EUROPA

Portugal enfrenta cenário de incerteza após as eleições

Começa a articulação para formação do novo governo. Vitoriosa, a Aliança Democrática, de centro-direita, não tem maioria parlamentar e o Chega, de ultradireita, cobiça cargos, embalada por crescimento

Lisboa — Se a democracia deu sinal de vitalidade, com as eleições de domingo (30/3) registrando o menor índice de abstenção desde 1995 (33,8%), também acendeu o sinal de alerta em Portugal. O forte crescimento da ultradireita, representada pelo partido Chega, escancarou que os radicais populistas conseguiram o feito de reavivar o desejo dos portugueses de voltar a participar da vida política — mais 700 mil votaram em relação a 2022 — e que parte significativa deles se encantou com o discurso antissistema, que mira a destruição do Estado de direito. O ressentimento falou mais alto.

O dia seguinte das eleições mostrou um país bem diferente daquele que se imaginava antes do atual pleito e que terá de conviver com um governo frágil, tendo a Aliança Democrática (AD) à frente, sem maioria na Assembleia da República e com duas oposições que prometem fazer barulho: de um lado, o grande derrotado nas urnas, o Partido Socialista (PS), de outro, o Chega, a maior surpresa das eleições, que quadruplicou de tamanho, passando de 12 para 48 deputados, contabilizando 1,1 milhão de apoiadores.

A legenda de ultradireita, na verdade, tem um papel duplo neste momento. A princípio, será oposição, mas seu líder, André Ventura, já se ofereceu para compor com a AD e assumir postos importantes no Executivo. Mas o chefe da Aliança Democrática, Luís Montenegro, futuro primeiro-ministro, estabeleceu uma espécie de cordão sanitário. Durante a campanha e ontem, no discurso da vitória, ele reforçou que não se unirá aos radicais de direita. "Não é não", frisou. Há, porém, uma ala da principal força da AD, o Partido Social Democrata (PSD), disposta a uma união com o Chega. O risco de implosão da centro-direita é real.

Presidente sob ataque

A partir desta terça-feira (12/3), o presidente da República, Marcelo Rebelo de Souza, começará a conversar com os partidos para tentar moldar um governo que garanta o mínimo de estabilidade a Portugal. Mas poucos acreditam em um acerto que reduza a tensão política que é latente e, ao mesmo tempo, isole a extrema-direita. Parte dos portugueses acusa Sousa de ser o principal responsável pelo atual momento do país, ao se precipitar, dissolver a Assembleia da República e convocar eleições em novembro do ano passado. A decisão do presidente veio após o pedido de renúncia do socialista António Costa do cargo de primeiro-ministro, diante das denúncias de corrupção no governo, que até agora não foram provadas.

"Foi erro inaceitável do presidente", acredita Carlos O. Santos, professor aposentado da Universidade de Lisboa e doutor em ciências políticas. "O menos traumático teria sido a substituição de Costa e a continuidade do governo", acrescenta. Ele reconhece, contudo, que há um real desgaste em relação aos partidos tradicionais, que destravou a onda de insatisfação em Portugal e deu gás à ultradireita. "O Chega soube capitalizar todo o descontentamento dos eleitores e, com muita energia e criatividade, recorrendo a mentiras, conseguiu conversar diretamente com as pessoas, sobretudo, as mais jovens", emenda.

Para o professor, Portugal só está replicando o que já ocorre em vários países da Europa, em que a direita radical e populista chegou ao poder, como é o caso da Itália, que vive retrocessos em questões imigratórias e em temas relacionados com a população LGBTQIAPN+ . "Acredito que a tendência é de o Chega ampliar e consolidar seu espaço em Portugal, cuja estrutura política é pautada no clientelismo e na proteção de grupos específicos, o que alimenta o ressentimento dos eleitores", ressalta. Um dos pontos que mais chamou a atenção dele foi o avanço espetacular na ultradireita no Alentejo, território histórico do Partido Comunista.

Promessas e instabilidade

Se o partido de André Ventura, que integra a conexão que interliga Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil, só tende a crescer, tanto a Aliança Democrática quanto o Partido Socialista terão de se reinventar para conter a sangria que se viu nas eleições. A AD praticamente repetiu a votação de dois anos atrás (29,5%). Já os socialistas perderam mais de meio milhão de votos e, com 28,7% do eleitorado, viu a sua bancada na Assembleia da República encolher em 38 deputados.

Para o ainda primeiro-ministro António Costa, o PS precisa fazer um exame de consciência, assumir seus erros e tentar reconquistar a confiança da população. Secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos já avisou que, na oposição, a legenda não dará suporte ao futuro governo.

O grande teste da Aliança Democrática no comando do Executivo será a aprovação do orçamento de 2025, no fim do ano. Até lá, no entanto, Luís Montenegro terá de caminhar num terreno muito instável, tendo de mostrar serviço assim que tomar posse. Durante a campanha, ele prometeu reajustar os salários dos policiais, que estão na base de apoio do Chega, reduzir impostos, rearrumar o setor da saúde e convencer os professores a retornarem às salas de aula. A favor dele está a boa situação das contas públicas, com superavit no caixa e dívida pública abaixo de 100% do Produto Interno Bruto (PIB).

Na avaliação do professor Mariano Neto, 62 anos, a despeito dos surpreendentes resultados das urnas, não há motivo para preocupações. "Desde a redemocratização, há 50 anos, Portugal tem alternado governos de esquerda e de direita. Portanto, não creio que possa haver uma mudança significativa no sistema político, sobretudo com a Aliança Democrática no comando do Executivo", destacou. "Mas creio que a população estará mais ativa nas cobranças ao governo. São muitas as queixas nas áreas da saúde, da educação e da habitação", completou.

