Um bombardeio israelense contra um comboio humanitário em Deir Al-Balah, no centro da Faixa de Gaza, matou sete trabalhadores da organização não governamental World Central Kitchen (WCK) e levou outras entidades que ajudavam os palestinos a suspenderem suas operações. Entre os mortos, estão cidadãos da Austrália, Polônia, Reino Unido e Palestina, além de um voluntário de nacionalidade canadanse-americana. O Correio entrou em contato com a ONG, que declinou o pedido de entrevista. "A WCK não pode fornecer uma entrevista neste momento difícil", escreveu uma funcionária.
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Em nota, a ONG esclareceu que os funcionários viajavam em dois carros blindados identificados com a logomarca da WCK. Apesar de movimentos de coordenação com as Forças de Defesa de Israel (IDF), o comboio foi atingido ao deixar o armazém de Deir Al-Balah, após descarregar mais de 100t de alimentos."Este não é apenas um ataque contra a WCK, é um ataque a organizações humanitárias que aparecem nas situações mais terríveis, em que os alimentos são usados como arma de guerra. Isso é imperdoável", declarou Erin Gore, CEO da World Central Kitchen. Um drone disparou três mísseis contra os carros.
As IDF admitiram o erro. "Como militares profissionais comprometidos com o direito internacional, estamos empenhados em examinar as nossas operações de forma completa e transparente", assegurou o contra-almirante Daniel Hagari, porta-voz do Exército judeu. "Temos analisado o incidente nos mais altos níveis para compreender as circunstâncias. Abriremos uma investigação para examinar mais detalhadamente este grave incidente." Fontes da IDF relataram ao jornal Haaretz que os militares envolvidos na operação agiram por conta própria e cometeram indisciplina, ao ignorarem ordens.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, admitiu o incidente "trágico", mas deu uma declaração polêmica. "As nossas forças atingiram, de forma não intencional, pessoas inocentes na Faixa de Gaza", afirmou o líder de direita. "São coisas que acontecem numa guerra (…), faremos tudo o possível para que isso não aconteça novamente." O presidente Isaac Herzog telefonou para o chef hispano-americano José Andrés, fundador da WCK, para manifestar "sua própria tristeza e suas sinceras desculpas".
A Casa Branca demonstrou "indignação" e cobrou uma investigação ampla e transparente. O presidente dos EUA, Joe Biden, ligou em três ocasiões para Andrés — na noite de segunda-feira (1º/4), durante a madrugada e manhã desta terça-feira. O secretário-geral da ONU, António Guterres, lembrou que os "ataques devastadores que mataram os funcionários da WCK elevaram o número de trabalhadores humanitários mortos durante este conflito para 196, incluindo 175 membros" das Nações Unidas. "Isso é inescrupuloso", comentou.
Mohamed Al Assar, um palestino que viveu dos 8 meses aos 16 anos no Brasil, estava a pouco mais de 1km do local do ataque. "Estou refugiado em uma casa, em Deir Al Balah, depois que meu prédio foi destruído. Tudo ocorreu ao anoitecer de segunda-feira. Escutei o barulho e vi o clarão da explosão", contou ao Correio, por meio do WhatsApp. "É um filme de terror. Até mesmo trabalhadores humanitários são atacados. Isso quer dizer que todos na Faixa de Gaza podem virar alvo a qualquer hora."
Umas das organizações que decidiram suspender as operações em Gaza foi a Ajuda Americana a Refugiados do Oriente Médio (Anera), responsável por fornecer 150 mil refeições diárias para os palestinos, especialmente no norte do enclave, em parceria com a WCK. "Temos trabalhado com os palestinos pelos últimos 55 anos, desde que Israel ocupou a Cisjordânia e Gaza. Distribuíamos refeições quentes para desabrigados, além de tendas, colchões, cobertores e medicamentos", disse ao Correio Naser Qadous, membro da equipe de resposta a emergências da Anera, baseado em Ramallah.
Ele classificou como "estratégica" a relação com a WCK e reconheceu o risco "elevado" enfrentado pela Anera. "Temos trabalhado em cooperação com os israelenses e em condições muito difíceis. Sempre repassamos às IDF as coordenadas de nossa equipe."