O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se encontra nesta quarta-feira (17/04) com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, em Bogotá, capital colombiana.
Em comum, os dois foram os primeiros presidentes de esquerda dos seus respectivos países – embora com quase 20 anos de diferença, Lula em 2003 e Petro em 2022.
Mas em vez de um mero encontro entre dois líderes do mesmo campo político, a reunião acontecerá com o pano de fundo do que ambos veem como uma ameaça: o avanço da chamada direita radical na América Latina.
Lula chega à Colômbia na noite desta terça-feira. Na quarta, ele participa de uma reunião bilateral com Petro, de um fórum empresarial e da abertura da Feira do Livro de Bogotá. O Brasil é o país convidado do evento.
Oficialmente, os dois presidentes vão conversar sobre possíveis acordos na área comercial, cultural e de segurança. A situação política na Venezuela também deverá ser discutida por ambos.
Mas o encontro entre Lula e Petro acontece num momento em que a região assiste ao avanço de um fenômeno que vem sendo chamado de "bukelização" da política regional, tema que estará "no radar" das conversas entre os dois presidentes, segundo uma fonte diplomática brasileira que acompanhará o encontro.
O termo é uma referência ao presidente de El Salvador, Nayeb Bukele, um político de direita eleito pela primeira vez em 2019 e reeleito em 2024 com um discurso de combate à violência.
A redução drástica (e controversa) nos índices de homicídios no país transformou Bukele em um político popular em diversos países da América Latina, entre eles a Colômbia, Equador e Argentina. Os dois últimos governados por presidentes de direita.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontaram que o avanço da "bukelização" na América Latina é uma preocupação da esquerda na região, na medida em que ela parece oferecer uma solução "rápida" para uma das maiores preocupações para as populações dos países da região: a insegurança.
Segundo eles, o encontro entre Lula e Petro pode ser visto como uma tentativa desses líderes de mostrar que há algum tipo de união das esquerdas como uma contrapartida ao crescimento da direita e da direita radical na região.
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'Bukelização' em curso
A "bukelização" da América Latina é como vem sendo chamado por analistas e cientistas políticos o processo de aumento da popularidade do presidente salvadorenho e de figuras que ecoam os seu discurso em países da região.
Na Colômbia, por exemplo, um levantamento feito pela empresa de pesquisas Datexco em maio de 2023 apontou que 55% dos entrevistados diziam querer um presidente como Bukele.
"A bukelização não acontece apenas na Colômbia", diz Yulieth Martinez, doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora visitante na Escola de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Comportamentais (GSBS) da Universidade de Konstanz, na Alemanha.
"Isso é um fenômeno que está acontecendo em outros países da América Latina por conta das condições de segurança pública nesses países que são muito parecidas."
Bukele tem 42 anos de idade e sua eleição surpreendeu a classe política do país. Ele fez do combate à violência a sua principal bandeira política.
O mote deu resultado no país que, em meados dos anos 2000, ostentava algumas das taxas de homicídios mais altas do mundo.
No poder, Bukele implementou uma série de medidas que fizeram as taxas de homicídio caírem drasticamente.
Ele iniciou operações de combate às chamadas pandillas (termo em espanhol para quadrilhas) que controlavam diversas partes do território das grandes cidades do país.
As medidas passaram a surtir efeito. Em 2019, o país registrou 38,2 homicídios a cada 100 mil habitantes.
Em 2022, esse número caiu para 7,8 a cada 100 mil habitantes, segundo dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC).
Em 2023, segundo a Polícia Nacional do país, o país reduziu ainda mais essa taxa, chegando a 2,4 homicídios por 100 mil habitantes. Na comparação com 2019, a redução foi de 93,7%.
No Brasil, a taxa é de 19,4 homicídios por 100 mil habitantes, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Entidades que atuam na defesa dos direitos humanos, no entanto, acusam o governo salvadorenho de usar métodos autoritários para combater o crime, como a suspensão de direitos constitucionais, detenções arbitrárias e desrespeito ao devido processo legal.
