O Irã lançou um ataque direto contra Israel pela primeira vez, na noite de sábado (13/4),
Teerã classificou a ação como uma retaliação – o Irã havia prometido uma resposta depois de um ataque contra sua representação diplomática em Damasco, na Síria, no início deste mês. O Irã culpa Israel, embora o país não tenha assumido a autoria.
Após a ofensiva de sábado, o governo israelense disse que, com a ajuda dos Estados Unidos e outros aliados, interceptou 99% dos drones e mísseis lançados contra seu território.
Os confrontos recentes inauguram uma nova era de tensões no Oriente Médio, que é observada de perto pelo resto do mundo.
Mas qual o potencial desse confronto escalar ainda mais e arrastar outros atores regionais e globais para a disputa?
Segundo analistas, é difícil fazer previsões. Mas o que acontece a seguir dependerá em grande parte de como Israel responderá aos acontecimentos do final de semana.
Para May Darwich, professora de Relações Internacionais do Oriente Médio da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, a situação está relativamente contida no momento, mas não há garantias de que se manterá assim.
"Tudo pode mudar no futuro, são muitas variáveis", diz a pesquisadora egípcia. "Mas é fato que esse ataque foi muito significativo para a dinâmica regional."
"No passado, a dissuasão entre Irã e Israel era mantida por meio de uma guerra por procuração [jargão que indica um conflito armado no qual dois países se utilizam de terceiros como intermediários ou substitutos, para não lutarem diretamente entre si], de rivalidades indiretas e ataques indiretos. Mas esta é a primeira vez que há um confronto direto entre os dois."
O fator americano
Após o ataque iraniano, Benny Gantz, líder da oposição israelense que integra o gabinete de guerra do governo desde os ataques do Hamas em 7 de outubro, disse que Israel vai responder "quando chegar a hora" e vai "cobrar o preço".
"Israel contra o Irã, o mundo contra o Irã. Este é o resultado. Esta é uma conquista estratégica que devemos aproveitar para a segurança de Israel."
As palavras que Gantz não excluíram ataques a alvos iranianos ou um ataque direto de Israel dentro do Irã.
Mas os Estados Unidos, os mais importantes aliados israelenses no momento e cuja assistência foi essencial para bloquear os mísseis e drones iranianos na noite de sábado, pedem contenção a Israel.
Segundo Jeremy Bowen, editor de notícias internacionais da BBC, o governo americano e seus aliados receberam diversos alertas sobre a investida de Teerã.
O presidente Joe Biden teve tempo suficiente de retornar à Casa Branca depois de uma viagem de fim de semana ao seu Estado natal, Delaware.
O Irã também optou por iniciar o ataque não com seus mísseis balísticos supersônicos, mas com drones lentos, identificados pelos radares durante duas horas à medida que se aproximavam dos seus alvos.
O ataque foi maior do que muitos analistas esperavam do inimigo mais ferrenho de Israel. Pela primeira vez o Irã lançou bombardeios – cerca de 300 drones, mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos – do seu próprio território contra o de Israel.
Mas quase todos foram interceptados pelas armas de defesa de Israel, reforçadas pelos EUA, Reino Unido, França e Jordânia.
Ao longo da noite, o governo israelense recebeu diversos sinais do presidente Joe Biden, que reafirmou "o firme compromisso da América com a segurança de Israel".
Em troca, os americanos pedem moderação. Segundo Bowen, Biden enviou ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu uma mensagem clara.
Algo na linha de "o ataque do Irã foi frustrado, Israel obteve uma vitória. Não agrave ainda mais a situação respondendo com ataques militares em solo iraniano."
Para May Darwich, os EUA enfatizaram que não estão interessados em fazer parte de uma guerra – e antes mesmo dos ataques iranianos esclareceram que não participaram ou tiveram conhecimento prévio do atentado ao consulado em Damasco.
E essa posição pode ser essencial para coibir a expansão do confronto.
"Neste momento, a escalada está de certa forma contida e é controlada pelo fato de os EUA manterem as coisas em um certo nível que não pode ser ultrapassado", diz a pesquisadora.
E se os Estados Unidos não estão interessados em mais um confronto expandido, também não há qualquer indicação de que outros importantes atores globais de fora do Oriente Médio possam se envolver diretamente.
"Para China e Rússia, uma guerra pode ser uma boa notícia se os EUA forem arrastados e tiverem sua influência a nível global diminuída", diz Darwich.
"Portanto, eles não precisam e não tem interesse de estarem envolvidos diretamente. Digamos que os EUA estejam fazendo isso por eles."
A pesquisadora, porém, não descarta a possibilidade dessas duas potências se envolveram por meio de apoio logístico e fornecimento de armas, caso o conflito escale.
'Assunto concluído'
Contenção também parece ser o desejo do Irã no momento.
Após os ataques, a missão iraniana na ONU afirmou que "o assunto pode ser considerado concluído".
O ministro das Relações Exteriores iraniano, Hossein Amir-Abdollahian, disse ainda ter informado os EUA de que os ataques contra Israel seriam "limitados" e para autodefesa.
Segundo Siavash Ardalan, da BBC Persa, a ação iraniana foi uma retaliação ao que o governo local considera como operações "cada vez mais ousadas" dos israelenses.
O Irã culpa Israel pelo ataque ao edifício da embaixada em Damasco que matou 13 pessoas, incluindo o brigadeiro-general Mohammad Reza Zahedi, uma figura importante da força Quds, ramo paramilitar de elite da Guarda Revolucionária do Irã, responsável pelo relacionamento com governos e grupos aliados de Teerã.
