O presidente russo, Vladimir Putin, conquistou no domingo (17/3) seu quinto mandato presidencial, abrindo caminho para liderar o país até pelo menos 2030.
Em seu discurso de vitória, ele disse que a sua reeleição permitiria à Rússia prosperar, tornando-se "mais forte e mais eficaz".
Ele venceu o pleito com 87% dos votos, batendo o recorde anterior de 76,7% que havia alcançado nas últimas eleições — embora não tenha enfrentado nenhum candidato viável da oposição, uma vez que o Kremlin controla rigorosamente o sistema político, os meios de comunicação social e o processo eleitoral.
Muitos líderes ocidentais condenaram as eleições, dizendo que não foram livres nem justas, incluindo o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que chamou Putin de "ditador" — e afirmou que ele estava "embriagado de poder".
"Não há maldade que ele não vá cometer para prolongar seu poder pessoal", acrescentou.
Aos 71 anos, Putin, que chegou à presidência no último dia de 1999, já é o líder russo mais longevo desde Joseph Stalin, e pode agora bater o recorde do ditador soviético.
Apesar das baixas russas na guerra na Ucrânia, que está agora no seu terceiro ano, e de a Rússia ter sido isolada pelo Ocidente, há três razões pelas quais Putin está sem dúvida mais poderoso do que nunca.
'Censura e eliminação da dissidência'
"Putin sabe como suprimir todo tipo de debate político no país", explica Andrei Soldatov, um jornalista russo que vive exilado em Londres desde que foi forçado a fugir do país em 2020.
"Ele é também é muito bom em remover seus oponentes políticos do caminho", acrescenta.
Apenas três outros candidatos constavam nas cédulas de votação das eleições de 2024, e nenhum representava um verdadeiro desafio para Putin. Todos compartilhavam o apoio explícito ao presidente e à guerra na Ucrânia.
As verdadeiras ameaças ao cargo de Putin foram presas, mortas ou removidas de alguma outra forma, embora o Kremlin negue qualquer envolvimento.
Apenas um mês antes da abertura das urnas, o adversário mais feroz de Putin, Alexei Navalny, de 47 anos, morreu em uma colônia penal situada acima do Círculo Polar Ártico.
Ele cumpria uma longa pena de prisão por acusações de fraude, desacato à Justiça e extremismo, que foram alvo de críticas por terem motivação política.
"Putin desdenha muito da sua oposição", diz Soldatov.
"A sua resposta quando alguém politicamente importante é morto é dizer que (a pessoa) era 'insignificante', e ele se refere ao amplo apoio que tem para questionar: 'Por que é que eu o mataria?' O Kremlin é muito bom em fornecer essas desculpas."
Várias pessoas de destaque que desafiaram Putin morreram, de políticos a jornalistas.
No ano passado, o líder do grupo mercenário privado Wagner, Yevgeny Prigozhin, morreu em um acidente de avião poucos meses depois de uma dramática tentativa de motim.
Em 2015, o político Boris Nemtsov, crítico ferrenho de Putin, foi baleado e morto em uma ponte perto do Kremlin; e em 2006, Anna Politkovskaya, uma jornalista que criticava bastante a guerra na Chechênia, foi encontrada morta a tiros em Moscou.
"É muito assustador viver num país em que há jornalistas mortos, políticos e ativistas mortos e presos", afirma Soldatov.
"É muito desconfortável psicologicamente, por isso as pessoas comuns estão prontas para acreditar na narrativa do Kremlin, não porque acreditemos nela, mas porque queremos encontrar uma maneira de conviver com ela."
Putin também tentou controlar a dissidência individual entre a opinião pública.
Desde 2022, após a invasão da Ucrânia, o Kremlin introduziu novas leis de censura que reprimiram o sentimento antigoverno, com novos crimes como "desacreditar o Exército russo", puníveis com até cinco anos de prisão.
O presidente disse que os protestos durante esta eleição "não tiveram efeito" — e que quaisquer "crimes" seriam punidos após a votação.
"Hoje em dia não se trata de alguma reportagem da BBC ou da Radio Free Europe", diz Soldatov. "Trata-se de pessoas que podem testemunhar algo nas ruas e postar imediatamente, e aquilo ser compartilhado por milhões de pessoas."
"Putin tem esta crença de extrema fragilidade para o país, e é por isso que ele acredita que precisa fazer tudo para suprimir todos os tipos de dissidência, porque a próxima revolução pode começar com apenas duas ou três meninas protestando nas ruas."
Guerra na Ucrânia
Em uma entrevista coletiva após a eleição, Putin prometeu continuar com a invasão da Ucrânia.
Em seu terceiro ano, a guerra não foi a vitória rápida que muitos na Rússia esperavam, mas a cientista política russa Ekaterina Schulmann, radicada em Berlim, argumenta que Putin está usando o conflito a seu favor.