Apreensão no Planalto

O governo brasileiro está analisando, em detalhes, os motivos que levaram Portugal a dar uma guinada à direita, depois de oito anos de governo socialista, com a ultradireita quadruplicando a sua presença na Assembleia da República, de 12 para 48 deputados. A apreensão é grande.

A visão no Palácio do Planalto é a de que a Aliança Democrática (AD), de centro-direita, que aparece como vencedora das urnas, com 29,5% dos votos apurados, deve resistir a todas as pressões e não se render a uma coligação com o Chega.

Parte do grupo liderado por Luís Montenegro na AD não se importa em se unir à direita radical para a formação de um eventual governo. Nem que, para isso, o quase-futuro primeiro-ministro seja retirado do jogo.

Brasil e Portugal voltaram a estreitar relações em 2023, depois de quatro anos de afastamento no governo de Jair Bolsonaro. Agora, essa proximidade está sob risco, caso o Chega, de André Ventura, conquiste espaço no Executivo português.

Na noite de domingo (10/3), no discurso de vitória, Luís Montenegro reforçou o que vinha dizendo durante a campanha eleitoral, ou seja, que a Aliança Democrática não se coligará com a direita radical. Ele manteve a posição de que "não é não".

Mas, como em política tudo é volátil, o Palácio do Planalto não descarta a possibilidade de a AD firmar parceria com o Chega, formando maioria na Assembleia da República. Se isso ocorrer, o distanciamento entre Brasil e Portugal se tornará realidade.

Os dois países têm combinado para este ano uma nova reunião de cúpula. A previsão era de que o encontro entre os chefes de Estado ocorresse em abril, em Brasília. Mas, agora, diante do que se viu nas urnas, ninguém sabe se o evento se realizará.

Brasil e Portugal ficaram sete anos sem uma reunião de cúpula. No ano passado, em Lisboa, a parceria entre os dois países resultou em avanços importantes, como a regularização da documentação de milhares de brasileiros em território luso. Foram fechados 13 acordos em diversas áreas.

Como diz um assessor próximo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é preciso ter paciência e ver em que direção os ventos realmente vão soprar em Portugal. Numa primeira análise, a perspectiva não é boa. (VN)

 

Brasileiro faz história e se elege deputado pela ultradireita

O empresário Marcus Santos, de 45 anos, fez história e se tornou o primeiro brasileiro a vencer uma disputa para deputado em Portugal. Há 15 anos vivendo no país europeu, ele concorreu pelo Chega, partido da ultradireita que teve um impressionante crescimento nas eleições do último domingo (10/3), quadruplicando a bancada de parlamentares na Assembleia da República, de 12 para 48.

O ex-lutador de artes marciais, que é vice-presidente do Chega, ganhou o posto de deputado pelo estado do Porto, onde mora. O partido teve 18,1% dos votos apurados e venceu no Algarve, o que não ocorria há 30 anos, quebrando uma alternância histórica entre o Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD), que integra a Aliança Democrática (AD).

Em recente entrevista ao Correio, Santos disse que "será uma honra tornar-se o primeiro luso-brasileiro a ter a confiança dos portugueses para os representar na casa da democracia". Prometeu representar não só os portugueses, mas todos os imigrantes que, como ele, encontraram em Portugal um novo lar. "Um país melhor para os portugueses será um país melhor para todos", acrescentou.

Segundo o empresário, apesar de ser negro e brasileiro, ele nunca sofreu qualquer discriminação dentro do Chega, ainda que uma grande ala dentro do partido seja contra a presença de estrangeiros em Portugal, estimulando a xenofobia e o racismo. O próprio Santos defende um controle maior da imigração em território luso.

"O Chega quer apenas um controle maior na entrada de imigrantes em Portugal. Devem ser permitidos apenas aquelas pessoas com habilidades que o país precisa, mão de obra qualificada. Não se trata de xenofobia, trata-se de proteger os cidadãos locais", destacou.

Santos, que é dono de uma rede de academias em Portugal, assinalou que os imigrantes que escolheram Portugal para morar e trabalhar não querem que as portas estejam escancaradas "para qualquer um". "Da forma como está, a imigração tem trazido a violência. Já houve piora nos sistemas públicos de saúde e de educação, que estão sobrecarregados", frisou.

O brasileiro ressaltou, ainda, que o trânsito livre para imigrantes facilita o tráfico de seres humanos e leva muitos deles a serem explorados quase que como escravos. "Além disso, não há casas suficientes no país para quem vem de fora. Assim, muita gente acaba se amontoando em um único imóvel. Por isso, o Chega defende o controle da imigração", emendou.

Bandeira conservadora

A bandeira principal de Santos na campanha foi a proteção à família. "O Chega é um partido de patriotas, de nacionalistas, com prioridade para os portugueses. Esse é o motivo de colocarmos a família à frente de tudo", disse. Para ele, foi justamente o discurso conservador do partido que atraiu um grande número de apoiadores, sobretudo, os mais jovens, que "estão desesperançados com tanta corrupção".

Entre os brasileiros que moram em Portugal, a maior parcela dos votantes no Chega é de evangélicos. "São pessoas que não buscam benefícios, querem apenas proteger a família e acreditam que homem é homem e mulher é mulher. Com essa posição, o Chega tem atraído até muçulmanos", complementou. (VN)

 

 

 

 

 

 

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