas não será a chave que irá desfazer os nós da luta contra a insegurança", acrescenta.
Esta perspectiva é partilhada pelo antropólogo Jorge Núñez.
"O que os cidadãos devem saber é que mesmo que a extradição seja implementada, os processos demoram porque é necessário um acordo legal entre os países", afirma.
"Não é uma solução para os problemas da violência. Parece um grande passo, mas na realidade não é", acrescenta.
A oposição equatoriana afirma que os temas relacionados à segurança que serão votados na consulta popular já estão sendo discutidos na Assembleia Nacional, como é chamado o Congresso do Equador.
Insistem, portanto, que o referendo é "desnecessário".
2. Flexibilização do mercado de trabalho e arbitragem internacional
Além das questões relacionadas à segurança, a consulta popular também aborda outros temas.
Um deles tem a ver com a reforma do Código do Trabalho equatoriano para legalizar o contrato de trabalho temporário e por hora, algo que a atual Constituição daquele país não considera válido.
Segundo a ministra do Trabalho, Ivonne Núñez, isso dará a possibilidade de ingresso no mercado formal a "mais de 70% da população economicamente ativa, que não tem emprego pleno ou direto”, disse ela em entrevista ao jornal El Universo.
Entre os pontos da cédula que será usada no processo de votação, há um trecho que destaca que "a situação do emprego no Equador exige a adoção de medidas para gerar novas modalidades e empregos; sem afetar a segurança jurídica ou os direitos adquiridos dos trabalhadores".
No entanto, a oposição a Noboa levanta dúvidas quanto a isso.
"Isso trará mais pobreza, contração da economia e insegurança no emprego. Não esqueçamos que antes de 2008 já tínhamos esse sistema trabalhista. Nunca gerou empregos", disse Luisa González, ex-candidata presidencial correísta (ligada ao ex-presidente Rafael Correa, maior força de oposição), em entrevista à rádio Huancavilca.
Jorge Núñez também acredita que a "precarização do mercado de trabalho" vai aumentar.
"Isso não vai gerar mercados mais dinâmicos. O problema do Equador é o emprego adequado. Há 60% de comércio informal e são eles que vão ficar mais vulneráveis", afirma.
"Então vai gerar o objetivo oposto ao que se busca: um adensamento da economia informal", acrescenta.
Por sua vez, Matías Abad afirma que as leis trabalhistas atuais do Equador são "anacrônicas" e não regulam a "nova dinâmica" do mercado de trabalho.
"Acredito que é uma oportunidade para alguns segmentos terem mais opções de trabalho. Por exemplo, estudantes. E do ponto de vista da empresa, vai gerar um incentivo à contratação", afirma.
Os equatorianos também terão de expressar a sua opção frente a uma pergunta sobre arbitragem internacional – procedimento extrajudicial utilizado para a solução de disputas comerciais entre partes de diferentes países.
"Você concorda que o Estado equatoriano reconheça a arbitragem internacional como um método para resolver disputas em questões de investimento, contratuais ou comerciais?"
Segundo o governo Noboa, esta disposição visa proteger investidores estrangeiros através de instrumentos internacionais e da previsão de arbitragem para resolver possíveis conflitos.
"Votar sim na questão da arbitragem internacional é votar por mais investimento estrangeiro no país", disse o vice-ministro do governo, Esteban Torres, em entrevista ao programa Hora 25.
O doutor em Jurisprudência e ex-juiz do Tribunal Constitucional do Equador, Ramiro Ávila Santamaría, escreveu em coluna publicada pelo meio de comunicação GK que a atual Constituição equatoriana proíbe a arbitragem porque considera que "o Estado se coloca em situação de vulnerabilidade frente a agentes de empresas privadas transnacionais".
A reforma proposta na consulta popular eliminaria esta proibição e colocaria o Estado e as empresas privadas em "condições de igualdade" e, portanto, o Estado equatoriano ficaria enfraquecido, na visão do acadêmico.
Mas Matías Abad avalia que "se o Equador quiser receber mais investimento estrangeiro, são necessários certos tipos de mecanismos que proporcionem segurança e estabilidade jurídica".
"Sem dúvida, a arbitragem dará essa confiança e reduzirá o risco do país", opina.
3. Futuro político de Daniel Noboa
Quando Daniel Noboa venceu as eleições presidenciais do Equador, em outubro do ano passado, sabia que seu período no comando do país seria curto: apenas até maio de 2025.
Isto porque o então presidente que deixava o cargo, Guillermo Lasso, convocou eleições antecipadas num momento em que a Assembleia Legislativa debatia um julgamento político contra ele.
Mas em fevereiro, Noboa anunciou o que muitos já esperavam: que vai concorrer à reeleição nas eleições presidenciais de fevereiro de 2025.
Essa decisão faz com que esta consulta popular seja interpretada por muitos analistas como uma espécie de "trampolim eleitoral" com o qual Noboa procura se fortalecer para as eleições presidenciais, caso vença.
Mas o processo também é visto como uma espécie de referendo sobre sua gestão.
"Há muito tempo que Noboa fala em consulta popular. Na lógica do 'candidato-presidente' recorrer a um mecanismo plebiscitário era, segundo os cálculos presidenciais, uma boa plataforma de comunicação política", afirma o pesquisador da Flacso, Franklin Ramírez.
Segundo analistas, nas últimas semanas — e dentro desta lógica eleitoral — o presidente tem tentado passar uma imagem de "pulso firme" e caráter forte contra o crime organizado.
Para Ramírez, o mais importante é que, se o voto Sim vencer com força, os adversários de direita de Noboa ficam enfraquecidos e seu caminho eleitoral fica mais livre.
Jorge Núñez tem opinião semelhante.
“A consulta pode ser vista como 'primárias' da direita. Se ele vencer, todas as correntes vão aceitar Noboa como seu líder."
"É o teste decisivo para o presidente", acrescenta.
No entanto, o ataque à embaixada mexicana no Equador e a crise energética podem tirar votos.
Para os especialistas, isso pode ser muito prejudicial para o futuro eleitoral de Noboa.
"Se ele perder a consulta, será um golpe muito forte", afirma Matías Abad.
"O risco real é que a imagem dele afunde e dê lugar a novas figuras que aspiram a ocupar o mesmo espaço ideológico do presidente", acrescenta o ex-governador.
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