Os Estados Unidos realizaram no sábado (2/3) o seu primeiro lançamento aéreo de ajuda humanitária para Gaza, com mais de 30 mil refeições lançadas de paraquedas por três aviões militares. Mas a operação ocorreu em meio a críticas de grupos humanitários e pessoas que estão no território palestino.
A ação, realizada em conjunto com a Força Aérea da Jordânia, foi a primeira de muitas anunciadas pelo presidente dos EUA, Joe Biden, e aconteceu depois de pelo menos 112 pessoas terem morrido enquanto multidões corriam para chegar a um comboio de ajuda nas cercanias da Cidade de Gaza, na quinta-feira (29/02).
Os militares de Israel disseram que a maioria dos palestinos morreu pisoteada, mas autoridades locais de saúde disseram que as vítimas levadas aos hospitais foram atingidas por munições de alto calibre. Israel diz que está investigando o caso.
O primeiro lançamento aéreo dos EUA também ocorreu no momento em que um representante do governo dos EUA disse que as bases de um acordo para um cessar-fogo de seis semanas em Gaza já estão avançadas.
Quanta ajuda foi entregue na operação aérea e por que ela atraiu tantas críticas?
Aviões C-130 dos EUA lançaram cerca de 38 mil refeições ao longo da costa no sudoeste de Gaza, em uma esforço conduzido pelas forças aéreas dos EUA e da Jordânia, segundo o Comando Central dos EUA em um comunicado.
As refeições contêm calorias suficientes para um dia em embalagens seladas, segundo autoridades americanas citadas pela agência de notícias AP.
Outros países, incluindo o Reino Unido, a França, o Egito e a Jordânia, já lançaram ajuda aérea em Gaza, mas esta é a primeira dos EUA.
O presidente Biden também disse que os EUA iriam "redobrar esforços para abrir um corredor marítimo e expandir as entregas por terra".
A ajuda humanitária a Gaza é normalmente entregue por caminhões que passam por pontos na fronteira controlados por Israel e pelo Egito.
A maioria dessas passagens esteve fechada durante a maior parte da guerra, limitando o número de caminhões que conseguiam efetivamente chegar a Gaza.
A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que um quarto dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza estão passando fome.
'Insuficiente'
Morador de Gaza, Ismail Mokbel disse à rádio Gaza's Lifeline da BBC News Árabe - um serviço de rádio de emergência para a Faixa de Gaza criado em resposta ao conflito na região - que a ajuda lançada por via aérea consistia em algumas legumes e produtos essenciais para a saúde das mulheres.
Outro residente que estava perto do Hospital al-Shifa, no norte de Gaza, Abu Youssef, disse à rádio que não conseguiu obter ajuda.
"De repente, quando estávamos olhando para o céu, vimos paraquedas. Assim, permanecemos no local [onde estávamos] até eles pousarem a cerca de 500 metros de nós. Havia muita gente, mas a ajuda era pouca e por isso não conseguimos pegar nada."
Não havia o suficiente para o grande número de cidadãos que enfrenta a escassez de todos os bens essenciais, disse Mokbel.
"Milhares de cidadãos viram os pacotes caindo. E quando centenas ou milhares esperam nessas áreas, apenas cerca de 10 a 20 pessoas conseguem as coisas, enquanto os outros voltam sem nada. Infelizmente, este método de lançamento aéreo não é a forma mais adequada de transportar ajuda para o distrito norte de Gaza", acrescentou.
"Gaza precisa de um caminho terrestre e pela água para entregar a ajuda, em vez de fazê-lo de uma maneira que não atenda às necessidades de todos os cidadãos."
'Caro e aleatório'
Inicialmente utilizados durante a Segunda Guerra para abastecer tropas isoladas em solo, os lançamentos aéreos evoluíram para uma ferramenta valiosa para a ajuda humanitária, tendo sido utilizados pela primeira vez pela ONU em 1973.
No entanto, são considerados um "último recurso" para serem utilizados apenas "quando opções mais eficazes falham", como afirmou o Programa Alimentar Mundial (PAM) num relatório de 2021. O Sudão do Sul é o último lugar onde o PAM fez lançamentos aéreos.
"Os lançamentos aéreos são caros, aleatórios e geralmente fazem com que as pessoas erradas recebam a ajuda", disse Jan Egeland, chefe da organização humanitária Conselho Norueguês para os Refugiados, depois de regressar de uma recente visita de três dias a Gaza.
Os lançamentos aéreos são sete vezes mais caros em comparação com a ajuda terrestre devido aos custos relacionados com aeronaves, combustível e pessoal, afirma o PAM.
Além disso, apenas quantidades relativamente pequenas podem ser entregues em cada voo – em comparação com o que um comboio de caminhões pode trazer e com a significativa coordenação terrestre necessária dentro da zona de entrega, afirma o PAM.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha também destacou a importância de controlar a distribuição para evitar que as pessoas arrisquem as suas vidas ao consumir produtos inadequados ou inseguros, afirmou a entidade em um relatório de 2016, quando esse tipo de ajuda estava sendo lançado na Síria durante a guerra civil do país.
"A entrega repentina e não supervisionada de tipos de alimentos a pessoas desnutridas ou mesmo famintas pode representar sérios riscos à vida. Esses riscos precisam ser avaliados em relação à entrega por via aérea ou ao atraso que uma distribuição terrestre pode incorrer", afirma.
Os lançamentos aéreos podem ser feitos a partir de diferentes altitudes, variando entre cerca de 300 e 5.600 metros em zonas de conflito. Garantir embalagens robustas é crucial para que as encomendas possam suportar o impacto no solo, acrescenta o PAM.
Segundo a organização, as zonas de lançamento deveriam idealmente ser grandes áreas abertas, não menores do que um campo de futebol, razão pela qual as entregas têm sido frequentemente destinadas à costa de Gaza.
No entanto, isto por vezes resultou na queda da ajuda no mar ou no transporte pelo vento para Israel, de acordo com relatos locais.
'Cessar-fogo necessário'
Samir Abo Sabha, residente de Gaza, disse à rádio Gaza Lifeline da BBC Árabe que acredita que os EUA deveriam fazer mais e pressionar Israel por um cessar-fogo na guerra.
"Estas coisas não servem para nada; o que queremos é que os Estados Unidos pressionem Israel para um cessar-fogo e pare de fornecer armas e mísseis a Israel", disse.
Algumas organizações humanitárias partilharam deste sentimento.
Na semana passada, a ONG Oxfam International criticou a iniciativa anunciada pela administração Biden, dizendo que os lançamentos aéreos "serviriam principalmente para aliviar as consciências culpadas de altos funcionários dos EUA cujas políticas estão contribuindo para as atrocidades em curso e o risco de fome em Gaza", disse Scott Paul, diretor da Oxfam para assuntos relacionados a defesa.
Mas, à medida que a crise humanitária se aprofunda no território palestiniano, outros argumentam que os alimentos devem ser entregues na região "de qualquer forma possível".
"Precisamos levar alimentos para Gaza de qualquer maneira que pudermos. Devíamos trazê-lo pelo mar. Devíamos colocar barcos na frente de Gaza", disse José Andrés, chefe de cozinha e fundador da World Central Kitchen, que tem enviado alimentos para Gaza e foi indicado pelo Partido Democrata para disputar o prêmio Nobel da Paz.