Yerevan — No colo da mãe, uma criança de menos de dois anos estende o braço e deposita uma rosa diante da chama eterna, no Memorial do Genocídio Armênio. Do outro lado, um idoso fecha os olhos e faz uma oração. O cheiro das flores e a música clássica entoada nas caixas de som tomam o ambiente. Nesta quarta-feira (24/4), feriado nacional, Yerevan e o restante do país pararam para celebrar o 109º aniversário do genocídio armênio. O Império Otomano é acusado de perpetrar o massacre de 1,5 milhão de armênios entre 1915 e 1923. Centenas de milhares de armênios subiram a colina de Tsitsenakaberd para render homenagens às vítimas, em meio a um esquema de segurança rígido, com o bloqueio de vias.
Próximo à encosta, grupos de jovens recebiam as rosas e se perfilavam para seguir por uns 500m pelo chamado beco da Memória, enquanto a mesma música era reproduzida. Vestidas de preto, Narine Plotnikova, 33 anos, e a mãe caminhavam em direção à chama eterna. "Hoje é nosso Dia de Memória do Genocídio Armênio. Nós viemos até aqui para lembrar, para cobrar e para que o mundo saiba sobre isto. Espero que esse genocídio não se expanda ainda mais", desabafou Narine ao Correio.
"Meus avós escaparam ilesos do genocídio e, anos depois, voltaram para a Armênia." Ela admite que falta muito a ser feito para que outros reconheçam a existência do genocídio. Ao todo, 30 nações reconhecem o fato. O embaixador da Turquia no Brasil, Halil Ibrahim Akça, afirmou ao Correio que "a narrativa armênia (sobre o envolvimento do Império Otomano) consiste apenas em alegações". O embaixador da Armênia, Armen Yeganian, alerta que o fracasso em admitir a existência do genocídio envia um "sinal muito perigoso a outros perpetradores".
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À medida que se aproxima do memorial, a multidão aguarda para descer os degraus até a área da chama eterna, cercada por uma "montanha" de flores. Um coral de crianças da União Geral Armênia de Beneficência (UGAB) entoa uma canção. Horas depois, um garoto, acompanhado da irmã, chega perto da chama eterna e também canta, enquanto outros se silenciam. Uma idosa chora.
Na parte externa oposta, dezenas de coroas de flores enviadas por representações diplomáticas de países que reconheceram o genocídio chamavam a atenção. Entre elas, uma oferecida pela Embaixada do Brasil. O Senado brasileiro aprovou uma moção em que reconhece o genocídio, mas falta a aprovação do Executivo. Depois de colocar uma rosa junto à chama eterna, Artur Gegoryan, 41, diretor de uma universidade, afirmou que parte de seus antepassados é formada por sobreviventes do genocídio.
"Para mim, este é um dia de recordação sobre os eventos que marcaram minha família há 109 anos. Também é um dia para entendernos que precisamos nos fortalecer e ensinar nossas crianças sobre o genocídio", disse à reportagem. "Meus avós mantiveram suas memórias em livros e em diários, onde descreveram todas essas atrocidades que enfrentaram." Gregoryan lamenta o fato de a Turquia não admitir a existência do genocídio. "Isso pode abrir um precedente para mais genocídios e atrocidades na humanidade. Se a Turquia quer fazer parte do mundo civilizado, precisa reconhecer o genocídio."
Os bisavós do professor Tigran Davtyan morreram durante o genocídio. "Esta é uma data muito emotiva para nós. Todos os anos, eu e minha família nos lembramos deste dia. Foi algo muito ruim. Meus avós vieram, fugindo de Kars, na Turquia", relatou. Ele acredita que muitos países têm o conhecimento histórico sobre o genocídio, assim como a população turca. A assistente parlamentar Olya Shahinyan, 27, conta que todos os membros da família de sua tataravó foram assassinados pelo Império Otomano. "Somente ela sobreviveu. Depois, conheceu o meu bisavô e se casaram. O avô de meu pai morava no oeste da Armênia, hoje território turco. Um dia, quando chegou em casa, viu sua esposa e seus filhos executados, e fugiu. Para mim, é muito importante visitar o Memorial do Genocídio Armênio, pois me lembro deles e exijo justiça", admitiu ao Correio Olya, natural de Armavir, a 41km de Yerevan.
Nazeli Margarian, 60, entende que a memória das vítimas do genocídio armênio é importante para o mundo civilizado. "Em Gaza, vemos um genocídio como o ocorrido na Armênia, em 1915. Estar aqui é importante para prevenirmos outros genocídios. Meus avós também foram mortos", disse.
Embaixadores
Ibrahim Halil Akça explicou que os últimos anos do Império Otomano foram um período "muito doloroso para milhões de otomanos". "É um dever humanitário entender e compartilhar essas dores comuns sem qualquer discriminação religiosa, étnica ou cultural. O sofrimento dos armênios durante esses anos não foi exclusivo nem maior do que o dos outros povos da Anatólia. Esse período precisa ser compreendido em sua totalidade", declarou o embaixador turco. Segundo o diplomata, a entrada do Estado Otomano na Primeira Guerra Mundial foi vista como uma grande oportunidade pelos grupos armados armênios. "Eles se revoltaram contra o Estado na Anatólia Oriental, colaborando com os exércitos russos czaristas invasores e outras forças estrangeiras. As milícias armênias realizaram ataques contra os civis muçulmanos e o Exército otomano, envolvendo-se em atos de sabotagem na frente oriental. Elas até mesmo atacaram armênios locais que não apoiavam sua causa, como o prefeito de Van, Bedros Kapamaciyan", disse Akça.
Por sua vez, Armen Yeganian, embaixador da Armênia em Brasília, disse à reportagem que considera lamentável o fato de "um país que aspira ser membro da União Europeia e que tem ambição em ser campeão em iniciativas da construção da paz, ainda fracassar em reconhecer o genocídio armênio. "O crime foi condenado por 63 tribunais militares do Estado turco moderno. Ao negar o genocídio armênio, o Estado turco moderno envía um sinal duvidoso à comunidade internacional quanto ao seu compromisso com os direitos humanos e as liberdades universais", opinou o diplomata armênio.
Para Yeganian, o medo da República da Turquia de enfrentar seu passado e de aceitar a própria história "não contribui em nada para sua modernização e para sua transformação em uma democracia verdadeira". O embaixador armênio acredita que "o Holocausto, o genocídio de Ruanda e muitos outros crimes contra a humanidade teriam sido evitados se a comunidade internacional tivesse extraído uma lição do genocídio armênio ".
O repórter viajou a convite da União Geral Armênia de Beneficência (UGAB Brasil)
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