Oriente Médio

Israel desafia resolução da ONU e promete manter guerra contra Hamas

Com a abstenção dos EUA, Conselho de Segurança aprova texto inédio que exige o "cessar-fogo imediato" na Faixa de Gaza e a libertação de todos os reféns por parte do grupo extremista. Netanyahu descarta trégua e cancela visita de alto nível a Washington

"Vivemos o nosso pior pesadelo. Estamos mortos, mas nos mantemos de pé. Todos os dias morremos um milhão de vezes. Não existe vida. Tudo aqui está acabado." O desabafo de Hazem Abu Moloh, 51 anos, médico e morador do campo de refugiados de Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza, foi feito horas depois de o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovar, pela primeira vez, uma resolução que exige cessar-fogo imediato no enclave palestino. A medida teria validade durante o ramadã (mês sagrado para o islã). O grupo extremista Hamas se comprometeria com a "libertação imediata e incondicional de todos os reféns". Israel não tardou em criticar o texto e, como retaliação, cancelou uma visita de uma delegação israelense a Washington. "O Estado de Israel não cessará fogo. Destruiremos o Hamas e continuaremos a lutar até que o último dos raptados regresse", escreveu o ministro das Relações Exteriores, Israel Katz. 

Ao admitir um "otimismo cauteloso", Moloh disse ao Correio esperar que o Hamas liberte os sequestrados. "É a primeira vez que uma resolução da ONU fica do nosso lado", lembrou. "Mais de 1,5 milhão de palestinos querem retornar à Cidade de Gaza e ao norte. A questão é: até que ponto essa resolução pode ser implementada?" O texto foi aprovado por 14 dos 15 membros permanentes do Conselho de Segurança. Somente a embaixadora dos EUA, Linda Thomas-Greenfield, se absteve. Quatro meses depois de abandonar a Faixa de Gaza, onde trabalhou como cirurgião plástico no Hospital Al-Shifa, Ghassan Abu-Sittah destacou a inédita abstenção de Washington. "Isso indica que os americanos não apoiarão uma guerra sem fim. Seis meses de matança, e os israelenses ainda querem mais", afirmou à reportagem, de Londres. 

"Trata-se de um claro retrocesso em comparação com a posição constante dos Estados Unidos no Conselho de Segurança desde o início da guerra", ressaltou um comunicado do gabinete do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Em nota, o Hamas saudou o apelo do Hamas pelo cessar-fogo imediato e expressou sua "vontade de iniciar um processo de troca" de reféns por presos palestinos detidos em Israel. A Autoridade Palestina também comemorou a resolução. "Exigimos o fim definitivo desta guerra criminosa e a retirada imediata de Israel da Faixa de Gaza", afirmou o ministro palestino de Assuntos Civil, Hussein Al Sheikh. "Exigimos o fim definitivo desta guerra criminosa e a retirada imediata de Israel da Faixa de Gaza."

Angela Weiss/AFP - Linda Thomas-Greenfield, embaixadora dos EUA na ONU, se abstém durante votação: mudança histórica

Na sexta-feira, China e Rússia tinham vetado outra resolução no Conselho de Segurança sobre cessar-fogo. Em mensagem publicada na rede social X, o antigo Twitter, o secretário-geral da ONU, António Guterres, exigiu de Israel e do Hamas que o texto seja seguido à risca. "Essa resolução deve ser implementada. O fracasso seria imperdoável", escreveu.

Perplexidade

Por sua vez, a Casa Branca demonstrou perplexidade com a decisão do governo de Benjamin Netanyahu de cancelar a ida de uma delegação de alto nível aos Estados Unidos. "Estamos um pouco perplexos com o cancelamento. Parece que o escrit´prio do premiê isralense tenta transmitir a sensação de que há um desacordo, quando não há", declarou o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby. Ele assegurou que a abstenção na votação de ontem não representa uma "mudança" na política dos EUA. 

Denilde Oliveira Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM-SP, não descarta em um maior isolamento de Israel, caso Netanyahu ignore a resolução. "Tudo dependerá da reação norte-americana, se os Estados Unidos continuarão a apoiar Israel de forma a garantir que o governo israelense tenha uma mudança de posição. Por outro lado, isso também pode dar força para que se chegue a uma negociação e colocar Israel e Hamas em uma nova rodada de discussões para conseguir ter algum progresso diplomático", explicou ao Correio

Mãe de Dafna, 15 anos, e Ela, 8, ambas sequestradas pelo Hamas em 7 de outubro e libertadas 51 dias depois, Maayan Zin comparou a resolução da ONU a uma "pílula amarga". "Compreendo que ela pouco contribui para garantir a libertação dos 130 reféns restantes.  É pouco provável que o Hamas os liberte, a menos que seja obrigado. Uma resolução da ONU que apela a um cessar-fogo, mas não exige a libertação imediata dos reféns, não mudará o seu destino", afirmou, em nota.

EU ACHO...

Francisco Emolo - 14/10/2016. Crédito: Arquivo Pessoal. Mundo. Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM São Paulo.

"É uma resolução importante. Desde o início da guerra não se conseguia chegar em um texto com apoio e uma única abstenção americana. Trata-se de um avanço impulsionado pela força da comoção internacional ante a questão humanitária. A capacidade que o Conselho de Segurança tem de implementar o texto é muito limitada. Dependeria da posição de Israel, que declarou que não o fará."

Denilde Oliveira Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM-SP

 

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Angela Weiss/AFP - Linda Thomas-Greenfield, embaixadora dos EUA na ONU, se abstém durante votação: mudança histórica
Arquivo pessoal - 14/10/2016. Crédito: Arquivo Pessoal. Mundo. Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM São Paulo.

Relatora acusa "atos de genocídio"

A relatora especial das Nações Unidas sobre os direitos humanos nos territórios palestinos indicou que "há motivos razoáveis" para afirmar que Israel comete "atos de genocídio em Gaza", em um relatório divulgado ontem. O documento menciona o risco de "uma limpeza étnica". "A índole e a escala do ataque israelense contra Gaza e as destrutivas condições de vida que desencadearam revelam uma tentativa de destruir os palestinos fisicamente como grupo", afirma a relatora, Francesca Albanese, no relatório que apresentará, hoje, ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Israel chamou as conclusões de "inversão obscena da realidade". 

O documento da relatora, intitulado Anatomia de um Genocídio, afirma que "existem motivos razoáveis para acreditar que se alcançou o limite que indica que foram cometidos atos de genocídio contra os palestinos em Gaza". Francesca Albanese, especialista independente designada pelo Conselho de Direitos Humanos, cujas declarações não têm caráter oficial , enumera vários desses atos, como "matar membros do grupo" designado ou impor aos mesmos, "deliberadamente, condições de vida destinadas a causar a sua destruição física total ou parcial".

Em 170 dias de guerra, os bombardeios israelenses mataram 32.226 palestinos, de acordo com o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, controlado pelo movimento extremista Hamas. Em média, 189 pessoas morrem todos os dias no enclave. Desse total, 14.280 são crianças. Ao menos 7 mil palestinos estariam desaparecidos, muitos deles presos sob os escombros.  

Eu acho...

"É uma resolução importante. Desde o início da guerra não se conseguia chegar em um texto com apoio e uma única abstenção americana. Trata-se de um avanço impulsionado pela força da comoção internacional ante a questão humanitária. A capacidade que o Conselho de Segurança tem de implementar o texto é muito limitada. Dependeria da posição de Israel, que declarou que não o fará."

Denilde Oliveira Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM-SP