"Quando começou, era para ser como na Crimeia, só que maior", diz ela, mas "obviamente não foi breve nem sem derramamento de sangue, e afetou a forma como os russos se veem, o mundo exterior e seu líder".
Schulmann acredita que a invasão de 24 de fevereiro de 2022 não foi tão significativa para os russos como foi para quem estava fora do país.
"Houve uma espécie de lua de mel na primavera e no verão, quando as pessoas na Rússia defendiam a bandeira. Mas quando aconteceu a mobilização (militar) em setembro de 2022, a ansiedade disparou, as pessoas ficaram extremamente assustadas e o apoio à guerra diminuiu", explica.
Soldatov concorda e acredita que, com o declínio do apoio à guerra na Rússia, Putin mudou a narrativa.
"Agora já não é uma guerra com a Ucrânia", diz ele, "em vez disso, é uma guerra com o Ocidente, e isso está fazendo com que muitos russos se sintam orgulhosos porque o Exército não está apenas enfrentando um país pequeno — mas, sim, lutando contra um adversário muito maior".
Em seu discurso anual sobre o Estado da Nação, em 29 de fevereiro, Putin alertou o Ocidente contra o envio de tropas para a Ucrânia — e disse que a Rússia precisava reforçar suas defesas com a adesão da Suécia e da Finlândia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
"Todos no país, inclusive eu, aprenderam na escola que o Império Russo foi o único império do mundo construído por homens pacíficos", diz Soldatov.
"Todos queriam nos atacar, então quando você vende a narrativa de que a Otan está se dirigindo para suas fronteiras, as pessoas estão prontas para comprar essa narrativa."
Além disso, Soldatov acredita que o Ocidente não fez o suficiente para explicar ao mundo por que é que a guerra na Ucrânia importa.
"As pessoas na África, na América do Sul, por exemplo, não compreendem por que razão deveriam se importar, e esta é uma lacuna que Putin explorou", ele avalia.
"Putin é muito bom em jogar com o legado soviético, e é por isso que o continente africano está se tornando mais importante, e alguns destes países estão oferecendo infraestrutura e ajuda militar."
Crescimento da economia
Apesar dos níveis sem precedentes de sanções impostas à Rússia após a invasão da Ucrânia, o país surpreendeu muitos economistas ao se tornar a economia com crescimento mais rápido na Europa.
"A economia está funcionando bem, considerando todos os aspectos, e tornou Putin popular porque ele se retrata mais uma vez como alguém que desafiou o Ocidente em seu grande ataque à economia russa", diz o jornalista Alexey Kalmykov, do serviço de notícias em russo da BBC.
Em vez de contrair como muitos haviam previsto, a economia russa cresceu 2,6%, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), apesar das sanções ocidentais, que incluem o congelamento de US$ 300 bilhões em ativos do país.
Mas estas sanções não foram aplicadas unilateralmente em todo o mundo. Isso permite à Rússia negociar livremente com países como China, Índia e Brasil, enquanto seus vizinhos, incluindo o Cazaquistão e a Armênia, estão ajudando a Rússia a contornar as sanções ocidentais.
"A Rússia é uma economia gigantesca", diz Kalmykov.
"“Serão necessárias décadas de sanções abrangentes e de má administração para abatê-la, e nenhum (destes aspectos) está presente neste momento."
"A Rússia ganha dinheiro exportando commodities, e é basicamente livre para vender o que quiser", explica Kalmykov.
"As sanções ao petróleo são decorativas, e o gás natural, os grãos e os combustíveis nucleares não são alvo de sanção de forma alguma pelo principal comprador da Rússia – a União Europeia."
Schulmann afirma que embora os produtos "custem quatro vezes mais" do que antes, estão prontamente disponíveis, o que ela argumenta ser mais importante.
"Os russos estão habituados ao aumento dos preços. O nosso principal medo nacional não é a inflação, mas a escassez. A falta de produtos nas prateleiras — aquele horror no final (da era) soviética."
Kalmykov concorda. "É tudo uma questão de perspectiva, e isso é algo que a máquina de propaganda de Putin é muito boa em manobrar."
Mas não pode durar para sempre...
Embora Putin pareça mais poderoso do que nunca, Schulmann adverte que esta situação vai acabar chegando ao fim.
Graças a uma emenda à constituição russa em 2020, aprovada após um referendo nacional, Putin pode cumprir pelo menos mais dois mandatos de seis anos no cargo, o que pode levá-lo a ser presidente até 2036 — quando terá 83 anos.
"A aposentadoria não me parece uma possibilidade", avalia Schulmann.
"Ele pode morrer no cargo e ser sucedido por pessoas que compartilhem a mesma mentalidade autocrática."
Mas Schulmann argumenta que isso pode não acontecer. Ela afirma que o sistema da Rússia está "envelhecendo" — e é "liderado por alguém que não está ficando mais jovem, mais forte ou mais resiliente", concluindo que toda a "estabilidade está concentrada em uma pessoa" que "não pode viver para sempre".
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