ESTADOS UNIDOS

O que a venda de prédio por US$ 1 em NY diz sobre o mercado imobiliário

A queda da demanda está mudando os bairros da cidade e afetando os valores dos imóveis

BBC
Sem profissionais trabalhando nos escritórios vizinhos, Jimmy Yavrodi acredita que negócios como o dele – uma delicatessen em Nova York – não irão conseguir sobreviver

O proprietário de uma delicatessen em Nova York, nos Estados Unidos, Jimmy Yavrodi parece lançar um olhar sombrio para fora da loja que ele abriu 27 anos atrás em um dos principais pontos comerciais da cidade.

"Tudo está vazio", ele conta. "Não entendo isso."

Yavrodi tem 61 anos de idade. Do seu ponto na Park Avenue South, ele pagou a faculdade de dois filhos. Sua loja empregava 12 pessoas, fornecendo sanduíches e saladas para os profissionais que vinham dos edifícios próximos.

Hoje, ele é uma amostra do fenômeno que alguns estão chamando de "apocalipse" dos escritórios nos Estados Unidos.

O famoso edifício triangular Flatiron, vizinho ao estabelecimento, está vazio desde 2019. Seus proprietários anunciaram no ano passado que irão transformar os escritórios em apartamentos.

Na outra esquina, pessoas trabalham na inauguração de um novo escritório em frente ao Madison Square Park. Mas é o principal inquilino do prédio, a IBM, que está consolidando outros espaços na cidade.

O vizinho do lado, no endereço 360 Park Avenue South, está vazio desde 2021 para reforma. O edifício de 20 andares foi vendido naquele ano por US$ 300 milhões (cerca de R$ 1,49 bilhão).

O prédio foi notícia recentemente quando um dos seus proprietários vendeu sua participação de 29% para um dos sócios pelo preço de um dólar, livrando-se do compromisso assumido de investir mais US$ 45 milhões (cerca de R$ 224,1 milhões) em reformas.

BOSTON PROPERTIES
Imagem gerada por computador da 360 Park Avenue South. O edifício está vazio desde 2021

A região inclui ainda restaurantes com estrelas Michelin e locatários estáveis, incluindo uma parte do judiciário estadual.

Na rua, os moradores dizem que a vida voltou ao normal depois da pandemia de covid-19. Mas os números do Taza Café & Deli, de Yavrodi, contam uma história muito diferente.

Suas vendas caíram em 70% desde 2020. Elas revelam os enormes desafios enfrentados pelos proprietários de imóveis comerciais em todo o país e os riscos representados por essas questões para a economia como um todo.

"Nós dependemos dos funcionários dos escritórios e eles não estão aqui. É uma matemática muito simples", explica Yavrodi. "Se eles não vierem trabalhar, lugares como o nosso não conseguem sobreviver."

Quatro anos depois que a pandemia gerou uma revolução nas práticas do trabalho remoto, especialmente pronunciada nos Estados Unidos, reverter esta mudança vem sendo difícil – e já se tornou impossível ignorar as suas consequências.

Cerca de 20% dos escritórios dos Estados Unidos estavam vagos no final do ano passado. É a mais alta taxa de desocupação em mais de 40 anos, segundo a empresa de gestão de riscos Moody's Analytics.

Como a previsão é que este número aumente nos próximos 12 a 18 meses, a queda da demanda está mudando os bairros da cidade e afetando os valores dos imóveis. Estima-se que esses valores já tenham diminuído, em média, 25% em todo o país.

Um estudo recente estimou que a redução somada dos valores dos imóveis nos Estados Unidos tenha atingido mais de US$ 660 bilhões (cerca de R$ 3,28 trilhões) entre o final de 2019 e o final de 2022.

Este declínio coincidiu com um forte aumento dos custos dos empréstimos, o que incentivou até mesmo empresas em boas condições financeiras a abandonar seus imóveis, à medida que o seu valor de venda cai abaixo do valor da dívida.

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A atual taxa de desocupação dos escritórios de Nova York ultrapassa 20% – mais que o dobro do centro de Londres

Estima-se que 44% das hipotecas de escritórios do país estejam nessa situação. Estes problemas trouxeram preocupações generalizadas sobre como os bancos e a economia como um todo irão absorver o impacto, quando os empréstimos começarem a vencer.

Credores em países distantes, como a Alemanha e o Japão, estão reservando centenas de milhões de dólares, preparando-se para possíveis casos de inadimplência.

Nos Estados Unidos, um estudo recente indicou que cerca de 300 bancos estão em risco de insolvência por este motivo.

Estas questões são ainda mais sérias entre as instituições locais e regionais. Algumas delas, como o Banco Comunitário de Nova York, já viram suas ações afundarem perigosamente, com os investidores fugindo de possíveis problemas.

Analistas indicam que, se os bancos entrarem em colapso ou reduzirem seus empréstimos, a situação poderá sair de controle, dificultando a concessão de empréstimos para as pessoas e para outras empresas. E esta situação pode levar a uma recessão econômica mais severa.

No início de março, políticos pressionaram o presidente do Banco Central americano em Washington para saber o que as autoridades estão fazendo para evitar o pior.

