Michael Woditschka lembra como se fosse ontem do dia de 1999 em que a polícia o intimou por ter tido um relacionamento com um jovem dois anos mais novo quando ele tinha 19 anos. Duas décadas depois, a Áustria "pede desculpas".
O consultor de 44 anos é uma das 11 mil pessoas LGBTQIA+ que até 2002 tiveram que enfrentar acusações no país.
Seu nome estava na lista de amantes que seu ex-companheiro, então menor de idade, forneceu quando foi preso no meio de um ato sexual dentro de um carro.
Desde 1º de fevereiro, as autoridades austríacas prometeram anular as sentenças contra todas as pessoas que a solicitarem, afirmando ainda que pagarão indenizações.
"Eu estava em busca de uma identidade, estava me construindo e, de repente, me vi tratado como um agressor sexual, tendo que detalhar minhas práticas [sexuais] na delegacia", lembra Woditschka.
Em tribunal, foi condenado a multa por "fornicação homossexual com menor" após a leitura detalhada de uma ata em audiência pública perante a imprensa. "Toda a Áustria de repente soube que eu era gay. Quando, com quem e como", afirmou ele.
A homossexualidade foi descriminalizada na Áustria em 1971, mas milhares de pessoas gays e bissexuais foram condenadas de acordo com os novos parágrafos do Código Penal.
Mesmo muito tempo após aderir à União Europeia em 1995, era necessário ser maior de idade para manter relações sexuais entre homens, embora lésbicas e heterossexuais estivessem livres de seus atos a partir dos 14 anos.
Embora as penas fossem frequentemente suspensas, "normalmente ainda estávamos em detenção provisória e todos sabiam disso", explica Andreas Brunner, especialista na história da comunidade LGTBQIA+ e codiretor do centro de arquivos QWIEN.
"Para muitos, foi uma morte social", disse o homem de 62 anos.
A condenação ficava registrada e muitas empresas e profissões exigiam não possuir registro judicial.
O partido conservador no poder, influenciado pela Igreja Católica, nunca quis modificar a legislação, contrariando o direito europeu.
- "Reabrir feridas" -
Em 2022, um decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos obrigou o governo austríaco a impôr um fim à descriminação.
Desde então, todos os avanços em relação às minorias sexuais e de gênero foram impostos pela Suprema Corte do país, incluindo o casamento e adoção entre pessoas do mesmo sexo em 2019.
Era hora de "olhar a história de frente e assumir as nossas responsabilidades", admite a ministra da Justiça, Alma Zadic, do partido ambientalista.
Criou-se então um fundo de 33 milhões de euros (R$ 180 milhões) para indenizar cada uma das 11 mil pessoas com 3.000 euros (R$ 16.398) e mais 1.500 euros (R$ 8.199) por cada ano de detenção.
Woditschka considera a medida um "símbolo", mas afirma que é "insuficiente", uma vez que "alguns perderam tudo", lamenta.
"Muitos dirão que não vale a pena reabrir feridas", diz ele, que acredita que teria sido melhor se as autoridades os contactassem "diretamente", e não que estas pessoas fornecessem "provas" por conta própria, acrescenta.
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