Oriente Médio

Guerra Israel-Hamas: Estados Unidos exigem de Netanyahu proteção aos civis

Presidente Joe Biden muda o tom e pede ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza, além de aumento "drástico de ajuda" aos palestinos. Casa Branca assegura que apoio ao aliado segue "inabalável"

Em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, Ashraf — ferido no olho esquerdo — se ajoelhou diante dos corpos das filhas Aysal e Rashel e acariciou o rosto de uma delas. Durante a madrugada, a casa da família foi alvo de um bombardeio israelense. Pouco depois, Ashraf embalava a menina, envolta em uma mortalha. As cenas se repetem com frequência no enclave palestino. Ontem, no 180º dia da guerra travada pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) contra o movimento extremista islâmico Hamas, o presidente dos EUA, Joe Biden, exigiu do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, um cessar-fogo imediato e cobrou um aumento "drástico" de ajuda para os civis palestinos.

Pela primeira vez, Biden deixou claro que o apoio americano dependerá das medidas que Israel tomar para proteger os civis palestinos. "Um cessar-fogo imediato é essencial para estabilizar e melhorar a situação humanitária e proteger os civis inocentes", afirmou o presidente ao telefonar para Netanyahu. 

Biden instou o governo israelense a "anunciar e implementar uma série de medidas específicas, concretas e mensuráveis para abordar os danos aos civis, o sofrimento humanitário e a segurança dos cooperantes". Apesar do tom incisivo dos EUA, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, disse que espera ver medidas concretas "nas próximas horas e dias". Ao mesmo tempo, garantiu que o apoio de Washington ao direito do Estado judeu de se defender segue "inabalável".

Mohamed Abed/AFP - O palestino Ashraf chora ao segurar o corpo de uma das duas filhas mortas em um bombardeio israelense, em Rafah, no sul da Faixa de Gaza

A pressão de Biden sobre Netanyahu não demorou a surtir efeito. No fim da noite de ontem (em Israel), o Estado judeu anunciou que tomará "passos imediatos" para aumentar a ajuda humanitária à Faixa de Gaza, com a abertura da passagem de Erez e com o uso do porto naval de Ashdod, no Mar Mediterritâneo, para o recebimento de donativos do exterior. O Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, contabiliza 39.975 palestinos mortos, entre eles, 14.500 crianças, e 75.577 feridos.

Frustração

De acordo com Ilai Saltzman, professor de Estudos Israelenses da Universidade de Maryland, o governo dos Estados Unidos tem ficado cada vez mais frustrado com a evolução e o tratamento da campanha militar de Israel na Faixa de Gaza. "O presidente Biden apoiava totalmente a meta de Netanyahu de dizimar o Hamas, mas tornou-se bastante desiludido com as perspectivas de alcançar esse objetivo. Além disso, a Casa Branca foi bastante compreensiva em termos da perda colateral de vidas palestinas, logo após o massacre de 7 de outubro, ao levar em conta a natureza difícil e desafiadora da campanha militar em das áreas mais densamente povoadas do mundo", explicou ao Correio. Ele aponta que os EUA sabiam que o complexo de túneis abertos pelo Hamas resultariam em perdas humanas e em destruição massiva. "O governo Biden tornou-se mais alarmado com o número de mulheres e crianças de Gaza mortos."

Saltzman lembra que, quando as autoridades israelenses foram solicitadas a apresentarem seus planos de invasão à cidade de Rafah, no sul da Faixa de Gaza, a Casa Branca concluiu que eles não abordavam, de forma adequada, a segurança dos civis palestinos nem a distribuição de ajuda humanitária. "O assassinato de sete funcionários da ONG World Central Kitchen (WCK) foi a gota d'água para Biden. O incidente mostrou a incapacidade do governo israelense de salvaguardar a ajuda humanitária como também mostrou as ações desproporcionais, e muitas vezes precipitadas, por parte das Forças de Defesa de Israel", acrescentou o estudioso, autor de Securitizing balance of Power Theory: A polymorphic reconceptualization ("Teoria do equilíbrio de poder securitizante: uma reconceitualização polimórfica").

Ainda segundo Saltzman, a constante pressão da Casa Branca e o ultimato de Biden foram eficientes e imediatos em seu impacto sobre a política israelense. "O governo de Israel compreendeu que o risco de alienar o governo Biden seria um grande golpe estratégico e respondeu de forma que atendesse às exigências americanas."

Richard Falk, professor de Relações Internacionais da Universidade de Princeton e ex-relator especial da ONU para a Palestina Ocupada (2008-2014), disse ao Correio que os apelos de Biden por "passos concretos" para garantir a ajuda humanitária à Faixa de Gaza chegou tarde demais. "O ataque genocida à população civil está no sexto mês. Além disso, o esforço para persuadir Netanyahu a obter um cessar-fogo não foi elaborado com a mesma urgência da insistência da Casa Branca em permitir que a ajuda humanitára alcance os palestinos famintos", lamentou. Para ele, o movimento de Biden parece motivado pela mudança na opinião pública para além do apoio incondicional a Israel e pelos riscos à reeleição do democrata, em novembro. "Nenhuma raiva em Washington ou atenção midiática foi dada a atrocidades anteriores, que produziram baixas massivas entre crianças e mulheres palestinas", criticou. 

Falk concorda que pressão americana foi tardia e, "na melhor das hipóteses, parcial". "Ela pode levar Netanyahu a envolver Israel e Irã em uma guerra regional com dimensões globais. Ao perceber-se extremamente impopular entre os israelenses, com protestos crescentes contra sua liderança, Netanyahu poderá se ver tentado a desviar o foco do fracasso da guerra contra o Hamas." O professor de Princeton considera que as "pressões" dos EUA vieram muito tarde e se mostraram "ambíguas". "Não incluem um embargo de armas. Eu concluiria que a mudança de Biden não terá efeitos significativos."

EU ACHO...

Arquivo pessoal - Ilai Saltzman, professor de Estudos Israelenses da Universidade de Maryland

"A pressão dos Estados Unidos sobre Israel deverá ser guiada pelas ações israelenses na Faixa de Gaza. Principalmente, pela decisão de as tropas entrarem, ou não, em Rafah. Também pelo grau de permissão de envio de ajuda humanitária à região. Biden está sob enorme pressão política, tanto por parte do Partido Democrata, como por parte de eleitores que acreditam que suas políticas em relação a Israel e à Faixa de Gaza são inadequadas."

Ilai Saltzman, professor de Estudos Israelenses da Universidade de Maryland

 

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Mohamed Abed/AFP - Ashraf abraça o corpo de uma das duas filhas mortas em Rafah (sul)
Arquivo pessoal - Ilai Saltzman, professor de Estudos Israelenses da Universidade de Maryland