No final de 2023, o ministro do Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, recebeu do governo uma missão além da de chefiar a pasta responsável pelo Bolsa Família: ajudar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a se aproximar do público evangélico. Nos primeiros meses deste ano, no entanto, a missão ganhou contornos ainda mais urgentes.
Pesquisas de opinião pública mostraram que a rejeição deste público em relação ao governo aumentou, afetando a popularidade do governo.
Em março, uma pesquisa da Quaest apontou que a aprovação geral do governo caiu de 54% para 51%, enquanto a reprovação havia subido de 43% para 46%. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Desde agosto de 2023, a reprovação deste segmento ao governo não para de crescer, saindo de 46% naquele mês para 62% em março deste ano.
O IPEC (antigo Ibope) também mostra que os evangélicos estão entre o grupo que, em março, mais reprovava o governo Lula. Naquele mês, 42% dos evangélicos entrevistados pelo instituto reprovavam o governo petista. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
O público evangélico é visto, pelo menos desde 2018, como um dos principais calcanhares de Aquiles para o PT. Naquele ano, estima-se que 70% dos evangélicos votaram no então candidato Jair Bolsonaro (PL). Em 2022, uma pesquisa realizada pelo Datafolha estimou, a poucos dias do segundo turno, que Bolsonaro tinha 62% das intenções de voto contra 32% de Lula, o que tornou a vitória do petista ainda mais apertada.
Nos últimos meses, o governo passou a revisar suas estratégias de comunicação e está prestes a lançar uma campanha com o slogan “Fé no Brasil” que teria, entre outros objetivos, dialogar com o público evangélico, que segundo pesquisa do Datafolha de 2020 representa 31% da população brasileira.
Dias foi governador do Piauí por quatro mandatos e é senador licenciado pelo Estado onde nasceu e fez carreira política. Chamado de “Índio” pelo presidente Lula, é considerado um dos quadros em que o petista mais confia e, após as eleições de 2022, chegou a ser cotado para comandar a articulação política do governo, que acabou assumida por Alexandre Padilha.
Em entrevista à BBC News Brasil, o ministro diz que o cenário para aproximar o governo do público evangélico é prejudicado pelo que chama de “fábrica de mentiras” que difunde informações inverídicas sobre a atuação do governo, mas reconheceu que as manifestações do presidente Lula sobre a guerra na Faixa de Gaza contribuíram para o aumento da rejeição desse público.
Em fevereiro deste ano, Lula comparou as ações militares de Israel na Faixa de Gaza em resposta ao ataque do Hamas, de outubro de 2023, ao regime nazista de Adolf Hitler, responsável pelo extermínio de seis milhões de judeus. A declaração foi rechaçada pelo governo israelense que declarou Lula persona non grata no país e foi amplamente divulgada por lideranças evangélicas como uma demonstração de desapreço do presidente pelo segmento, onde há correntes fortemente identificado com o Estado de Israel.
“Nós tivemos essa situação da guerra na Faixa de Gaza em que fizeram várias interpretações sobre a posição do presidente Lula, que é uma posição do Brasil”, disse Dias.
Para o ministro, as falas de Lula sobre o episódio foram deturpadas.
Dias também disse que uma das saídas para o governo se aproximar desse segmento é trabalhar junto a entidades evangélicas em pautas que afetam este público como a fome.
“Há evangélicos passando fome e precisamos trabalhar com eles”, disse o ministro.
Confira os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - Nos últimos meses, o governo tem lidado com queda de popularidade, uma epidemia de dengue histórica, indefinição no comando da Petrobras, uma relação complexa com o Congresso Nacional e ameaça de greve do funcionalismo público. O senhor concorda com avaliações de que o governo está perdido entre tantos problemas?
Wellington Dias - Não, pelo contrário. A gente encontrou um país com um baixo crescimento econômico e, no ano passado, o país cresceu quase 3%, crescimento da renda, saldo positivo da geração de empregos. Somente em janeiro, fevereiro e março nós já acumulamos 454.000 novos empregos. Nós temos redução de pessoas que estavam na fome [...]. Isso mostra que o Brasil está no rumo certo, não só na área econômica, como também na área social [...] Já fui governador por 16 anos. Acompanho a política há 32 anos e o governo tem o seu dia a dia. É normal você ter momentos de tranquilidade e outros de maiores desafios. Mas isso tudo se resolve com diálogo. O presidente já começou a fazer esse diálogo e é assim que a gente vai encontrar solução.
BBC News Brasil – O senhor citou uma série de indicadores aparentemente positivos, sobretudo nas áreas e econômica. Por que esses números não se refletem na popularidade do governo de acordo com as pesquisas de opinião pública?
