CONJUNTURA POLÍTICA

Por que Brasil não condenou ataque iraniano a Israel?

Para especialistas, nota brasileira reflete piora da relação com Israel e pressão de grupos de esquerda sobre Lula.

O estremecimento entre Brasil e Israel experimentou novo capítulo neste fim de semana, após o governo brasileiro deixar de condenar o ataque iraniano ao território israelense.

No sábado (13/4), o Irã realizou, pela primeira vez, ataques diretos contra o território de Israel, com o lançamento de muitos misses e drones.

Os dispositivos — mais de 300, segundo Israel — não chegaram a atingir o país, porque foram interceptados pelo sistema de defesa aéreo israelense, com apoio de aliados, como Estados Unidos e França.

O governo iraniano disse que a ação era uma resposta ao ataque ao seu consulado na Síria, no dia 1º de abril, que Teerã atribuiu a Israel (embora Israel não tenha confirmado ser o autor).

O bombardeio matou 13 pessoas, incluindo um general de 63 anos com um longo histórico de serviços prestados ao Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC, na sigla em inglês), o poderoso exército paralelo do Irã – e o mais numeroso dentro das suas Forças Armadas.

Naquela ocasião, o Itamaraty divulgou uma nota condenando o ataque ao consulado iraniano, sem mencionar Israel diretamente.

Agora, após os ataques iranianos, a diplomacia brasileira também se posicionou por meio de nota, em que manifestou preocupação com a situação no Oriente Médio, mas não condenou expressamente a agressão.

"O Governo brasileiro acompanha, com grave preocupação, relatos de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel, deixando em alerta países vizinhos como Jordânia e Síria", diz a nota, divulgada na noite de sábado.

"Desde o início do conflito em curso na Faixa de Gaza, o Governo brasileiro vem alertando sobre o potencial destrutivo do alastramento das hostilidades à Cisjordânia e para outros países, como Líbano, Síria, Iêmen e, agora, o Irã", continua o comunicado.

A nota pedia ainda "a todas as partes envolvidas que exerçam máxima contenção" e conclamava "a comunidade internacional a mobilizar esforços no sentido de evitar uma escalada".

A falta de uma condenação gerou críticas por parte do governo israelense e de políticos da oposição no Brasil.

Na segunda-feira (15/4), em meio à reação negativa, o chanceler Mauro Vieira disse a jornalistas que "o Brasil condena sempre qualquer ato de violência e o país conclama sempre o entendimento entre as partes".

Ele também argumentou que a nota foi redigida na noite de sábado.

"Isso foi feito à noite, num momento em que não tínhamos claros a extensão e o alcance das medidas tomadas", disse.

EPA-EFE/REX/Shutterstock
'Brasil condena sempre qualquer ato de violência', disse Mauro Vieira, após críticas

Manifestação foi 'incompleta e desbalanceada', diz Rubens Barbosa

Para o diplomata aposentado Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, a nota do Itamaraty ficou "incompleta e desbalanceada", ao não condenar a ação do Irã como havia feito no caso do ataque ao consulado iraniano.

Na avaliação dele, a decisão de não condenar a ação iraniana está relacionada ao "problema de relação" entre os governos de Brasil e Israel.

"O Brasil deveria ter condenado também [o ataque contra Israel] para ter uma posição equivalente, até para não dar margem a isso que eu estou dizendo, [a críticas de] que o Brasil teve uma posição desequilibrada", ressalta.

A relação entre Brasil e Israel tem piorado em meio a duras críticas do governo brasileiro aos ataques a Gaza, que já duram seis meses e mataram mais de 33 mil pessoas, a maioria delas civis, de acordo com o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas.

A ação israelense – considerada desproporcional pelo Itamaraty – foi uma resposta à invasão de Israel por terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023, quando mais de 1,2 mil israelenses, a maioria civis, foram mortos, e outras 253 pessoas foram levadas pra Gaza como reféns.