Teerã também estaria respondendo a agressões contra grupos aliados na Síria e no Líbano, assassinatos de cientistas nucleares e outras ações que atribuem a Israel, diz Ardalan.
"O ponto da virada foi o ataque ao consulado. Acho que o cálculo e o pensamento iranianos envolveram algo como 'se não traçarmos uma linha agora, onde isso irá parar'?", avalia Ardalan.
Lina Khatib, pesquisadora especialista em Oriente Médio ligada à Chatham House, uma consultoria e centro de pesquisas em Londres, afirmou à BBC que o objetivo do Irã foi "proporcionar uma espécie de espetáculo para o mundo testemunhar".
Para ela, a ofensiva foi amplamente coreografada e bastante limitada – e "o Irã não quer que a coisa se torne uma escalada de tensões."
"O Irã queria enviar uma mensagem muito clara e firme para impor respeito e ser visto como capaz de responder diretamente a Israel [após o ataque em Damasco]", diz.
Lyse Doucet, correspondente internacional chefe da BBC, concorda.
"Ficou muito claro pela natureza desse ataque que ele foi cuidadosamente calibrado. Ainda estamos esperando o que Israel vai fazer, mas o Irã não quer provocar uma espiral crescente", diz.
Para Jeremy Bowen, editor de notícias internacionais da BBC, o Irã possui força militar suficiente para realizar um ataque de maior escala, mas escolheu não usar todo seu arsenal. Da mesma maneira, seu aliado Hezbollah poderia ter se juntado à ofensiva direta contra o território israelense, algo que não aconteceu.
O grupo apoiado pelo Irã no Líbano disse ter disparado duas barragens de foguetes contra uma base militar israelense nas Colinas de Golã ocupadas, um planalto que Israel capturou da Síria, em um movimento não reconhecido pela maior parte da comunidade internacional.
Segundo May Darwich, o próprio fato do governo iraniano ter informado Washington sobre seus planos e ter garantido que bases e alvos militares americanos não seriam atingidos se o país não se envolvesse corrobora essa visão.
Entretanto, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas iranianas, major-general Mohammad Bagheri, alertou Israel que a sua resposta "será muito maior do que a ação militar desta noite se Israel retaliar".
Ele afirmou ainda em uma entrevista à televisão local que as bases dos EUA também seriam atacadas se Washington participasse de qualquer retaliação israelense.
Os EUA têm instalações militares em todos os seis Estados árabes do Golfo, bem como na Síria, no Iraque e na Jordânia.
'Ambos podem reivindicar vitória'
A decisão israelense de seguir ou não as advertências dos EUA e de outros aliados regionais trará "consequências enormes", avalia Gordon Corera, correspondente de segurança da BBC.
Até o momento, porém, a posição oficial do governo não foi suficiente para desvendar o que pode vir a seguir.
O próprio gabinete de guerra israelense – formado por Netanyahu, Gantz e o ministro da Defesa, Yoav Gallant –, tem demonstrado dificuldade em chegar a um consenso sobre como agir.
Corera cita uma gama de caminhos que Israel poderia seguir.
Se por um lado há quem defenda não fazer mais nada, já que a defesa do país se mostrou eficiente em barrar a ofensiva, no outro extremo estão os que acreditam que esse é o momento perfeito para atacar com força o Irã e seu programa nuclear.
"Qualquer um desses extremos parece improvável", opina o correspondente de segurança da BBC. "Mas entre [esses dois extremos] há outra gama de opções. Será que eles tentam atacar um alvo militar dentro do próprio Irã, por exemplo, algum lugar onde os drones são fabricados ou de onde voam?", questiona. "Ou tentam atacar representantes iranianos no estrangeiro, ou em outros países vizinhos?"
As consequências dessa decisão serão enormes, porque poderão ditar se este conflito realmente se transformará em algo muito mais sério ou não, acrescenta
"Se Israel seguir o conselho do presidente Biden de não reagir, o Oriente Médio poderá respirar fundo. Mas não é de forma alguma certo que este será o fim deste episódio perigoso", avalia Jeremy Bowen.
Por detrás dessa decisão existem ainda duas grandes narrativas correndo pelo Oriente Médio no momento, segundo especialistas.
Israel vê os últimos acontecimentos como uma grande derrota para o Irã pela sua capacidade de anular 99% dos projéteis iranianos e de reunir uma coalizão de aliados ao seu redor. Já do ponto de vista de Teerã foram eles que conseguiram uma vitória ao executar seu primeiro ataque contra território israelense.
Para Siavash Ardalan, da BBC persa, ambas as versões servem a um único propósito, que é diminuir a escalada.
"O lado bom de tudo isso é que ambos os lados podem reivindicar a vitória."
Já do ponto de vista da guerra em Gaza, Jeremy Bowen aponta que Netanyahu pode se beneficiar de uma pausa na cobertura massiva da imprensa internacional sobre o conflito.
Se há poucos dias o foco das notícias era o conflito entre Biden e Netanyahu sobre a onda de fome criada pelo bloqueio de Israel no enclave palestino, atualmente os dois têm falado sobre unidade.
"Netanyahu também pode se apresentar como um líder resoluto e razoável, o protetor do seu povo, apesar de os seus muitos inimigos em Israel quererem ele fora do poder", avalia Bowen.
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