Wellington Dias - Em primeiro lugar, pode anotar aí e a gente conversa em dezembro ou em janeiro (de 2025): o PIB deste ano vai crescer acima de dois ou três pontos percentuais [...]. O presidente Lula foi eleito numa disputa bastante polarizada. Quando a gente tira quem não votou em Lula nem em Bolsonaro e deixa apenas os votos líquidos, o presidente foi eleito com 39% dos votos. Ele, agora, tem 51% de aprovação de todos os eleitores. Então, ele tem (a aprovação) de uma parte dos eleitores que não votou nele e que hoje aprova o trabalho do presidente. Estamos com um ano e três meses de mandato em um país que tinha uma situação política, econômica e social com grandes desafios. Estou confiante de que a gente vai garantir as condições de compreensão sobre a realidade com a qual recebemos o Brasil. Mas tem uma outra coisa: muitas pessoas que reprovam o governo também reconhecem que as suas vidas melhoraram.
BBC News Brasil – Os elementos que o senhor mencionou não explicam por quais motivos, apesar do momento na economia, a popularidade do governo caiu. O que explica esse fenômeno?
Wellington Dias – Essa reprovação é mais presente em alguns segmentos como o religioso. E não apenas entre os evangélicos, mas entre os católicos também. Isso é muito mais resultado de uma disputa política que, como nunca na história do país, acabou indo para o campo religioso. E a gente precisa saber como trabalhar neste momento evitando que uma palavra fora do lugar venha a gerar alguma coisa [negativa] neste aspecto [...] De um lado, é preciso trabalhar uma coisa que o governo já faz que é respeitar as igrejas, respeitar a liberdade religiosa de qualquer denominação. Do outro, é preciso trabalhar com as lideranças com base nas necessidades do povo. Há evangélicos passando fome e precisamos trabalhar eles e com as entidades para que elas nos ajudem a chegar a estas pessoas [...] A gente está trabalhando respeitando os divergentes, os líderes religiosos, sem perguntar em quem eles votaram e sem perguntar qual o partido da preferência.
BBC News Brasil – Segundo uma pesquisa recente da Quaest, um ano e três meses depois de assumir o novo mandato, o governo era reprovado por 62% dos eleitores que se dizem evangélicos. A pesquisa indica que a rejeição deste público aumentou desde o início do governo. Por que este governo é tão rejeitado, segundo as pesquisas, por este público?
Wellington Dias - Nós tivemos essa situação da guerra na Faixa de Gaza em que fizeram várias interpretações sobre a posição do presidente Lula, que é uma posição do Brasil. O Brasil defende a paz, defende que se tenha uma trégua porque ali tem crianças, idosos, pessoas com deficiência, pessoas que não têm nada a ver com a guerra e que estão passando fome e que precisam ser atendidas. E o Brasil não vai abrir mão desta posição. É a mesma posição em relação à Ucrânia. E esta posição do Brasil foi, infelizmente, deturpada por alguns líderes e elas [deturpações] terminam tendo efeito.
BBC News Brasil – Na sua avaliação, então, a posição do presidente sobre a guerra em Gaza teve influência nesse aumento da rejeição do público evangélico?
Wellington Dias – Não foi a posição do presidente, mas a forma deturpada que foi levada a muitos do povo evangélico. O Brasil sempre foi um país com um povo amigo do povo de Israel. O Brasil sempre foi um país que teve uma relação respeitosa com Israel e isso não mudou. Queremos manter e queremos seguir. Mas há uma situação específica que o mundo inteiro está acompanhando. De um lado, houve um crime violento praticado contra Israel. Do outro, houve uma reação de Israel. Agora, qual é o ponto? Já não se trata mais de uma reação. Eu sou do Ministério Desenvolvimento Social e acompanho o Programa Mundial de Alimentação. Ali (Gaza) é uma região onde se está usando a fome como arma de guerra [...] Por isso que o Brasil se posiciona muito claramente pelo cumprimento dos tratados perante a ONU, dos quais Israel é signatário.
BBC News Brasil - O senhor acha que o presidente poderia ter mudado a sua comunicação em relação a esse ponto?
Wellington Dias - O Brasil não vai mudar a sua posição na defesa da paz, na defesa de uma trégua para que se dê o diálogo para a paz.
BBC News Brasil – O senhor participou de uma reunião em que foi discutida a estratégia de comunicação do governo em meio a essa queda de popularidade. Quais são os principais gargalos da comunicação do governo?
Wellington Dias – [O desafio] é como trabalhar respeitando a democracia em meio a essa onda de mentiras, fake news, que se espalham em redes sociais. Esse é o ponto. É como direcionar uma comunicação adequada, segmentada, para que as pessoas possam compreender a verdade sobre o que chega hoje para cada segmento como, por exemplo, o evangélico, a juventude, o agronegócio, empreendedores, a classe média, etc.
BBC News Brasil – O governo vai lançar uma nova campanha com o título “Fé no Brasil”. A campanha terá um foco específico no público evangélico?