"Não pode ser um sucesso reduzir a violência das gangues substituindo-a pela violência estatal", disse em março deste ano a diretora para Américas da organização não-governamental Anistia Internacional, Ana Piquer.
O governo de Bukele, por sua vez, se defende afirmando que as medidas visam apenas combater o poder de quadrilhas criminosas.
Apesar disso, com a insegurança entre as principais preocupações de moradores das grandes cidades da América Latina, os resultados de Bukele nesta área alavancaram sua popularidade em países vizinhos.
No Equador, por exemplo, o presidente de direita Daniel Noboa anunciou que o país construiria "megaprisões" inspiradas no Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), um complexo prisional de grandes proporções construído pelo governo Bukele, com uma capacidade estimada para abrigar até 40 mil presos.
No Brasil, o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) já visitou o Cecot e fez elogios públicos a Bukele.
Em seu perfil no X (antigo Twitter), o parlamentar defendeu o Estado de exceção implementado por Bukele. "Fazendo o que tem que ser feito", disse.
Preocupação no Brasil e na Colômbia
O diplomata brasileiro com quem a BBC News Brasil conversou aponta que a preocupação dos dois presidentes é de que o discurso classificado por ele como "populista" ganhe tração na região e "normalize" a ideia de que os fins justificariam os meios no combate à violência.
O temor é de que isso possa turbinar a popularidade de políticos de direita que adotam discursos parecidos em diversos países da região.
O entendimento no governo brasileiro é de que a "bukelização" não seria um processo inevitável, uma vez que Lula venceu Bolsonaro em 2022, político a quem Bukele é comparado. Mesmo assim, a preocupação é de que adversários políticos "surfem" na onda da popularidade de Bukele nas próximas eleições da região.
O professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Oliver Stuenkel avalia que o encontro de Lula e Petro tem uma função estratégica neste contexto.
"É uma tentativa de mostrar união diante da visibilidade e do destaque regional do Bukele, uma vez que ele inspira outros líderes da direita", diz Stuenkel.
"No Equador, temos o [Daniel] Noboa. No Chile, há outros líderes que também se inspiram nele. E na Argentina, temos o [presidente Javier] Milei."
Na Colômbia, a tensão entre Bukele e Gustavo Petro já se mostrou evidente em debates públicos mantidos pelos dois através das redes sociais.
Em março de 2023, Petro comparou as prisões salvadorenhas a "campos de concentração" e criticou aqueles que as veem como um sinônimo de segurança.
"Creio que há gente que goste disso (...) de ver a juventude nas prisões e acreditam que isto é segurança e faz crescer a popularidade", disse Petro.
Bukele respondeu em uma postagem no X (antigo Twitter).
“Os resultados pesam mais que a retórica. Desejo que a Colômbia de fato consiga baixar os índices de homicídios como os salvadorenhos têm conseguido”, disse Bukele.
Foi então a vez de Petro rebater.
"Passamos de 90 homicídios para cada 100 mil habitantes em 1993 em Bogotá para 13 homicídios para cada 100 mil habitantes em 2022", disse o presidente Colombiano.
"Não fizemos prisões, mas universidades. É bom comparar as experiências. Te proponho um foro internacional", acrescentou.
Lula e Bukele não travaram embates públicos até o momento. Nos bastidores, o governo do salvadorenho é visto com desconfiança pela gestão petista, especialmente por sua proximidade retórica com o bolsonarismo.
Bukele, por sua vez, adotou um tom mais moderado em relação a Lula do que o usado com Petro.
Em discurso em fevereiro, Bukele disse que nunca havia conversado sobre segurança com Lula.
"Falei algumas vezes com o presidente Lula. Mas ele nunca mencionou a questão da segurança pública para mim. Imagino que tenha sua própria maneira de abordar e de lidar com a situação", disse o salvadorenho.
A pesquisadora Yulieth Martinez afirma que o crescimento da "bukelização" na Colômbia chama atenção pelo histórico do país no combate ao crime.
