Durante muito tempo, pensou-se que a Terra era o único planeta do nosso Sistema Solar com um oceano, mas está começando a parecer que existem oceanos subterrâneos até mesmo nos corpos gelados mais surpreendentes.
Na verdade, as luas geladas e os planetas-anões do Sistema Solar exterior parecem ter oceanos líquidos abaixo de camadas de gelo espesso. Pesquisas recentes sugerem que pode até haver oceanos dentro de corpos além de Plutão. Isso é surpreendente, uma vez que estes corpos têm temperaturas na superfície muito abaixo de -200°C.
Há setenta anos, parecia plausível que a atmosfera quente de Vênus estivesse escondendo um oceano global. Mas esta ideia foi descartada em 1962, quando a espaçonave Mariner 2 passou por Vênus e descobriu que sua superfície era quente demais para ter água líquida.
Não demorou muito até percebermos que qualquer oceano que possa ter havido alguma vez em Vênus, e também em Marte, desapareceu há bilhões de anos devido a grandes mudanças em seus climas.
Aquecimento das marés
A revolução no pensamento que abriu o caminho para a nossa nova visão dos oceanos do Sistema Solar remonta a um artigo de 1979 do astrofísico Stan Peale. Ele previu que a lua mais interna de Júpiter, Io, seria tão quente por dentro que poderia ser vulcanicamente ativa.
A fonte de calor que torna isso possível é um efeito gravitacional — a interação reiterada da força de maré entre Io e a próxima lua de Júpiter, Europa.
Europa completa exatamente uma órbita para cada duas de Io. Io, portanto, ultrapassa Europa a cada duas órbitas, sendo regularmente e repetidamente "puxada" pela força de maré de Europa, que impede que a órbita de Io se torne circular.
Isso significa que a distância de Io a Júpiter está mudando continuamente — e, portanto, o mesmo acontece com a intensidade da força de maré de Júpiter (bem mais forte), que na verdade distorce a forma de Io.
A distorção repetida da maré em seu interior aquece Io por fricção interna, da mesma forma que se você dobrar um arame rígido para frente e para trás várias vezes — e depois tocar a parte recém-dobrada em seu lábio (experimente com um cabide ou um clipe de papel), você vai ser capaz de sentir o calor.
A previsão de Peale sobre o aquecimento das marés foi confirmada apenas uma semana após a publicação, quando a Voyager-1, que realizou o primeiro sobrevoo sofisticado de Júpiter, enviou imagens de vulcões em erupção em Io.
Io é um mundo rochoso, sem qualquer forma de água, então pode parecer que isso não tem nada a ver com os oceanos. No entanto, a interação da força de maré Júpiter-Io-Europa funciona nos dois sentidos. Europa também é aquecida pelas marés, não apenas por Io, assim como pela lua seguinte, Ganymede.
Existem agora evidências muito boas de que entre a cobertura de gelo de Europa e o seu interior rochoso existe um oceano com 100 km de profundidade. Ganymede pode ter até três ou quatro camadas líquidas, espremidas entre camadas de gelo.
Nestes casos, o calor que impede o congelamento da água líquida é provavelmente originado principalmente pelas marés.
Há também evidências de uma zona de água líquida salgada dentro de Calisto, a lua mais distante de Júpiter. Não é provável que isso se deva ao aquecimento das marés — mas, sim, ao calor emitido pela decomposição de elementos radioativos.
Saturno tem uma lua gelada relativamente pequena (com um raio de 504 km), chamada Enceladus, que tem um oceano interno graças ao aquecimento das marés resultante da interação com a lua maior, chamada Dione. Estamos absolutamente certos de que este oceano existe porque a cobertura gelada de Enceladus oscila de uma forma que só é possível porque esta camada não está fixa no interior sólido.
Além disso, a sonda Cassini coletou amostras de água e dos componentes residuais deste oceano interno. Suas medições sugeriram que a água do oceano de Enceladus deve ter reagido com rochas quentes abaixo do fundo do oceano, e que a química lá embaixo parece adequada para sustentar vida microbiana.
Outros oceanos
Surpreendentemente, mesmo para luas que não deveriam ter aquecimento de marés, e para corpos celestes que não são luas, as evidências de oceanos internos continuam aumentando. A lista de mundos que podem ter, ou já tiveram em algum momento, oceanos internos, inclui várias luas de Urano, como Ariel, Tritão, a maior lua de Netuno, e Plutão.
O oceano interno mais próximo do Sol pode estar dentro do planeta-anão Ceres, embora o mesmo talvez já esteja em grande parte congelado, ou possa consistir apenas de lodo salino.
Particularmente surpreendentes para mim são as indicações de mundos oceânicos muito além de Plutão. Elas são provenientes dos resultados publicados recentemente a partir do Telescópio Espacial James Webb, observando proporções de vários isótopos (átomos com números diferentes de partículas chamadas nêutrons em seu núcleo) no metano congelado que reveste Eris e Makemake, dois planetas-anões um pouco menores e consideravelmente mais remotos que Plutão.
Os autores afirmam que suas observações são evidências de reações químicas entre a água do oceano interno e o fundo rochoso do oceano, e também de plumas de água bastante recentes, possivelmente até atuais. Os autores sugerem que o calor proveniente da decomposição de elementos radioativos na rocha é suficiente para explicar como estes oceanos internos foram mantidos suficientemente aquecidos para evitar o congelamento.
Você pode estar se perguntando se tudo isso poderia aumentar nossas chances de encontrar vida alienígena.
Lamento estragar a festa, mas foram apresentados vários artigos na Conferência de Ciência Lunar e Planetária deste ano em Houston (de 11 a 15 de março), afirmando que a rocha abaixo do fundo do oceano de Europa deve ser resistente demais para que avarias possam quebrá-la, de forma a criar os tipos de fontes termais (fissuras hidrotermais) no fundo do oceano que alimentaram a vida microbiana nos primórdios da Terra.
É possível que outros oceanos subterrâneos sejam igualmente inóspitos. Mas até agora, ainda há esperança.
* David Rothery é professor de geociências planetárias na The Open University.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
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