A situação entre Brasil e Israel se agravou em fevereiro, após Lula comparar a ação de Israel em Gaza ao Holocausto promovido pelo governo nazista da Alemanha, que matou milhões de judeus na tentativa de exterminar esse povo.

Como resposta, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, chamou o embaixador brasileiro, Frederico Meyer, para um encontro no Museu do Holocausto.

Na ocasião, afirmou que Lula tornou-se "persona non grata" no país e não é bem-vindo em Israel.

Após o episódio, o Itamaraty convocou Meyer de volta ao Brasil, numa ação que demonstra a insatisfação brasileira com a atitude israelense.

Para Rubens Barbosa, não há uma crise entre Brasil e Israel, mas entre os governos dos dois países.

Na sua leitura, o Itamaraty tem sido coerente, no atual governo, com a posição tradicional da diplomacia brasileira de defender o direito palestino a um Estado independente e de criticar a ocupação de seu território por Israel.

O que destoou, na sua avaliação, foi a fala de Lula.

"Foi um ponto fora da curva. Daí o choque com o governo de Benjamin Netanyahu [primeiro-ministro israelense], que é um governo de extrema-direita, enquanto o governo brasileiro é de centro-esquerda", analisa.

Na sua avaliação, trata-se de um problema conjuntural, que deve melhorar quando houver uma troca de governo em Israel. Novas eleições estão marcadas apenas para outubro de 2026, mas opositores de Benjamin Netanyahu pressionam para que o pleito seja antecipado, o que é possível em um regime parlamentarista.

"Não houve nenhuma modificação da relação entre o Estado de Israel e o Estado do Brasil. Tem muito interesse econômico, comercial e até de defesa [entre os dois países]. Então, isso vai passar quando mudar o governo lá", afirma.

Para Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a manifestação do Itamaraty sobre os ataques reflete a atual relação bilateral do Brasil com os dois países, Irã e Israel.

Ele lembra que, enquanto a relação com Israel sofreu uma forte deterioração, o Brasil mantém maior proximidade com o Irã, que no ano passado passou a integrar os Brics, grupo originalmente composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

"O Brasil foi econômico na sua expressão de solidariedade [com Israel], e acho que assim será daqui por diante. Não se espere um Brasil simpático às causas do Estado israelense, não se espere um Brasil que vá apontar o dedo para o Irã, que é hoje um país mais próximo do arco de alianças do Brasil", ressalta.

"A expressão oficial do Itamaraty foi pacifista. Só não foi pró-Israel. Esse é o equilibrismo discursivo que salta aos olhos", disse ainda.

'Reação dura a Israel reflete pressão da esquerda', diz pesquisadora

Pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da USP e colaboradora do Instituto Brasil-Israel, Karina Calandrin também acredita que a relação ruim dos dois governos contribuiu para o Itamaraty não condenar o ataque do Irã.

Além disso, ela vê uma tradição nos governos petista de adotar uma posição mais dura em relação a Israel.

Para Caladrian, isso seria reflexo da pressão de alas do PT e de grupos mais à esquerda da base eleitoral de Lula, que têm a causa palestina como uma bandeira importante e veem Israel como "uma extensão dos Estados Unidos".

"Então, se em outras políticas do governo, a gestão Lula teria desagradado essas alas mais à esquerda de eleitores, o governo acaba achando a política externa como um caminho para agradar esses grupos", analisa.

Caladrian ressalta, porém, que a piora na relação entre Israel e Brasil reflete erros dos dois lados.

"Eu acho que a ação israelense em Gaza é injustificada, então o presidente Lula tem total direito de criticar a ação israelense de maneira geral. O erro, o meu ver, naquela fala polêmica, foi a questão do holocausto", ressalta.

E, por outro lado, diz, a reação do governo israelense, ao convocar o embaixador brasileiro ao memorial do Holocausto "foi fora da praxe diplomática e elevou o tom da crise".

"O atual governo de Israel se insere nessa extrema-direita internacional. Então, quando troca o governo no Brasil [de Jair Bolsonaro para Lula], era esperado que as relações fossem mudar", ressalta.

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