Wellington Dias - Na verdade, não se trata só de uma campanha e também não se trata só do público evangélico. Quando se faz uma pesquisa, a gente sabe qual é a informação que está chegando. Quando uma pessoa diz que não aprova o governo, você pergunta: por quê? E ela diz por que não está apoiando. Muitas vezes, ela não apoia porque não gosta e não quer. É uma posição própria da democracia. Mas se alguém diz que não apoia porque o governo está fechando igrejas, isso é uma mentira e vamos ter que esclarecer. Se ela diz que não apoia porque o governo está tratando de banheiro unissex nas escolas, isso é mentira. Ou seja: temos que trazer a verdade para cada segmento. O mais importante é ter uma relação respeitosa. Você nunca viu e não vai ver o presidente Lula utilizando da crença e da fé das pessoas para interesse eleitoral. Ele é católico e criou sua família na fé católica e assim trata os seus netos. Ele não vai se utilizar nem da fé que ele tem em Deus e na da fé que as pessoas têm por conta de voto.
BBC News Brasil – Todos os governos têm disputas palacianas, mas nos últimos meses houve um processo de fritura do senhor, de Fernando Haddad (Fazenda) e agora do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. Quão ruim é esse fogo amigo?
Wellington Dias - Não conheço nenhum líder do governo ou de fora dele que tenha feito algum tipo de fritura em relação ao meu nome. Estou preparado para boatarias ou suposições.
BBC News Brasil – Mas, independentemente de ter sido ou não liderado por pessoas do governo, houve um processo de fritura capitaneado por aliados e parlamentares que, em tese, fariam parte da base governista. Qual a responsabilidade do ministro da Casa Civil Rui Costa na gestão desses conflitos?
Wellington Dias - Eu não vejo nenhuma (responsabilidade). O papel do ministro Rui Costa é de cuidar da centralidade nas metas estabelecidas pelo presidente e da carteira de ações do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Tivemos, sim, posições públicas diferentes entre o ministro das Minas de Energia e Energias, Alexandre Silveira, e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. Qual a solução? Já foi dada. É o diálogo entre as partes. Veja que eles já vieram a público e colocaram suas posições pela via do diálogo.
BBC News Brasil – O empresário Elon Musk fez uma série de ataques ao STF e o presidente Lula se pronunciou sobre o caso. Este é um assunto sobre o qual o presidente deve se pronunciar?
Wellington Dias - Somos um país soberano, respeitamos os outros países, respeitamos os empresários, os trabalhadores, as pessoas de todos os países. O que queremos em troca? Respeito. Nós temos uma Constituição e leis. Qualquer pessoa nascida no Brasil ou que venha a viver no Brasil será bem recebida. Mas aqui tem que trabalhar e tem que respeitar a Constituição e as leis.
BBC News Brasil – Como o senhor classifica a conduta de Elon Musk neste episódio?
Wellington Dias - Não sou eu que vou ficar avaliando a conduta dele. Estou falando de um fato a partir da informação de que ele não cumpriria decisões judiciais. [...] Se alguém diz que não vai cumprir uma decisão judicial, isso não é aceitável na democracia do Brasil. E acredito que em nenhum país democrático do mundo.
BBC News Brasil – O senhor mencionou que um dos pedidos do presidente Lula foi tirar o Brasil do mapa da fome. Quais as limitações de programas como o Bolsa Família na redução da pobreza e da pobreza extrema no Brasil?
Wellington Dias - Para tirar o Brasil do mapa da fome, nós trabalhamos em algumas frentes. Uma delas é a transferência de renda. O principal programa que temos é o Bolsa Família, mas temos outros. Além da transferência de renda, que chega a aproximadamente 55 milhões de brasileiros, nós temos a complementação alimentar. Isso está presente de modo muito forte com alimentação escolar e nisso a gente atende 40 milhões de crianças e adolescentes em 144 mil escolas do Brasil. É algo muito potente. O outro passo é garantir que as pessoas tenham a condição de renda, fruto do seu próprio trabalho. Então nós criamos um novo Bolsa Família em que, quando alguém tem uma renda abaixo de R$ 218 per capta na família, ela recebe o Bolsa Família. Mas quando ela tem um trabalho e a renda ultrapassa esse valor, mas fica menor que meio salário-mínimo per capita, ela ainda continua no programa. Antes, bastava ter uma carteira assinada e ela saía do programa. Agora, não [...].
Tem duas informações que considero boas. Nesse novo modelo do Bolsa Família, no ano passado, mais de nove milhões de pessoas do Cadastro Único tiveram carteira assinada. Claro que ainda tem uma parte com emprego sazonal. A outra notícia é que neste ano, dos 454 mil novos postos de trabalho criados, 326 mil foram ocupados por pessoas do Cadastro Único. Vagas de emprego são para qualquer brasileiro, mas quais são os brasileiros que estão indo atrás de emprego? São os brasileiros do Bolsa Família. O que mostra que é mentira e preconceito quando se diz que pagar Bolsa Família é alimentar preguiça e que esse povo não quer trabalhar. Ele quer trabalhar. Basta ter oportunidades e bons empregos.
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