Ela diz que há proximidade ideológica entre Bukele e o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe, que governou o país entre 2002 e 2010.
Mesmo fora do poder, Uribe continua sendo uma das figuras políticas da direita colombiana mais importantes do país.
Na gestão de Uribe, a Colômbia, apoiada pelos Estados Unidos, intensificou o combate às guerrilhas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em ações que levaram à morte de milhares de pessoas e a questionamentos sobre os métodos usados pelas forças estatais na época.
Relatórios de entidades de defesa dos direitos humanos apontam mortes ilegais executadas por militares e colaboração do Estado com paramilitares.
No país, diversos políticos alinhados a Uribe também passaram a defender slogans e bandeiras de Bukele.
Entre eles está a senadora Maria Fernanda Cabal, próxima ao ex-presidente colombiano. Em suas redes sociais, ela faz elogios ao presidente salvadorenho.
No final de 2023, o pastor evangélico Jaime Béltran foi eleito prefeito da cidade Bucaramanga, capital do departamento de Santander, após ficar conhecido como "Bukele da Colômbia". Entre suas principais plataformas estava o combate à violência.
Nas redes sociais, Béltran descreveu Bukele como um "líder que entendeu que a segurança do seu povo é prioridade".
O 'fantasma' venezuelano
Um dos principais temas das conversas entre Lula e Petro durante o encontro será a situação política na Venezuela.
Os dois mandatários são politicamente próximos ao presidente venezuelano Nicolás Maduro, mas manifestaram, nas últimas semanas, preocupação com o processo político no país que tem eleições presidenciais previstas para julho deste ano.
Diante dos relatos de que candidatos de oposição estariam sendo impedidos de se registrarem para o pleito, o presidente Lula classificou como "grave" o impedimento de Corina Yoris de registrar sua candidatura.
"O dado concreto é que não tem explicação. Não tem explicação jurídica, política, você proibir um adversário de ser candidato", disse Lula em março.
O governo colombiano também demonstrou sua preocupação com o episódio. Na semana passada, Petro foi à Venezuela e se encontrou com Maduro e líderes da oposição ao regime venezuelano.
Para Yulieth Martinez, a crise política na Venezuela é uma espécie de "fantasma" para Lula, Petro e para a esquerda sul-americana.
"A Venezuela é um fantasma para Lula e para Petro por conta da incapacidade de se resolver essa questão", diz a pesquisadora.
"É um fantasma para o Brasil, a Colômbia e para toda a América do Sul."
Segundo ela, a crise no país vizinho que já levou 7,7 milhões de pessoas a deixarem o país (segundo dados da Organização das Nações Unidas) é explorada pela direita sul-americana para fustigar líderes de esquerda.
"A direita nesses países está de olho em como mandatários como Lula e Petro vão se posicionar em relação às eleições da Venezuela", diz a pesquisadora.
Impasse na região
Para Stuenkel, o encontro de Lula e Petro também acontece em um momento de indefinição sobre a liderança regional na América do Sul.
Segundo ele, havia uma expectativa de que Lula pudesse retomar o protagonismo de líder regional que ele teria exercido em seus dois primeiros mandatos, mas esse cenário não se repetiu.
"O potencial que alguns viam quando Lula fez a viagem a Buenos Aires [para a reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, em janeiro de 2023] não se concretizou. Alcançou-se muito pouco no nível regional."
O grande encontro de presidentes sul-americanos [ocorrido em maio de 2023, em Brasília] também não gerou muitos resultados concretos e acabou sendo dominado por divergências em relação à Venezuela, observa Stuenkel.
Para o professor, o encontro de Lula e Petro pode representar uma tentativa de apresentar um fato novo no cenário geopolítico regional.
"Penso que pode haver uma tentativa de desenvolver alguma narrativa nova porque, de fato, em função de múltiplos desafios como a crise migratória, a situação na Venezuela, e o cenário geopolítico global complicado, um debate sobre o futuro da América do Sul e seus principais projetos de cooperação saiu do radar", avalia.
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