"Haverá perdas", afirmou ao Congresso americano o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell. Ele declarou que o órgão regulador está em contato com empresas para reforçar suas reservas financeiras.

"Acredito que seja um problema administrável. Se isso mudar, irei informar", disse ele.

Até o momento, muitas das inadimplências foram estratégicas. Eles refletem alterações de prioridades de investimento e não problemas financeiros, segundo o chefe de economia imobiliária comercial da Moody's Analytics, Thomas LaSalvia.

Ele é um dos que preveem que haverá problemas regionais, mas não uma catástrofe econômica global.

Para ele, o teste virá nos próximos meses, quando muitas das hipotecas que foram emitidas antes que o Banco Central americano elevasse as taxas de juros precisarão ser refinanciadas.

"É o último capítulo desta história que irá ocorrer nos próximos seis a nove meses – que irá demonstrar quanta tensão realmente teremos e quando", afirma LaSalvia. "O mercado de escritórios... precisará adaptar seu tamanho, o que ainda não aconteceu."

Se as taxas de juros forem reduzidas ainda mais este ano, como muitos preveem, os riscos para o setor bancário terão "escala muito menor", segundo a professora Erica Jiang, da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos. Ela é uma das autoras do estudo sobre a possibilidade de insolvência bancária.

Mas, mesmo sem um desastre financeiro, as cidades americanas, que costumam depender muito dos impostos dos escritórios comerciais, já estão sentindo os efeitos da redução dos valores e da atividade econômica. Ela ameaça a obtenção da receita necessária para custear bibliotecas, parques e outros serviços básicos.

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Em São Francisco, a taxa de desocupação de escritórios ultrapassou 30% no ano passado. A cidade já está em busca de cortes de gastos.

Nova York conta com seus escritórios para gerar cerca de 10% da sua receita com impostos. A corregedoria alertou que a cidade pode enfrentar uma queda de receita de mais de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 4,98 bilhões) nos próximos anos em um cenário catastrófico.

Segundo a corregedoria, este valor representa menos de 2% das receitas com impostos e Nova York provavelmente poderá se ajustar a essa dificuldade. Mas a situação parece ser mais séria em outros lugares dos Estados Unidos.

Em São Francisco, por exemplo, a adoção do trabalho remoto teve maior escala. Lá, o prefeito suspendeu as contratações e fez com que as autoridades se preparassem para reduzir seus gastos em 10%.

Analistas de Boston, onde mais de um terço da receita dos impostos vem dos imóveis comerciais, preveem quedas orçamentárias crescentes e orientam a cidade a encontrar novas formas de levantar dinheiro.

Alertas também estão soando em Atlanta, Dallas e em outras cidades americanas.

Para LaSalvia, a pandemia acelerou o êxodo do centro das cidades, que funcionava das 9 às 17 horas, em direção a áreas de uso misto, o que já vinha acontecendo há décadas.

Os imóveis vagos podem causar problemas nos próximos anos, mas ele afirma que a oferta irá se encolher e a redução de valor também criará oportunidades para a chegada de novas empresas, que irão reinventar a vizinhança.

"Este momento é de mudança de centros de gravidade, de mudança de centros de poder em cada uma das nossas cidades", afirma ele.

E o bairro de Yavrodi, onde muitas empresas estão investindo em reformas, sem dúvida é um dos mais bem posicionados para suportar essa transição.

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Para Yavrodi, o trabalho no escritório nos moldes pré-pandemia 'nunca irá voltar'

No outro lado da rua, pequenas empresas de assistência médica quase preencheram um edifício que foi recentemente remodelado com o auxílio das isenções fiscais da cidade.

Na porta ao lado (360 Park Avenue South), um restaurante e uma empresa se comprometeram a alugar espaços e o proprietário, a empresa Boston Properties, afirmou que espera que o edifício esteja quase totalmente ocupado outra vez até o final do ano que vem.

As empresas de tecnologia que, antes, lideravam a demanda na região se afastaram, mas o vice-presidente da imobiliária CBRE e agente responsável pelo aluguel do edifício, Peter Turchin, afirma que ainda observa interesse de empresas do setor jurídico e financeiro. Elas convocaram seus funcionários a voltar ao escritório e estão prontas para pagar por espaço de primeira qualidade.

Sobre o acordo a US$ 1, "não acho que ele tenha significado mais amplo. Estamos bastante ocupados."

A empresa que vendeu sua participação é um fundo de pensão do Canadá e não quis comentar o assunto.

Yavrodi ainda está cético. Mesmo se o espaço for alugado, estima-se que apenas 12% dos funcionários de escritórios de Manhattan irão trabalhar presencialmente cinco dias por semana.

Para ele, este número simplesmente não é suficiente para sustentar varejistas como ele, especialmente porque muitas empresas estão oferecendo alimentos grátis ou fortemente subsidiados para tentar fazer seus funcionários engolirem melhor as convocações de retorno ao escritório.

Depois de reduzir seu quadro de funcionários de 12 para nove, alterar seu cardápio e ampliar as entregas, Yavrodi acha que pouco pode ser feito para combater o problema.

"Cada um tem uma ideia diferente, mas eles estão tentando tapar o sol com a peneira", explica ele. "O modo de vida dos escritórios, como era antes da pandemia, nunca irá voltar."

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